25/07/2025 - 12:56
Líderes da Alemanha sempre reforçaram sua responsabilidade histórica devido ao Holocausto. Mas há pressão crescente por palavras e ações mais duras contra Tel Aviv.”A guerra em Gaza deve terminar agora”, afirma uma declaração conjunta assinada por 28 países que vem tendo grande repercussão. As nações apelam às partes envolvidas no conflito para que concordem com um “cessar-fogo imediato, incondicional e permanente” e exortam o cumprimento das leis humanitárias internacionais.
Entre os 28 Estados signatários da declaração estão a França, a Dinamarca e o Reino Unido, mas não a Alemanha.
Apesar disso, desde que assumiu o cargo, no início de maio, o chanceler federal alemão, Friedrich Merz, criticou repetidamente as ações israelenses, tanto na Faixa de Gaza quanto na Cisjordânia, e expressou suas diferenças de opinião com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.
“Declaramos clara e inequivocamente o que não é aceitável, e o que está acontecendo lá não é mais aceitável”, disse ele em uma coletiva de imprensa em 18 de julho.
O Holocausto e a responsabilidade com Israel
Um dos motivos dessa tensão é a gestão política da responsabilidade permanente da Alemanha com Israel à luz do Holocausto – o massacre de seis milhões de judeus pelo regime nazista que somente teve fim com a vitória dos Aliados sobre a Alemanha em 1945.
“A existência e a segurança do Estado de Israel são e continuam sendo nossa razão de Estado”, disse Merz ao Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão) em sua primeira declaração oficial de governo em 14 de maio de 2025.
Ele se referia ao ataque terrorista realizado “da maneira mais bárbara” pelo Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023. “Gostaria de aproveitar a ocasião para dizer aos nossos amigos israelenses: estamos firmemente ao lado de Israel.”
Seu antecessor, o social-democrata Olaf Scholz, também enfatizou em Jerusalém em 2022 que o massacre de judeus pelos nazistas dá origem à “responsabilidade eterna pela segurança do Estado de Israel e pela proteção da vida judaica” para “todo governo alemão”.
O termo “responsabilidade eterna” descreve a relação especial da Alemanha com Israel. Muitos avaliam como um “milagre” que Israel e a República Federal da Alemanha tenham estabelecido relações diplomáticas plenas em 1965. O jovem Estado de Israel buscou inicialmente um distanciamento rigoroso em relação à “terra dos assassinos”. Alguns ex-membros do regime nazista também eram politicamente ativos na Alemanha do pós-guerra.
A reaproximação foi precedida por acordos sobre pagamentos por reparações por parte dos alemães e o compromisso voluntário de restituição de bens, o chamado Acordo de Luxemburgo de 1952.
Inicialmente, foi uma reaproximação entre duas pessoas. O primeiro premiê de Israel, David Ben-Gurion (1886-1973), defendia desde o início sua visão de uma “outra Alemanha”. Ele e o primeiro chanceler federal alemão do pós-guerra, Konrad Adenauer (1876-1967), reuniram-se apenas duas vezes, em 1960 e 1966. Nessas ocasiões, os dois estadistas pareciam amigos à distância.
De Bergen-Belsen a Berlim e Bonn
A retomada total das relações diplomáticas em 1965 foi seguida por várias visitas oficiais.
O social-democrata Willy Brandt se tornou o primeiro chanceler federal alemão a realizar uma visita de Estado a Israel em junho de 1973, que durou cinco dias. O premiê israelense Yitzhak Rabin chegou à Alemanha em julho de 1975, iniciando sua visita no antigo campo de concentração de Bergen-Belsen antes de ir para Berlim e Bonn – a então capital da Alemanha Ocidental. Chefes de governo ou ministros da República Democrática Alemã (RDA) – a Alemanha Oriental – nunca visitaram Israel.
Angela Merkel, chanceler federal de 2005 a 2021, visitou Israel oito vezes, mais do que todos os outros chanceleres alemães juntos. Em 2008, ela se tornou a primeira chefe de governo estrangeira a discursar no Knesset, o Parlamento israelense. Ela falou em alemão, a língua dos algozes.
“Todos os governos federais e todos os chanceleres antes de mim estavam comprometidos com a responsabilidade histórica especial da Alemanha com a segurança de Israel. Essa responsabilidade histórica da Alemanha faz parte da razão de Estado do meu país. Isso significa que a segurança de Israel nunca é negociável para mim como chanceler alemã”, afirmou.
A propósito, o líder da oposição israelense na época era atual premiê Benjamin Netanyahu, que criticou Merkel por proferir seu discurso em alemão.
A fala de Merkel sobre a “razão de Estado” da Alemanha se tornou, desde então, um ponto de referência frequente na definição das relações teuto-israelenses. Ela não inventou esse termo, nem foi a primeira a usá-lo politicamente, mas o colocou em destaque.
Esfriamento das relações bilaterais
Talvez a frase dita por Merkel seja citada com tanta frequência porque as relações bilaterais na prática ficaram cada vez mais difíceis. Por exemplo, de 2008 a 2018, ocorreram sete consultas governamentais entre os dois países, em Jerusalém ou Berlim. Essas são grandes reuniões com todos os membros dos dois gabinetes. Desde então, nada mais aconteceu.
O governo de Israel está incomodado com a insistência da Alemanha em uma solução de dois Estados para a crise entre israelenses e palestinos, o que resultaria em um Estado palestino independente, e rejeita as críticas alemãs à construção ilegal de assentamentos nos territórios ocupados. Berlim também critica o envolvimento de partidos extremistas de direita no governo de Netanyahu. Por outro lado, o governo alemão não consegue manter o antissemitismo sob controle na Alemanha.
Os ataques terroristas do Hamas contra Israel, que deixaram mais de 1.200 mortos e 251 de reféns sequestrados, geraram inúmeras mensagens de solidariedade e visitas de políticos alemães a Israel após 7 de outubro de 2023. As ações de Israel e dos EUA contra o Irã para impedi-lo de produzir armas nucleares também receberam o aval de Berlim. Merz, inclusive, chegou a afirmar que Israel estava fazendo “o trabalho sujo” para o Ocidente ao atacar o Irã.
Familiares de reféns israelenses levados para Gaza são recebidos regularmente em Berlim. Ao mesmo tempo, pesquisas mostram que muitos na Alemanha passaram a desejar a adoção de uma linguagem mais dura por parte dos políticos alemães, diante das imagens da destruição e das dezenas de milhares de mortes em Gaza.
Críticas mais duras de Berlim, mas sem sanções
“A forma como o Exército israelense está agindo não é aceitável”, disse o chanceler Merz nesta segunda-feira (21/07). Desde que assumiu o cargo, ele expressou críticas várias vezes. Mas, segundo seus porta-vozes, o governo alemão não considera as ações de Israel na Faixa de Gaza como genocídio, e bloqueia eventuais sanções da UE contra Israel.
Contudo, a declaração conjunta das 28 nações deu novo impulso ao debate na Alemanha. O governo não aderiu ao apelo, embora os políticos do Partido Social-Democrata (SPD) – parceiro da União Democrata Cristã (CDU) de Merz na coalizão de governo – defendam essa medida.
Enquanto o chanceler Merz e o porta-voz do governo, Stefan Kornelius, enfatizam a unanimidade da coalizão CDU-SPD em sua abordagem sobre Israel, a bancada parlamentar do SPD no Bundestag pediu que o governo assinasse a declaração. A ministra do Desenvolvimento, a social-democrata Reem Alabali Radovan, fez comentários semelhantes.
Líder do SPD critica Israel
“Se o direito internacional for sistematicamente violado, deve haver consequências”, declarou o líder da bancada do SPD, Matthias Miersch, em postagem no X. “Crianças famintas, infraestrutura destruída, ataques contra aqueles que buscam assistência – isso contradiz tudo o que é protegido pelo direito internacional humanitário.”
O novo secretário-geral do SPD, Tim Klüssendorf, explicitamente vinculou isso à obrigação especial da Alemanha. “Se agora criticamos um governo israelense que, na nossa opinião, viola o direito internacional, não estamos dizendo adeus à cooperação com Israel ou com o Estado”, afirmou.
O apelo da bancada do SPD foi seguido de um sinal vindo do Ministério do Exterior, liderado pela CDU. A revista alemã Der Spiegel divulgou uma carta aberta redigida por um grupo de 130 diplomatas alemães, em sua maioria jovens, mas que inclui mais de uma dezena de ex-embaixadores.
No documento, o grupo pede por críticas mais contundentes ao governo israelense e medidas concretas, que vão desde uma mudança de rumo em relação às exportações alemãs de armas para Israel até sanções econômicas contra assentamentos israelenses nos territórios ocupados, passando pelo reconhecimento de um Estado palestino democraticamente legítimo. “A hora de agir é agora”, concluíram os diplomatas.