06/05/2009 - 7:00
Quem tem dívida sabe a dificuldade que é. todos os meses é preciso fazer um esforço para reservar a quantia exata no orçamento. Adiar o pagamento acaba sendo pior. Afinal, a incidência de juros pode fazer o valor se multiplicar. isso acontece com pessoas físicas e jurídicas. Quando a mesma situação ocorre com os governos federal, estaduais e municipais, há uma inversão de valores. Apesar de grandes cobradores de impostos, os poderes executivos são maus pagadores de suas dívidas. Que o diga quem está na fila para receber os precatórios, como são chamadas as dívidas contestadas judicialmente e com sentença proferida a favor do credor, como, por exemplo, donos de imóveis desapropriados. Não há um número oficial, mas estima-se que existam cerca de R$ 100 bilhões em precatórios não pagos. A Proposta de emenda Constitucional número 12, a PeC 12, em tramitação na Câmara Federal, vai mexer com o bolso dos cidadãos e fundos de investimento que têm a receber de estados e municípios. Com problemas de equilíbrio de orçamento, governadores e prefeitos querem uma folga no caixa. E a sugestão é modificar o prazo, a ordem de recebimento e a rentabilidade desses títulos, numa verdadeira guilhotina nos rendimentos de quem depende dos precatórios.
Na prática, os precatórios são a obrigatoriedade de pagamento da dívida determinada pela Justiça após o calote de um dos poderes executivos. Quem teve um imóvel desapropriado pelo Estado ou pelo município provavelmente está nessa situação. Em São Paulo, com a expansão das linhas do metrô, casos como esse são comuns. A Justiça de São Paulo, por exemplo, institui uma correção da inflação pelo INPC, somada a 12% anuais para os precatórios. Mas, por sugestão do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), a correção desses títulos deve ser igual à da caderneta de poupança, ou seja, a taxa referencial (TR) mais 6% ao ano. A capital paulista é a maior devedora depois do governo federal e do Estado de São Paulo. São R$ 10 bilhões em precatórios, de acordo com o Tesouro Direto. E, segundo levantamento da Austin Rating, a cidade comandada pelo prefeito Gilberto Kassab demoraria cerca de 40 anos para quitar seus débitos, caso nenhum outro precatório entrasse na conta atual. Com a aprovação da PEC, o novo prazo pode passar de 100 anos. “A luz amarela foi acesa”, diz Alex Agostini, economistachefe da Austin Rating. “A aprovação é um retrocesso na gestão pública, que estava mudando com a Lei de Responsabilidade Fiscal”, completa ele. Modificar o precatório é instituir o “calote do calote”, dizem advogados de investidores.
Anteriormente, a Justiça determinava o bloqueio da verba se houvesse atraso do pagamento e instituía um prazo de dez anos para quitar os precatórios. Respeitava-se uma fila, independentemente do montante a ser recebido. A proposta da PEC é privilegiar os precatórios alimentares e arrolar por mais tempo os não alimentares, que formam o grosso das dívidas. “É uma maneira de colocar na lei que o calote é válido”, diz o advogado Nelson Lacerda, do escritório Lacerda & Lacerda. Aquele que suou para pagar o imóvel próprio vai para o fim da fila e pode nem ver o dinheiro a que tinha direito de receber em vida. “Essa mudança afeta tanto os cidadãos locais quanto os investidores institucionais”, afirma Gustavo Viseu, sócio do Viseu, Cunha & Oricchio.
Medida pode afetar cerca de R$ 100 Bilhões em dívidas de precatórios
Os grandes investidores diversificaram a carteira com os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs). Atualmente com R$ 62 bilhões de patrimônio líquido, de acordo com dados da Anbid até 22 de abril, os FIDCs cresceram 40% em patrimônio em 12 meses e têm cerca de R$ 5 bilhões de precatórios na carteira. 90%, porém, são de precatórios federais, que ficariam de fora da PEC. O governo federal tem folga no Orçamento para o pagamento e a remuneração é de inflação (medida pelo IPCA) mais 6% ao ano. “A mudança dificilmente chegará aos precatórios federais, mas preocupa pela alteração de um ambiente impecável nos últimos anos”, diz um gestor que ofereceu precatórios para investidores internacionais. Os prospectos dos FIDCs alertavam os cotistas sobre problemas que poderiam ocorrer com os precatórios. Resta saber qual é a consequência que uma mudança no meio do jogo pode provocar. “Confiança se constrói passo a passo e pode se perder com um tropeção”, afirma Arturo Profili, sócio da gestora de recursos Capitânia.