A chuva era intensa, mas o executivo Giorgio della Seta, presidente da Pirelli no Brasil, não arredou o pé dos festejos de 450 anos da cidade de São Paulo. Inteiramente molhado, Seta observava com atenção as milhares de pessoas que usavam celulares da TIM para tirar fotos dos eventos. O interesse de Seta era profissional. A cena ilustrava a profunda transformação no perfil da Pirelli ao longo dos últimos nove anos, período em que ele esteve no comando das operações brasileiras do grupo italiano. De um tradicional fabricante de pneus e cabos elétricos, a Pirelli tornou-se de um dia para outro um dos maiores operadores de telefonia celular do País. Há dois anos, a companhia nada tinha a ver com o mundo das telecomunicações, até que adquiriu a Telecom Italia em seu país de origem e a operação brasileira caiu no colo de Seta ? uma operação já marcada por conflitos entre os acionistas. Agora, às vésperas da aposentadoria e de sua volta à Itália, ele entregará a seu sucessor, o também italiano Alberto Moggi, uma empresa completamente diferente daquela que recebeu. A incorporação da Telecom Italia adiou por dois anos a despedida de Seta. Aos 68 anos, esse fiorentino chama a atenção pela habilidade no trato com as pessoas e pela elegância clássica dos italianos, com ternos bem cortados e discretas gravatas de seda. ?É um diplomata?, define um empresário do setor. ?Era disso que a Pirelli precisava naquele momento: bom relacionamento e capacidade de negociação para administrar a briga entre sócios.?

Seta deixará dois tipos de herança para Moggi. No braço industrial (pneus e cabos), entregará um negócio com lucro anual de R$ 100 milhões, com fábricas modernas e liderança em seu mercado de atuação. Nenhuma outra unidade (nem mesmo a matriz) produz tantos pneus Pirelli no mundo. Na telefonia, porém, a situação é complexa e pode ser dividida em duas partes. Nos celulares, a TIM tem receita de R$ 3 bilhões e 8 milhões de clientes, dos quais 2 milhões conquistados pela equipe de Seta na operação nacional
com a tecnologia GSM.

A telefonia fixa, porém, guarda as maiores dificuldades. O grupo italiano é sócio do Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, na Brasil Telecom. E lá a guerra societária ainda está longe de um ponto final. Semanas atrás, a Anatel autorizou a volta da Telecom Italia ao bloco de controle da Brasil Telecom, mas o retorno foi barrado pelo Opportunity sob a alegação de que feria a lei. Por isso, a Telecom Italia agora tenta retornar à Brasil Telecom pela via judicial ? a primeira audiência está marcada para 10 de fevereiro. Superar esse impasse será o maior desafio de Moggi no Brasil. No outro pedaço da Pirelli, ele encontrará boa parte do serviço pronto. Ao desembarcar no Brasil em 1995, Seta deparou-se com uma companhia deficitária, no segundo posto do mercado de pneus, com 30%. A partir daí, redesenhou a estrutura do grupo. Cada uma das fábricas tornou-se um centro de excelência em certo tipo de pneu. A unidade de Santo André especializou-se em pneus radiais para caminhões. A de Gravataí (RS) tornou-se centro mundial para pneus de motocicleta. Em Feira de Santana (BA), a fábrica foi praticamente reconstruída, com investimentos de US$ 100 milhões. Com isso, a Pirelli se transformou em base de exportação do grupo. Atualmente, 40% do faturamento de R$ 2,2 bilhões vêm das vendas externas, contra 10% de anos atrás. ?Queremos que elas representem metade de nossas receitas?, diz Seta. Ao mesmo tempo, Seta terceirizou atividades não essenciais, como banco, agência de viagens, segurança, entre outras. Resultado: o número de funcionários caiu de 15 mil para 7 mil.

Na praia. Seta também inaugurou um fluxo de brasileiros para outros países. Hoje os presidentes das filiais da Argentina, Finlândia, Indonésia, Hungria e Venezuela têm passaporte verde-e-amarelo. ?Esse movimento provoca uma troca de experiências positiva?, afirma ele. Seta fala de sua própria experiência. Formado em Direito na Universidade de Milão, sua carreira teve início há 43 anos na própria Pirelli. Desde então, trabalhou mais fora do que dentro da Itália ?
em países diferentes como Gana, França, Bélgica e México. Agora,
vai se recolher ao conselho de administração do grupo. ?Mas devido à minha experiência na América Latina, vou continuar me envolvendo com os assuntos do continente?, diz ele. Seta está inclusive procurando uma casa em uma praia brasileira, onde passará boa
parte do ano. ?Essa é uma das mais difíceis escolhas, pois as alternativas são inúmeras?, afirma Seta.