06/04/2004 - 7:00
Era um homem acima de qualquer suspeita. Com ar de aristocrata, 37 anos, boa aparência, loiro, 1,75m de altura e olhos verdes ligeiramente indiferentes a quem estivesse a sua frente, ostentava poder e riqueza por onde passava. Andava impeca-
velmente bem trajado com ternos Armani, usava um relógio Cartier cravejado de diamantes e falava três idiomas: inglês, francês e italiano. Mas o que mais impressionava quem o conhecia era o sobrenome. Apresentava-se na região dos Hamptons, em Nova York, como Christopher Rockefeller, membro de um dos clãs mais poderosos dos Estados Unidos. Na semana passada, ele foi condenado a cinco anos de cadeia. Como já está atrás das é certo que permanecerá tran-
cafiado até 2005. Cumpre pena por aplicar golpes em várias pessoas.
O tal Rockefeller só foi flagrado na ilegalidade por um detalhe crucial que diferencia os muito ricos dos nem tanto. No verão de 2000, ele foi à casa do pintor Gines Serran-Pagan, em Southampton, na região de Long Island. O anfitrião serviu-lhe um vinho Gallo, californiano de segunda categoria, em uma jarra de porcelana. Rockefeller, o falso, apreciou a bebida e disparou: ?Esplêndido! Bordeaux, não é?? A máscara começava a cair e o personagem Christofer Rockefeller dava lugar a Christophe (sem ?r? no final) Rocancourt, um dos vigaristas mais famosos do mundo.
Antes de Osama Bin Laden atacar as torres gêmeas, apontam as anotações do FBI, Rocancourt era o procurado mais ilustre dos Estados Unidos. O prontuário era amplo: ia
de falsidade ideológica a porte ilegal de arma. Rocancourt tornou-se conhecido pelo modo astuto como enganava os milionários. Conquistava-os com seu charme, mostrava desenvoltura e gastava milhares de dólares com jantares regados a champanhe Dom Pérignon. Dizia-se amigo pessoal do então presidente americano Bill Clinton, do governador de Nova York, George Pataki, do sultão de Brunei e de inúmeras figuras do jet-set internacional. Um de seus comparsas, Dante Daniello, apresentado como assistente, sempre interrompia as conversas com o celular na mão. ?É Ted Kennedy na linha?, informava Daniello, referindo-se ao senador americano.
Rocancourt mentia sem piscar, sem alterar as feições. Dizia, na cara-de-pau, ser proprietário de dois jatos estacionados num hangar do balneário francês de Saint Tropez (aquele de Brigitte Bardot), dois helicópteros e dono de investimentos de US$ 34 milhões em cassinos nos EUA. Com a presa convencida, devidamente ludibriada, o sujeito atacava. Estima-se que tenha roubado mais de US$ 2 milhões.
O larápio usava o rótulo Rockefeller como a principal arma para
faturar em cima das pessoas. Uma das vítimas foi o financista americano Kim Curry. Encantado com o estilo de vida do Rockefeller de araque, e acreditando que ganharia rios de dinheiro ao lado do ilustre ?amigo?, entregou-lhe US$ 108 mil esperando ter um retorno
de US$ 345 mil. Resultado? Nunca mais viu a cor do dinheiro. Assim aconteceu com dezenas de pessoas. Até que ele foi desmascarado e preso pela polícia de Nova York. Pagou fiança e fugiu para o Canadá. Lá, também tentou aplicar outros golpes e, novamente, foi descoberto, até ser preso.
Revelou-se, então, um festival de trapaças ao redor do mundo. Era procurado pela polícia suíça por ter roubado uma joalheria e já tinha usado mais de 13 nomes diferentes. Passou-se por sobrinho da atriz Sophia Loren, chegou a se apresentar como filho do famoso diretor de cinema Dino De Laurentis (James De Laurentis), virou Michael VanHoven, despontou como Thierry Daniel, assinou cheques como Fabien Ortuno e ainda desfilou como um certo ?Prince Galitzine Christo?. Tudo uma grande mentira. Foi para a prisão como Rocancourt mesmo.
Filho de uma prostituta com um pintor de parede, nasceu na cidade portuária de Honfleur, na França. Aos 9 anos foi deixado em um orfanato e, aos 16, saiu de lá para a vida no crime. Foi com essa mesma idade que o americano Frank Abganale Junior, o famoso falsificador de cheques vivido pelo ator Leonardo Di Caprio no filme Prenda-me se for capaz, começou a aplicar golpes. Abganale
passou-se por médico, advogado, co-piloto da companhia aérea Pan Am e tornou-se, aos 18 anos, o criminoso mais caçado pelo FBI. De tão perfeitos que eram os seus golpes, passou a trabalhar para o governo americano e hoje ganha milhões prestando serviços de consultoria para os bancos. Rocancourt, como Abganale, elaborou planos refinados. Tem o charme dos bandidos com jeito de Robin Hood. Sua vida daria um belo roteiro de cinema ou, quem sabe,
um livro. Nas telas grandes já existe um produtor interessado na história. Quanto ao livro, o próprio escroque já resolveu o problema. Escreveu um volume de memórias. O título: Eu, Christophe Rocancourt, órfão, playboy e presidiário.