DINHEIRO ? Os empresários têm razão quando reclamam da atual carga tributária?
OSÍRIS LOPES FILHO ? É claro! Nosso sistema tributário é atrasado e doentio. Não vamos crescer enquanto o País mantiver essa política tributária de baixa qualidade. A carga está alta, as empresas não estão conseguindo pagar, a sonegação é absurda e, no pior dos sintomas, a renda do brasileiro está arrochada. O resultado é que os contribuintes não conseguem consumir e os empresários não conseguem poupar seus lucros para fazer investimento. E a tributação caótica é a maior responsável por essa bagunça. O sistema está pressionando em excesso as classes de renda baixa, limitando a poupança interna e restringindo o consumo. Sem consumo e aumento de produção, não há crescimento. Hoje, se comemora um aumento de 0,5% no crescimento do Brasil, mas temos que crescer em torno de 8% a 10%. Na minha opinião, o sistema tributário, hoje, é indutor à sonegação, dada a carga tributária absurda. Seguramente, neste ano, a carga tributária vai chegar a 40% do PIB.

DINHEIRO ? Mas o governo alega que a arrecadação é do tamanho das necessidades do Estado.
LOPES FILHO ? É e não é. O governo esquece de confessar que a maior parte do dinheiro arrecadado não vai para investimentos nem para os programas sociais, mas sim para honrar o serviço da dívida, que já está em R$ 1 trilhão. Está ficando impossível ao governo prestar os serviços públicos e ao mesmo tempo pagar essa dívida fantástica. Principalmente fixando taxas de juros tão elevadas.
Da forma como está, o sistema está praticando o que chamo de usura heterodoxa. O governo arrecada para pagar os credores e esquece que sua função é prestar serviços públicos. Perdeu-se a noção de que o governo é um prestador de serviço público essencial.

DINHEIRO ? O sr. vislumbra alguma saída?
LOPES FILHO ? Só vejo uma saída para esse impasse, e é política. O governo precisa aproveitar um bom momento psicológico ? a aprovação dessa Lei de Falências pode servir ? para chamar os banqueiros e negociar uma baixa dos spreads bancários. Também pode dizer aos credores internos da dívida pública que é preciso renegociar. Dependendo de como se faça isso, pode soar como pacto de crescimento e não como calote. Basta fazer uma proposta razoável.

DINHEIRO ? Como quebrar a fórmula de aumentar a arrecadação do Estado sem ter que elevar impostos?
LOPES FILHO ? Dá para fazer isso com um conjunto de medidas. Fala-se muito em aumentar a fiscalização, mas pouco se faz para melhorar a administração tributária, que é muito falha. No Brasil o contribuinte fica muitos anos praticando irregularidades. Quando se descobre, termina-se estipulando uma quantia quase que impagável. Prova disso é que já há 400 mil empresas no Refis. Se for grande, a empresa protela o pagamento por dez anos até não existir mais.

DINHEIRO ? Como se pode fazer o sistema funcionar?
LOPES FILHO ? Primeiro, é preciso um governo exemplar, que não seja corrupto, que não tenha desperdícios e seja competente. A população precisa sentir-se integrada com a ação do governo, principalmente na realização dos gastos, que precisam atender às necessidades coletivas. Atualmente, isso não ocorre no Bra-
sil. Há muito desperdício no governo. Há também gastos desnecessários para se adquirir voto no Congresso para se passar emendas. Por isso ninguém se sente confortável para pagar impostos.

DINHEIRO ? A reforma tributária que o governo enviou ao Congresso foi boa?
LOPES FILHO ? Não, de forma alguma. A reforma tributária tem sido um veículo mobilizador da opinião pública que, no meu entender, deveria racionalizar a anarquia do sistema, simplificar as incidências e, finalmente, organizar toda a legislação sobre o tema. Mas a reforma, tradicionalmente, tem sido realizada pelos governos com o objetivo de aumentar a arrecadação. Essa reforma enviada para o Congresso encerra uma brutal elevação da carga tributária do País, e vai aumentar ainda mais com a incidência do PIS e da
Cofins sobre as importações.

DINHEIRO ? Mas o governo alega que alterações como a da Cofins vão melhorar a situação do sistema produtivo.
LOPES FILHO ? A verdade é que este governo continua recorrendo à linha básica de aumentar a carga das tributações indiretas, de contribuições e impostos como a CPMF e a Cide. São tributos pagos pelo empresário mas acabam absorvidos pelo povo. Note que mais de 60% da arrecadação federal vem das contribuições. No Brasil, o governo se aproveita do fato de o povo só reclamar de impostos diretos como Imposto de Renda, IPVA, IPTU. Os outros ficam embutidos no preço final, e a população não vê.

DINHEIRO ? O secretário da Receita Jorge Rachid diz que tem feito justiça tributária quando não corrige a tabela do Imposto de Renda. Ele tem razão?
LOPES FILHO ? Ele está usando uma outra linha básica de aumento de arrecadação. Essa estagnação das tabelas, numa economia inflacionada, significa que o contribuinte vai pulando de uma classe de rendimento, de forma progressiva, para outra classe, aumentando a arrecadação, tanto da pessoa física como da jurídica. O sistema está doentio, insisto nisso.

DINHEIRO ? A máquina do governo é grande demais?
LOPES FILHO ? É um monstro. O Executivo federal é enorme. Cresceu fantasticamente em Brasília. A cúpula do governo está exagerada. A Capital deveria servir para fixar apenas as diretrizes e fazer os controles, não para a execução. Executar políticas públicas via Brasília é muito caro num País com as nossas dimensões. A saída é descentralizar tudo. Um exemplo é a cobrança dos impostos rurais. Como fiscalizar 9 milhões de proprietários rurais? Só os municípios conseguem. O governo federal só deveria fiscalizar os 10 mil latifúndios, mesmo assim porque precisa promover a reforma agrária do outro lado.

DINHEIRO ? Como se pode construir um sistema mais justo?
LOPES FILHO ? Essencialmente, o sistema tributa a produção em vez de tributar a renda, por isso é de baixa qualidade. Contribuição sobre lucro líquido, ICMS, PIS, Cofins, tudo isso é tributação de produto. O sistema não se importa se a empresa teve lucro ou prejuízo; simplesmente tributa. É preciso mudar, mas as mudanças têm que ser gradativas e prudentes para não quebrar o Estado. Não adianta querer fazer um milagre. É preciso, primeiro, ter a vontade de mudar, coisa que este governo já demonstrou não ter. O presidente Lula, o ministro Antônio Palocci, estão todos muito conformistas e submetidos a um determinismo catastrófico. Têm medo de fazer.

Pedro Agílson
?Os países que taxaram demais o setor de cerveja quebraram a sua indústria?

DINHEIRO ? Até que ponto é verdade a tese de que rico não paga muito imposto?
LOPES FILHO ? Também acho isso. Quando fui secretário da Receita, mandei começar a fiscalização pelos ricos. Era uma ação de marketing efetiva e eficiente. Os fiscais ficaram todos assustados, já que não tinham o hábito de incomodar as elites. Peguei quem tinha iate e avião. Alguns mostraram as notas fiscais orgulhosos. Então fomos checar se tinham renda pessoal declarada para comprar o iate. Daí batemos em suas residências para verificar se o motorista e a empregada estavam registrados como funcionários das empresas. E o aluguel? Novo rico não tem casa própria, mora tudo de aluguel em nome da empresa. Essa foi uma pequena amostra do sistema injusto no Brasil, no qual os empregados da classe média são os que mais pagam impostos. As megaempresas costumam ter esquemas para não serem efetivamente fiscalizadas. As pequenas estão na informalidade. São as médias que estão pagando o pato.

DINHEIRO ? É possível ser um empresário exemplar no atual sistema tributário?
LOPES FILHO ? A honestidade está ficando inviável. Para sobreviver, a pequena empresa evade e a grande empresa usa o preço de transferência. A multinacional, por exemplo, costuma fazer isso de duas formas. Ao importar uma mercadoria que vale US$ 100 da matriz, registra pagamento de US$ 200, mandando para o exterior um acréscimo de US$ 100. Na exportação, alega que um bem vale US$ 50, quando na verdade o preço é US$ 100. No caso de empresas que têm somente fornecedores internos, parte-se para a evasão pura e simples. Deixa-se de pagar, cria-se caixa dois, frauda-se despesas e notas fiscais. A grande empresa tem instrumentos muito mais sofisticados para sobrevivera à elevação de custos do que as pequenas e médias. Pode-se fazer registro de custos fictícios, uso de notas fiscais fictícias, declaração de bem que não foi comprado, abertura de empresas laranjas para praticar determinada atividade durante um prazo limitado. Depois, fecha-se a empresa. Quanto maior é a carga, mais sofisticados viram os instrumentos de elisão.

DINHEIRO ? Alguns setores estão com a carga declaradamente alta, como cigarros e bebidas. Como eles sobrevivem?
LOPES FILHO ? Há uma campanha muito grande contra cigarros e cervejas. Os países que estabeleceram um sistema de tributação penal tiveram grandes distorções. O exemplo mais clássico é o Canadá, que colocou uma tributação elevadíssima. Isso quebrou a indústria e o país foi inundado com o produto norte-americano. No Brasil, isso ocorre também. Todo o norte do Brasil está invadido por esse descaminho e as empresas brasileiras estão perdendo mercado.

DINHEIRO ? Os grandes lucros dos bancos têm alguma relação com o sistema tributário?
LOPES FILHO ? Sim, no Brasil você tem um paraíso para o rendimento do capital. Na minha opinião, ainda é um resquício da sociedade escravocrata do século 19, como se o trabalho devesse ser explorado. Há um claro privilégio para os rendimentos obtidos do capital. A cada bilhão de lucro, o banco paga R$ 150 milhões, quando deveria pagar R$ 250 milhões.

DINHEIRO ? Esse governo fez algo de efetivo para mudar essa situação que o sr. define como de anarquia tributária?
LOPES FILHO ? Nada, só agravou. O governo está aumentando a carga tributária fantasticamente, não melhorou a racionalidade e mentiu quando disse que ia reduzir a carga tributária. Prometeu realizar uma coisa e fez outra, totalmente distinta.