EM ABRIL DE 2007, O EMpresário Marcel Malczewski estava exultante. Sua empresa, a Bematech, líder brasileira na fabricação de equipamentos para automação comercial, tinha acabado de abrir o capital na Bolsa de Valores de São Paulo. O IPO (sigla em inglês para oferta pública inicial de ações) gerou uma captação de R$ 406 milhões, dinheiro que seria utilizado na aquisição de concorrentes e em projetos de internacionalização. Exatamente um ano após aventurar-se na Bovespa, Malczewski é hoje um sujeito preocupado. As ações da Bematech, companhia que ele criou com um sócio quando ainda era estudante de informática industrial, caíram mais de 50% desde a abertura de capital. Se o IPO apresentava-se, naquela época, como uma torrente de oportunidades, hoje é fonte de problemas. ?Eu nem consigo mais olhar para a cotação das ações?, diz Malczewski. ?Claro que não estou arrependido de abrir o capital, pois uma hora isso vai virar, mas existe uma sensação de frustração.?

 

Não estou arrependido de abrir o
capital, pois isso vai virar,
mas a sensação é de frustração

O mau desempenho dos papéis da Bematech é repetido pela maioria das empresas que abriram o capital em 2007. De acordo com um levantamento da consultoria Economática, das 64 companhias que ingressaram na Bovespa no ano passado, 50 registraram queda no preço das ações desde a realização do IPO. Quase 90% das iniciantes na bolsa viram seus papéis caírem mais do que o Ibovespa, o índice que mede o desempenho das ações mais negociadas do mercado. Desde janeiro de 2007, quando fez o IPO, as ações da Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário (CCDI) despencaram 50%. Em apenas cinco meses, os papéis das Lojas Marisa desvalorizaram- se 44% Até em setores que apresentaram forte crescimento no ano passado, como o da educação, houve decepções. A Estácio Participações, que controla a maior rede privada de ensino do Brasil, perdeu 53% de julho até agora. ?Houve no ano passado um certo oba-oba e agora a realidade bateu na porta de todo mundo?, diz Paulo Sérgio Dortas, sócio da consultoria Ernst & Young. A euforia parece ter mesmo ficado para trás. Apenas um IPO foi realizado até o final de março, o da fabricante de fertilizantes Nutriplant. Nos três primeiros meses de 2007, ocorreram 11 aberturas de capital. Na quartafeira 2, a Magnesita Refratários aderiu ao Novo Mercado da Bovespa, mas sem emitir novas ações (leia entrevista na coluna DINHEIRO EM AÇÃO.

Os papéis das novatas, que atraíram milhares de novos investidores para o mercado de capitais, despencaram por diversas razões. Aos navegantes de primeira viagem, vale o aviso: não é o caso de se desesperar. É o momento para aprender as lições básicas da bolsa: o investimento em ações é de risco e deve ser feito sempre num horizonte de longo prazo. No curto prazo, é melhor deixar para os profissionais ? que, diga-se, também erram. Muitos foram pegos no contrapé na forte onda dos IPOs do ano passado. Segundo analistas, o contexto internacional teve uma parcela de responsabilidade na queda das cotações. O susto provocado pelo subprime, setor de hipotecas de alto risco que desencadeou a crise financeira nos Estados Unidos, fez investidores estrangeiros se livrarem de suas ações. Sobrou prejuízo para todo mundo, inclusive para os brasileiros. ?Esse era um dinheiro nervoso, que podia desaparecer a qualquer momento. E desapareceu?, afirma Dortas. Do total de ações colocadas no mercado brasileiro em 2007, 75% foram compradas por fundos estrangeiros.

As empresas, obviamente, também erraram. Alguns IPOs foram feitos de maneira apressada, sem a devida transição por parte das companhias. Nas principais bolsas internacionais, o prazo médio para que uma empresa se prepare para a abertura de capital é de dois anos. No Brasil, tem sido de seis meses. O resultado está aí. Muitas empresas são abertas, mas se comportam como se não fossem. ?Outro dia, um empresário reclamou que nunca teve chefe na vida, e que depois que abriu o capital precisou dar satisfação para dezenas de acionistas?, diz o advogado Renato Ochman, especializado em fusões, e que nos últimos anos dedicou-se a fazer análises jurídicas para companhias interessadas em ingressar na bolsa. O mês de abril é especialmente traumático para esses empresários. É quando as companhias abertas realizam assembléias anuais com acionistas. Nesses ocasiões, elas são obrigadas a dar explicações ? e suportar a chiadeira de quem perdeu dinheiro.

Marcel Malczewski, da Bematech, afirma que cumpriu à risca todos os procedimentos necessários para a abertura de capital. Muitos antes do IPO, ele diz que contratou uma auditoria externa e que criou um conselho de administração. O interessante é que o desempenho financeiro da empresa não decepcionou em 2007. O faturamento cresceu 21%, diante dos projetados 15%. Segundo Malczewski, o que impactou na queda da cotação de suas ações foi um erro de avaliação no momento de investir em aquisições. Logo depois de se capitalizar na bolsa, a Bematech comprou uma concorrente, a Genco, por R$ 60 milhões. ?Falhamos ao não detectar os problemas que a Genco tinha, e estamos pagando um preço por isso?, afirma. Para Malczewski, o baque tem servido como aprendizado.Abrir o capital exige mudanças de mentalidade. Depois do IPO, as empresas têm seus segredos devassados. Números, detalhes de operação, projetos em andamento, tudo deve ser revelado para o mercado. Fundada em 1963, a Providência, líder nacional na fabricação de não-tecidos, produtos utilizados na confecção de capas de computador, jalecos descartáveis e fraldas, foi uma empresa familiar até o início do ano passado. Depois, tudo mudou. Ela foi vendida para um grupo de investidores, entre eles Constantino Júnior, dono da Gol. Em julho, abriu o capital. Seus principais executivos foram demitidos, um novo CEO assumiu. ?Foi tudo muito rápido?, diz Rubens Sardenberg, diretor financeiro da Providência. Desde julho, quando fez o IPO, suas ações caíram 59%. Como a empresa exporta muito, ela foi prejudicada pela desvalorização do dólar. Mas Sardenberg admite que há outro fator envolvido. ?Alguns funcionários ainda não incorporaram o novo espírito da empresa?, diz.

 

dicas para investir em empresas estreantes

Os cuidados que você deve tomar antes de comprar ações de uma companhia que acaba de abrir o capital

Antes de investir, verifique a história da empresa. Se você não tiver um perfil ousado, evite comprar papéis de companhias recém-criadas
Informe-se sobre o setor onde se insere a companhia. Às vezes, ela está bem, mas seu segmento não
Não compre ações para seguir modismos. Uma empresa que sobe muito rapidamente pode tomar um tombo na mesma proporção

Divida seu portfólio de investimentos
Se os papéis caírem, não fique obcecado para livrar-se deles. Se puder, espere o momento certo para vender

Apesar do desempenho ruim das empresas novatas, o crescimento do mercado de ações é vital para o País. O centenário capitalismo brasileiro, forjado pelo Estado, começa a ser substituído por um outro modelo, protagonizado pelo setor privado. A bolsa tem ajudado as companhias a se profissionalizar. Como são obrigadas a prestar contas, elas se tornam necessariamente mais transparentes. O dinheiro que vem da bolsa também ajuda a aumentar as opções para o financiamento de projetos. Quem abre o capital melhora a sua reputação, o que acaba atraindo investidores estrangeiros. Ser uma empresa aberta é positivo sob diversos aspectos. Para as novatas, tem sido também um imenso desafio.