Na maior parte das últimas cinco décadas de sua trajetória quase centenária, o grupo Votorantim, da família Ermírio de Moraes, foi não só o mais importante como também o maior conglomerado industrial do Brasil. Seu portfólio atual exibe algumas das empresas mais reluzentes do capitalismo brasileiro. A Votorantim Cimentos, por exemplo, é a maior cimenteira do País e a oitava do mundo. A Fibria, fusão da VCP com a Aracruz Celulose, lidera a fabricação mundial de celulose de fibra curta. A Citrosuco, união com a Citrovita, detém a liderança global na área de sucos de laranja. O grupo ocupa ainda a primeira posição em alumínio, níquel e zinco no Brasil. Neste último metal, conta com 89% de participação no mercado local. 

 

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Terceira geração: José Roberto Ermírio de Moraes, que comanda o grupo desde 2011,

é fiel ao estilo de gestão da família: tem longas jornadas de trabalho e evita badalações

 

São companhias com características superlativas capazes de encher os olhos de qualquer empresário. Nos últimos anos, no entanto, esse conglomerado, que reúne empresas na área industrial e financeira, não exibe mais o vigor do passado. Comandada desde 2011 por José Roberto Ermírio de Moraes, representante da terceira geração da família, a Votorantim Participações (VPar), holding que controla o grupo Votorantim, teve um prejuízo de R$ 650 milhões em 2012. Trata-se da primeira perda do grupo, fundado em 1918, em Votorantim (SP), por seu avô, o engenheiro pernambucano José Ermírio de Moraes, que assumiu o controle de uma fábrica de tecidos do sogro, o empresário Antônio Pereira Ignácio, desde que os resultados consolidados passaram a ser publicados, há cinco anos. 

 

O vermelho tingiu praticamente todo o seu balanço, afetando desde os ativos da Votorantim Industrial, que reúne os negócios das áreas de metais, siderurgia, celulose e suco de laranja, e, principalmente, até o segmento financeiro, com o Banco Votorantim (veja quadro “De concreto e cimento”). Apenas um setor permaneceu no azul: justamente o de cimento. O lucro da Votorantim Cimentos (VC), de R$ 1,8 bilhão, evitou que o desempenho da VPar fosse ainda mais decepcionante. É justamente essa joia brilhante que se prepara para abrir o capital em 20 de junho (o período de reservas começou na sexta-feira 7). A expectativa da VC é captar pelo menos R$ 7,6 bilhões na oferta pública de ações, que será realizada tanto na BM&FBovespa como na Bolsa de Nova York (nesta última, em forma de American Depositary Receipts – ADRs). 

 

A companhia fixou entre R$ 16 e R$ 19 a referência para formação de preços dos papéis. A captação pode chegar a R$ 10,3 bilhões caso haja demanda para o lote adicional e suplementar. Do total de recursos obtidos, 15% serão usados para investimentos estratégicos e 35% para reforço do capital de giro. Metade do dinheiro deve ser gasto com a expansão orgânica, com a diversificação de produtos e com potenciais aquisições de ativos fora do Brasil, segundo o prospecto preliminar distribuído. “O setor de cimento cresceu com o aumento da renda das pessoas”, afirma José Otávio de Carvalho, presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC). “Esse crescimento permanecerá, mas em um ritmo mais lento.” 

 

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A construção civil responde por mais da metade das vendas de cimento no Brasil.

O mercado cresceu com o aumento da renda da população

 

Isso significa que as oportunidades para as empresas de cimento estarão mais no Exterior do que no Brasil, diz um executivo do setor de cimentos, que não quer se identificar. “A Votorantim Cimentos precisa começar a crescer internacionalmente.” A fabricante de cimentos do grupo Votorantim ganhou mais musculatura internacional no ano passado, quando incorporou os ativos internacionais da portuguesa Cimpor na Europa, Ásia e África. Atualmente, ela já está presente em 13 países, incluindo Estados Unidos, Canadá, Argentina, Uruguai, Peru, Chile e Bolívia (confira gráfico “Negócios globais”). Parece muito, mas não é. Na verdade, a VC ainda é excessivamente dependente dos resultados operacionais do Brasil. 

 

Dos R$ 9,8 bilhões faturados em 2012, 81,3% vieram do mercado interno. Essa dependência, inclusive, é citada como um dos fatores de risco para quem quer investir no IPO da companhia. Mas essa aparente ameaça é também sua principal fortaleza. Por aqui, sua participação de mercado de 37% a coloca em posição de vantagem em relação aos seus concorrentes diretos. A VC é quase duas vezes maior do que a segunda colocada, o grupo InterCement/Cimpor, da Camargo Corrêa, e quase quatro vezes maior do que a terceira, a pernambucana João Santos, dona da marca Cimento Nassau. Por esse motivo, a VC foi a que mais se beneficiou do crescimento recente do mercado brasileiro, puxado pelo aumento da renda da população e pelos estímulos de programas governamentais, como o Minha Casa Minha Vida, segundo relatório produzido pela agência de classificação de risco americana Moody’s.

 

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Esse domínio traz também vantagens em diversas áreas. Uma delas é a logística. Com 16 fábricas espalhadas pelo País, a VC está mais próxima dos grandes mercados. De acordo com uma fonte do setor, que conhece bem sua operação, a fabricante de cimentos da Votorantim utiliza diversos modais de transporte, como ferroviário, fluvial e de cabotagem. Os rivais, por sua vez, se concentram quase que exclusivamente no rodoviário, mais caro, o que pressiona o custo de sua produção. O frete, segundo esse executivo, representava aproximadamente 20% do custo de um saco de cimento. Além disso, a VC não opera com distribuidores e concreteiras, eliminando um canal intermediário. Com isso, mais uma vez, seus custos são os menores do mercado. “Ela está mais próxima do cliente, com produtos mais competitivos”, afirma essa fonte.

 

Deter a supremacia do mercado brasileiro de cimentos não significa que a vida esteja fácil para a VC. A expansão do setor atraiu competidores de todos os portes. Além dos fornecedores tradicionais, como InterCement/Cimpor, João Santos, Atalla, Soeicom e Tupi, surgiram nomes desconhecidos, a exemplo de Mizu, Supremo, CPX, Petribu, BRC, Sanave e Cimento Búfalo. Grupos gigantes passaram a atuar na área de cimentos. O caso mais emblemático é o da siderúrgica CSN, do empresário Benjamin Steinbruch. Além dele, o pernambucano Brennand, que havia abandonado a área, está retornando, associado à gigante de construção pesada Queiroz Galvão. A cearense M. Dias Branco, um dos mais fortes grupos do ramo de alimentos do Brasil, está construindo também fábricas de cimento na região Nordeste.

 

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TERCEIRA GERAÇÃO Ninguém personifica melhor o grupo Votorantim do que o empresário Antônio Ermírio de Moraes, 85 anos completados na terça-feira 4. Um de seus principais traços é a humildade. Outro, a simplicidade. Na gestão do conglomerado da família, o doutor Antônio, como é conhecido dentro e fora da Votorantim, atuava de forma conservadora, preferindo investir dinheiro do próprio bolso a endividar-se em bancos. Era um crítico contumaz do sistema financeiro. “Não me conformo de um banco render mais do que uma grande indústria”, costumava dizer. “Se eu não acreditasse no Brasil, seria banqueiro.” Um de seus maiores constrangimentos foi quando o grupo Votorantim, cujo comando dividia com o irmão mais velho, José Ermírio, resolveu ter o seu próprio banco, em 1991. 

 

Justificava-se alegando que a decisão fora para “coibir o lucro que dávamos para outros bancos”. E arrematava: “Mas isso não significa de jeito algum o abandono do setor produtivo.” Em 2001, Antônio Ermírio deixou o comando do grupo, que perdera seu irmão José Ermírio, falecido naquele ano. Passou a se dedicar exclusivamente à Companhia Brasileira de Alumínio, empresa que acompanhou desde a sua fundação em 1955 e era considerada a sua menina dos olhos, como ele mesmo afirmava. Com sua saída de cena, a terceira geração da família assumiu o poder. Com ela, vieram novos desafios e projetos. O principal deles foi a internacionalização do grupo, a exemplo de outros conglomerados familiares nacionais, como a Odebrecht, a Camargo Corrêa e, mais recentemente, a holding J&F, da família Batista, dona do frigorífico JBS. 

 

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No caso da Votorantim, a postura foi mais conservadora. Quando os herdeiros da terceira geração assumiram a Votorantim traçaram um plano para triplicar as receitas do grupo em dez anos, que estavam na casa dos R$ 7,5 bilhões em 2000. O resultado, diga-se, foi alcançado com folga. Em 2012, a VPar atingiu uma receita líquida de R$ 33,6 bilhões. Esse desempenho, no entanto, não foi conquistado sem custo. Atualmente, o endividamento do grupo Votorantim está em R$ 18,4 bilhões, o equivalente a 3,6 vezes a sua geração de caixa. Algo impensável na época do dr. Antônio e de José Ermírio. Mas os tempos são outros. Os problemas também. Assim como os responsáveis por resolvê-los. 

 

As decisões passam por um conselho de administração, formado por oito membros da família, representando quatro ramos familiares, com igual peso de voto. Esse comitê é presidido desde 2011 por José Roberto Ermírio de Moraes, filho de José Ermírio, após a morte de seu primo, Carlos Ermírio, filho de Antônio, que ficou dez anos no comando. Beto, como é chamado na companhia, é um depositário fiel do estilo da família. Tem longas jornadas de trabalho, que superam muitas vezes 14 horas por dia. Discreto, evita badalações e entrevistas. “Acreditamos na melhora dos mercados internacionais”, escreveu ele no relatório anual de 2012. “E confiamos na capacidade do Brasil de realizar grandes obras de infraestrutura.” 

 

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Doutor Antônio: O empresário Antônio Ermírio de Moraes, que completou 85 anos na terça-feira 4,

preferia investir dinheiro do próprio bolso. “Se eu não acreditasse no Brasil, seria banqueiro”, costumava dizer

 

O grupo Votorantim não concedeu entrevista, alegando estar em período de silêncio devido ao IPO da VC. As duas premissas são importantes para que a Votorantim comece uma virada nos seus resultados em 2013. Com forte dependência de matérias-primas, a companhia vem sofrendo os efeitos do fim da era do superciclo das commodities. Neste ano, o preço do alumínio e do zinco caiu 8% e do níquel, 14%. Na área de suco de laranja, onde se associou com a Citrosuco, do grupo Fischer, a operação enfrentou dificuldades no processo de integração operacional, acumulando grandes prejuízos nos dois últimos anos. “Mas, em 2013, deve retornar ao lucro”, diz um executivo do setor. 

 

Não bastasse isso, o Banco Votorantim, uma boa fonte de rentabilidade no passado, transformou-se em um problema. Em 2012, seu prejuízo foi de R$ 2 bilhões, principalmente por conta da inadimplência em financiamento de veículos. O Banco do Brasil, dono de 49,99% do capital, já responde pela gestão da instituição, e deve ficar com uma fatia maior em breve. “A situação está sendo resolvida”, afirma uma fonte. No começo deste ano, alguns resultados, tímidos ainda, é verdade, começaram a aparecer. A fabricante de papel e celulose Fibria, por exemplo, obteve um lucro de R$ 24 milhões no primeiro trimestre. 

 

Em 2012, seu prejuízo foi de R$ 698 milhões. A Votorantim Metais, dirigida desde outubro do ano passado por Tito Martins, executivo que por 27 anos trabalhou na Vale, reduziu o prejuízo, que foi de R$ 79 milhões nos três primeiros meses de 2013 (no ano fiscal anterior, as perdas totalizaram R$ 1,9 bilhão). Quem salvou a lavoura da Votorantim Industrial, comandada pelo executivo Raul Calfat, mais uma vez, foi a VC, com seu lucro de R$ 249 milhões. Seu IPO, impensável até pouco tempo atrás, é um indicativo de que o fechado conglomerado familiar, controlado rigidamente pelos Ermírios de Moraes, precisa se abrir cada vez mais para o mercado para recuperar o antigo brilho.

 

 
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