18/07/2007 - 7:00
O Sérgio é o nosso grande estrategista. Ele enxerga anos à frente e muito, mas muitoalém do horizonte Ângela Gutierrez, sócia de Sérgio Amdrade na construtora mineira, que controla a Oi
Pergunta número um: qual foi a decisão econômica mais relevante tomada pelo presidente Lula no segundo mandato? Do ponto de vista financeiro, trata-se da retomada do programa nuclear, com a construção de Angra 3 ? uma obra de R$ 8 bilhões. Pergunta número dois: qual é o maior projeto empresarial também abraçado pelo governo? Novamente, não há mistério. A operação que já se discute à luz do dia na Esplanada dos Ministérios é a fusão entre Brasil Telecom (BrT) e Oi, que pretende criar um gigante nacional de telecomunicações para enfrentar os espanhóis da Telefônica e os mexicanos da Telmex. Por trás desses dois movimentos, há um cérebro. Ou melhor, uma esfinge. Tratase de Sérgio Andrade, um mineiro de 59 anos que é um dos homens mais enigmáticos da cena empresarial brasileira. Dele, muito se fala e pouco se conhece. Fiel às origens, Sérgio mede cada palavra e parece sempre desconfiar dos interlocutores. Sócio da construtora Andrade Gutierrez, ele é um dos controladores da Oi, antiga Telemar, e está presente nas principais concessões de estradas do País, como a Dutra, no Rio de Janeiro, e a Bandeirantes, em São Paulo. Seu grande salto, no entanto, está para acontecer. Ao que tudo indica, Andrade será o principal agente privado na empresa que resultará da fusão entre BrT e Oi, com metade do mercado brasileiro de telefonia e receita anual de US$ 20 bilhões por ano. ?Ele é nosso estrategista, que enxerga anos à frente e muito além do horizonte?, disse à DINHEIRO sua sócia Ângela Gutierrez, que faz parte do conselho do grupo. ?Além de amigo, é um homem brilhante.?
Para que o projeto de Sérgio Andrade se concretize, falta apenas superar alguns obstáculos, na reta final de uma maratona que se iniciou em 1998, o ano da privatização. À época, a Andrade se associou a três grupos privados ? a La Fonte, de Carlos Jereissati, a GP e a Inepar ? e surpreendeu a todos ao vencer o leilão da Telemar. Numa outra disputa, a da BrT, prevaleceu o grupo Opportunity, de Daniel Dantas. Desde então, os três personagens ? Andrade, Jereissati e Dantas ? abriram várias frentes de batalha para tentar predominar no setor de telecomunicações, mas o mineiro Sérgio foi quem menos se expôs. Em paralelo, o governo Lula permitiu que os investidores ligados às estatais, como os fundos de pensão, buscassem um papel mais ativo nas empresas. A Andrade não apenas percebeu esse movimento como se aliou a ele. Na BrT, as fundações assumiram o lugar do Opportunity na gestão e nomearam como presidente Ricardo Knoepfelmacher, da empresa Angra Partners. Ricardo, que até então havia trabalhado para Andrade numa empresa chamada Pégasus, deu a partida para o plano de fusão entre Brasil Telecom e Oi. ?Separadas, as duas empresas não têm futuro?, admitiu à DINHEIRO um diretor da própria BrT. ?Elas não têm escala para enfrentar os gigantes globais.? Além disso, a Andrade Gutierrez criou um fundo de R$ 1,2 bilhão para investimentos em infra-estrutura, com recursos dos fundos de pensão e gestão da Angra Partners.
Sérgio Andrade foi o artífice da transformação da construtora na maior concessionária de serviços do País, com pedágios e telecomunicações
Hoje, existem dois caminhos para que o plano de Sérgio avance. O primeiro passa pela reestruturação acionária da Oi. A empresa levantou cerca de R$ 11 bilhões e colocou na rua uma agressiva oferta de recompra de ações preferenciais, que deve se concluir no dia 24 de julho. Caso ocorra a adesão dos minoritários, os sócios controladores passarão a ter uma participação maior no capital total da empresa e liquidez para vender suas participações, se desejarem sair do negócio. Com isso, a aposta geral do mercado é que La Fonte e GP venderiam suas ações pelo preço que consideram justo ? cerca de US$ 1 bilhão. A Andrade, ao contrário dos sócios, permaneceria na Oi. Mais do que isso, a construtora teria cacife suficiente para garantir vagas importantes no conselho da futura empresa. O segundo caminho está ligado ao eventual fracasso da recompra de ações. Neste caso, o plano B seria a venda de parte do controle da Oi para a Portugal Telecom, que está disposta a ampliar seus investimentos no Brasil e também a participar de um projeto ?luso-brasileiro? como a fusão BrT/Oi. Essa possibilidade cresceu depois que a Telefônica fez, na semana passada, uma oferta de US$ 4 bilhões pelos 50% que a Portugal Telecom possui na Vivo (leia quadro ao lado). ?Os portugueses deixaram claro que gostariam de se associar à Andrade?, disse à DINHEIRO um executivo que acompanha de perto as negociações.
Ter ao lado um empresário como Sérgio Andrade é algo que, certamente, conta pontos a favor. Hoje, poucas empresas brasileiras têm um trânsito tão bom no governo Lula quanto a construtora mineira. A começar pelo fato de ter sido a maior doadora individual de recursos à campanha de reeleição de 2006. Foram R$ 6,4 milhões, que correspondem à metade de todo o volume doado pelas empreiteiras. A obra de Angra 3 será executada pela Andrade Gutierrez com base num contrato assinado há mais de 20 anos, ainda no governo militar. É também dessa época que vem a proximidade da construtora com o PT. Marília Andrade, prima de Sérgio, hospedou Lurian, filha do presidente Lula, em Paris no início dos anos 90. Recentemente, a Oi também investiu cerca de R$ 5 milhões na Gamecorp, empresa de Fábio Luís, outro filho do presidente. Para completar, Sérgio mantém ótimas relações com Sérgio Rosa, que comanda o fundo de pensão Previ, com Luciano Coutinho, presidente do BNDES, e com o ministro das Comunicações, Hélio Costa. Isso não significa, no entanto, que sua empresa seja petista. A Andrade também foi uma das maiores doadoras da campanha do tucano Aécio Neves, em Minas Gerais. ?O Sérgio tem uma habilidade incomparável?, comenta Caio Brandão, que foi diretor da construtora durante mais de 20 anos.
A competência política, inerente às construtoras, explica apenas parte do sucesso da Andrade Gutierrez. Sérgio Andrade, que tem como braço direito o amigo Celso Quintella, adotou uma estratégia vencedora na empresa. Lá, os principais executivos são muito bem remunerados e têm participação financeira nos contratos que conseguem captar. ?Isso criou uma cultura de empresários dentro da Andrade?, explica Brandão. Além disso, Sérgio foi responsável pela guinada da Andrade rumo às concessões de serviços públicos e é tido como um homem inteligentíssimo até pelos maiores rivais. Filho de Roberto Andrade, um dos fundadores do grupo, e da artista plástica Sônia Lins, ele recebeu uma educação refinada e cultivou desde cedo o gosto pelas artes ? Lygia Clark, um dos ícones do concretismo brasileiro é sua tia. Sérgio também sempre se aconselhou com pessoas mais experientes. Quando deu seus primeiros passos na empresa, ele se tornou muito amigo do ex-ministro Roberto Campos e decidiu patrocinar um projeto que enviava funcionários públicos brasileiros para estágios nos Estados Unidos. Além disso, tornou-se um devorador de livros ligados à história econômica ? o de cabeceira se chama Setenta e Seis Anos de Minha Vida e foi escrito por Hjalmar Schacht, o ministro que domou a hiperinflação alemã. ?O Roberto Campos admirava muito o Sérgio?, diz o jornalista mineiro Aristóteles Drummond, que conhece o empresário há mais de 30 anos. Avesso a demonstrações de poder, Sérgio quase nunca aparece em colunas sociais. Uma das poucas exceções foi no casamento de seu filho João Pedro e Maria Emanuella Severiano Ribeiro, que reabriu os salões do Copacabana Palace, há um ano. ?O Sérgio é discretíssimo?, diz Drummond. É justamente dessa forma, atuante nos bastidores e bem longe do palco, que ele se prepara para reinar na telefonia brasileira. Sérgio Andrade venceu.
Sérgio Andrade venceu. Mas, por favor, não diga isso a ninguém.