Governo do país não tem influência sobre o conflito que ocorre em seu território. Papel do Exército também reflete a fraqueza crônica do Estado libanês. Israel bombardeia centro de Beirute pela primeira vez em um ano.O grupo militante palestino Hamas disse que um ataque aéreo israelense nesta segunda-feira (30/09) matou seu líder no Líbano, na cidade de Tyre, e outra organização palestina informou que três de seus líderes foram mortos em um ataque no centro de Beirute – o primeiro desse tipo dentro dos limites da capital desde o início do conflito, em outubro passado.

As mortes foram as mais recentes em uma onda de duas semanas de intensos ataques israelenses contra alvos do Hezbollah no Líbano, parte de um conflito que agora se estende também dos territórios palestinos de Gaza e da Cisjordânia ocupada ao Iêmen.

O Hamas disse que seu líder no Líbano, Fateh Sherif Abu el-Amin, foi morto junto com sua esposa, filho e filha em um ataque que teve como alvo sua casa em um campo de refugiados na cidade libanesa de Tyre, na madrugada de segunda-feira.

Outro grupo, a Frente Popular para a Libertação da Palestina (PFLP), disse que três de seus líderes foram mortos em um ataque que teve como alvo o distrito de Kola, em Beirute.

Essa foi a primeira vez que Israel atacou Beirute além dos subúrbios ao sul da cidade, em uma campanha que culminou com o assassinato na semana passada do líder veterano do Hezbollah, Hassan Nasrallah, em uma sucessão de pesados ataques aéreos.

O ataque contra a PFLP atingiu o andar superior de um prédio de apartamentos, segundo testemunhas. Não houve comentário imediato dos militares israelenses.

Os últimos ataques indicam que Israel não tem intenção de desacelerar sua ofensiva em várias frentes, mesmo depois de eliminar Nasrallah, que era o aliado mais poderoso do Irã em seu “Eixo de Resistência” contra a influência israelense e americana na região.

O Ministério da Saúde do Líbano afirma que mais de mil libaneses foram mortos e 6 mil ficaram feridos nas últimas duas semanas, sem especificar quantos eram civis. Um milhão de pessoas – um quinto da população – fugiram de suas casas, segundo o governo.

A escalada colocou Beirute no limite, com os libaneses temerosos de que Israel amplie sua campanha militar.

Governo impotente

Israel está travando uma “guerra suja” contra o Líbano, declarou semana passada o primeiro-ministro do país, Nadschib Mikati, durante a sessão de emergência do Conselho de Segurança da ONU em Nova York. Ele acusou Israel de promover uma escalada sem precedentes no Líbano que matou em poucos dias centenas de civis, “incluindo jovens, mulheres e crianças”. O premiê afirmou ter confiança de que um comunicado conjunto da França e dos EUA, também apoiado por outros países, contribuiria para dar um fim à “guerra”. Mas Israel rejeitou o plano.

O discurso mostra que o governo libanês é praticamente impotente diante do conflito entre Israel e o Hezbollah. Não tem influência significativa nem sobre as ações de Israel nem sobre as do Hezbollah. Mais uma vez se torna evidente, e de forma particularmente dramática, a fraqueza crônica do governo e do Estado no Líbano.

Essa fraqueza tem uma longa história. “O Líbano foi fundado no início do século 20 como um Estado de maronitas cristãos em aliança com a potência protetora francesa”, diz Markus Schneider, diretor do escritório da Fundação Friedrich Ebert em Beirute. “O defeito de nascença foi o fato de incluir desde o início grandes áreas com populações não maronitas. O confessionalismo foi, em última análise, um compromisso para integrar as outras partes da população. No entanto, ele impediu a formação de um Estado-nação forte.”

Essa estrutura confessional foi reforçada pela guerra civil libanesa que eclodiu em 1975, que colocou umas contra as outras as três maiores confissões do país – xiitas, sunitas e cristãos maronitas. Após o fim da guerra, em 1990, foi implantado um sistema confessional equilibrado para igualar os interesses dos grupos populacionais individuais.

“No entanto, esse sistema fez com que esses grupos tentassem repetidamente fazer valer seus próprios interesses às custas dos outros grupos”, diz Marcus Schneider. “Isso continua a enfraquecer o Estado. Isso pode ser visto, por exemplo, no fato de que desde 2022 o país não consegue chegar a um acordo sobre um presidente.”

As divisões também facilitam a corrupção desenfreada. “Se não há um Estado forte que tome medidas contra as forças centrífugas em seu próprio país e em suas próprias instituições, surge facilmente um sistema oligárquico no qual todos servem a seus próprios interesses”, diz Schneider.

País sofre com o Hezbollah

O país também sofre com o Hezbollah, movimento xiita que é classificado como uma organização terrorista pelos EUA, pela Alemanha e por vários Estados árabes sunitas. Fundado em 1982 durante a guerra civil libanesa, ele foi desde o início maciçamente apoiado pelo Irã, inclusive e principalmente militarmente. Em 2022, o Wilson Center, com sede em Washington, descreveu o braço armado do Hezbollah como “o ator militar não estatal mais poderoso do Oriente Médio e, possivelmente, do mundo inteiro”.

Foi também o Hezbollah que começou a disparar contra Israel após o início da guerra de Gaza, em outubro – sem qualquer consulta prévia ao restante da população libanesa. “Basicamente, o Hezbollah tomou a classe política do Líbano como refém”, diz a especialista em Oriente Médio Kelly Petillo, do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores.

Fraqueza do Exército

A fraqueza do Estado também se reflete na passividade das Forças Armadas Libanesas (LAF). No sul do Líbano, em particular, elas se encontram em um dilema. Com base na Resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU, ela está cooperando com a força de manutenção da paz da ONU (Força Interina das Nações Unidas no Líbano, Unifil). Ambas as forças são compostas por 15 mil soldados cada.

A presença das tropas está ligada à Guerra do Líbano em 2006. Naquela época, Israel ocupou posições no sul do Líbano. Após a retirada israelense, as duas forças armadas deveriam cooperar para garantir que nenhuma milícia armada libanesa se deslocasse para essas posições. Somente tropas autorizadas pelo governo libanês deveriam estar presentes no local. No entanto, até o momento, o Hezbollah descumpriu esse acordo e ainda está presente na área.

Em termos militares, o Exército libanês é relativamente impotente. Na classificação do Índice Global de Poder de Fogo, que compara a força dos exércitos nacionais em todo o mundo, o Exército libanês está em 118º lugar entre 145. Ele não seria capaz de oferecer nenhuma resistência séria ao Exército israelense, que está em 17º lugar no índice, nem estaria em posição de conter militarmente o Hezbollah. “Isso provavelmente arrastaria o Líbano para uma guerra civil”, diz Schneider.

Entretanto, o maior problema do Exército libanês é, e continua sendo, político. Como não está nas mãos de um único grupo confessional, o Exército é geralmente considerado como uma das poucas instituições não confessionais do país, segundo Schneider. “Mas é claro que o Exército também foi enfraquecido pela crise nacional e econômica. Por isso, vem recebendo apoio financeiro, por exemplo, no que diz respeito a salários. Por trás disso está a preocupação de que um colapso do Exército também possa derrubar o próprio Estado libanês. Mas é claro que o Exército não pode resolver os problemas políticos do Estado.”