19/09/2012 - 21:00
Lançado em março de 1976 pelo cineasta sírio naturalizado americano Mustafa Akkad, Maomé, mensageiro de Deus teria sido um dos milhares de filmes condenados ao mais completo esquecimento. Isso não ocorreu por ele ter servido de justificativa para militantes do grupo Nação do Islã invadirem dois prédios públicos em Washington no ano seguinte, fazendo 149 reféns. Graças à habilidade da polícia da capital americana, houve apenas duas vítimas fatais. O irônico é que a intenção de Akkad foi a melhor possível: tornar o Islã menos desconhecido no Ocidente. Três décadas e meia mais tarde, o que começou como farsa repete-se como tragédia. A inocência dos muçulmanos, filme que ironiza o profeta Maomé e está muito abaixo de qualquer crítica, vem sendo usado como justificativa para manifestações violentas no Oriente Médio e no norte da África.
Até a quinta-feira 13, os tumultos haviam vitimado quatro diplomatas dos Estados Unidos, entre eles o embaixador na Libia Christopher Stevens, e cinco cidadãos iemenitas. A comoção forçou a secretária de Estado americana Hillary Clinton a condenar o filme, sem que isso amainasse a crise. Há um ponto em comum nos países onde os protestos ocorreram. Recentemente, Líbia, Egito e Iêmen trocaram seus longevos ditadores por governantes “democráticos”. As aspas são necessárias. A métrica da democracia ocidental, especialmente o padrão bipartidário americano, traz resultados distorcidos quando aplicada ao mundo islâmico. Basta a inexistência de uma separação clara entre poder religioso e poder civil para explicar essa ineficiência. Os eventos recentes mostram que o discurso contra o “imperialismo” é uma desbotada bandeira política que ganhou novas cores ao ser tingida pela retórica do fundamentalismo religioso e da disputa por poder nas democracias recentes.
Ofensas a qualquer crença são imperdoáveis e insuportáveis – muitos cristãos se incomodariam profundamente com uma comédia romântica envolvendo Jesus e Maria Madalena, por exemplo – mas é inegável que boa parte do fogo foi soprado por lideranças rotuladas como fundamentalistas, mas que devem ser encaradas como organizações políticas em busca de legitimação e espaço no coração do eleitorado.Seria arrogante pensar que, a priori, uma prática é melhor do que a outra. No entanto, seria ingenuidade ignorar que as diferenças podem impossibilitar o entendimento, o diálogo e, principalmente, a cooperação econômica. Essas diferenças não têm sido levadas em conta pelas chamadas potências ocidentais na hora de propor acordos, definir tratados e fechar negócios, em especial os Estados Unidos.
O ataque das tropas da Otan à Líbia, que selou o destino do ditador Muamar Kadafi, reiterou o fato de que a preocupação devia-se ao óleo sob a terra, e não à população sobre ela. No caso do Brasil, a imagem neutra, pacífica e tolerante que o País exibe lá fora é um trunfo na hora de buscar espaço no cenário internacional. Desde que não se caia na armadilha mental de confundir terroristas com políticos e lideranças efetivas com clérigos. Há muito espaço para o Brasil no cenário político e comercial no Oriente Médio, e alimentos e commodities são apenas a ponta desse iceberg, mas, para que isso ocorra, é preciso evitar as armadilhas de usar a métrica errada.