15/08/2014 - 20:00
Uma das expressões mais citadas e menos compreendidas da campanha eleitoral presidencial é o “espírito animal” do empresário, termo consagrado pelo economista austríaco Joseph Alois Schumpeter (1883 – 1950). Resumindo muito, o tal “espírito animal” é a propensão de alguns cidadãos para saírem voluntariamente de suas zonas de conforto e empreenderem, mobilizarem recursos e correrem riscos para criar valor. Para os economistas de fora do governo, a sucessiva e sistemática intervenção de Brasília na economia estaria emasculando o espírito animal.
Pode parecer apenas uma boa provocação. No entanto, uma pesquisa recente do Instituto Assaf, do economista paulista Alexandre Assaf, mostra que o desempenho das empresas abertas não financeiras – notadamente do ramo industrial – piorou nos últimos anos, deterioração que coincidiu com o mandato de Dilma Rousseff. Comparando os resultados de 2003 a 2010, com aqueles divulgados no intervalo entre 2011 e 2013, a pesquisa concluiu que o retorno médio sobre o capital recuou de 12,8% para 8,8% ao ano.
Segundo o trabalho, entre 2002 e 2004, nos primeiros dois anos do governo Lula, o retorno do capital próprio cresceu fortemente, entrando a seguir em uma fase de estabilidade, que perdurou até 2010. Naquele ano, a rentabilidade patrimonial começou a cair de forma acentuada, afetando o ganho dos acionistas. Nos últimos anos, o retorno médio do capital próprio ficou abaixo dos juros de mercado, o que gerou uma perda econômica, ou seja, uma destruição de valor para os acionistas. Da mesma forma, o endividamento e a alavancagem das empresas também encolheram.
Entre 2003 e 2010, em média, o passivo das empresas representava 31,7% do total dos ativos. Em 2013, essa relação havia recuado para 27,2%. Resumindo esses números em uma conclusão, os empresários perceberam que ganham menos ao investir, por isso reduzem os riscos de empreender. A maior aversão ao risco pode ser comprovada pela redução do endividamento. Empresário dotado de espírito animal, ao contrário do senso comum das pessoas físicas, sabe que dívida é bom – pois, ao se endividar, ele mobiliza capital e aufere lucros.
Há inúmeras explicações possíveis para esse desempenho adverso da indústria. A crise internacional em 2008, que ainda não foi totalmente superada. A desaceleração da economia chinesa, nosso principal parceiro comercial. O esgotamento do modelo de crescimento econômico baseado em crédito, devido ao fato de o endividamento da nova classe média ter chegado ao limite. No entanto, a hipótese de uma “domesticação” do espírito animal não pode ser descartada. Ao contrário do que dizem os críticos, o empresário moderno gosta de correr riscos, pois sabe que estes são a matéria-prima do lucro.
O que assusta o empresário é o risco desconhecido, a intervenção inexplicada e inexplicável do governo, que lubrifica artificialmente o desempenho financeiro de alguns setores da economia em detrimento de outros e torna os empresários, industriais em especial, artificialmente dependentes do lubrificante estatal. Ao privilegiar os campeões nacionais e fazer malabarismos com taxas de juros, alíquotas de impostos, incentivos fiscais e tarifas de serviços públicos, o governo tornou a rentabilidade do capital uma variável cada vez mais dependente de seus humores. E contra essa dependência do lubrificante estatal não há incentivo que resolva nem espírito animal que se arrisque a empreender.