DINHEIRO ? O remédio no Brasil é caro?
OMILTON VISCONDE JÚNIOR ? Os preços são um dos mais baixos da América Latina. Custa metade do que no México e é equivalente ao do Paraguai e Uruguai. Só não podemos comparar com Europa e Estados Unidos, onde quem paga o medicamento é o governo ou os planos de saúde.

DINHEIRO ? Por que, então, o acesso ainda continua tão difícil?
VISCONDE ? A questão é complexa. Apenas 35 milhões de brasileiros podem comprar remédio hoje. Muita gente relaciona o acesso ao preço. Ele é um dos fatores, sim, mas existem outros mais relevantes. Essa discussão é viciada, esbarra sempre na questão do preço. O acesso também depende de políticas inteligentes de Estado e da introdução do medicamento no seguro saúde.

DINHEIRO ? Mas foi a indústria que deixou que essa questão chegasse a esse ponto, não?
VISCONDE ? É um escapismo de todo mundo, inclusive da indústria, que não consegue se posicionar junto à opinião pública e ao governo. Dizer que o remédio é caro, que a indústria ganha muito dinheiro e que a saída é aumentar a produção nos laboratórios públicos é voltarmos à discussão de 30, 40 anos atrás, e que nunca surtiu
efeito nenhum.

DINHEIRO ? A questão do acesso, na sua opinião, depende também de iniciativas do governo ou dos planos de saúde. E como a indústria poderia ajudar?
VISCONDE ? O parque industrial do Brasil é o melhor da América Latina, mas tem, em média, 40% de ociosidade. Uma das fórmulas inteligentes de lidar com isso é aproveitar essa capacidade para fabricar medicamentos básicos, como a aspirina, a baixo custo
para a população carente.

DINHEIRO ? E o governo daria incentivos fiscais?
VISCONDE ? Provavelmente sim. Ou a indústria faria a preço de custo. São possibilidades. O orçamento da Saúde não é suficiente para entrar pesado no reembolso de medicamentos.

DINHEIRO ? Quanto o governo teria de gastar para subsidiar remédio?
VISCONDE ? Cerca de R$ 15 bilhões, cinco vezes mais do que gasta hoje com assistência farmacêutica. O orçamento da Saúde é de R$ 35 milhões. É inviável. Mas seria possível começar por algumas categorias, fazendo remédios para doenças crônicas, como hipertensão e diabetes.
O problema é que no Brasil se gasta muito mais com internação hospitalar do que
com prevenção.

DINHEIRO ? Como é essa conta no mundo?
VISCONDE ? Ela não chega a inverter, mas é muito mais equilibrada. O medicamento pode aumentar o custo inicial de um tratamento, mas é um redutor a longo prazo. Se você é um hipertenso, por exemplo, e não toma remédio para isso, o risco de um enfarte no miocárdio é muito grande. Aí você vai para o hospital e os custos serão muito maiores no final das contas.

DINHEIRO ? Essa proposta de aproveitar a capacidade ociosa para fabricar medicamentos já foi apresentada ao governo?
VISCONDE ? Nós não apresentamos formalmente, mas temos discutido com algumas áreas do governo. O problema é que o governo confia pouco no setor privado. Na Saúde ainda tem aquela visão da antiga esquerda. O Brasil, por exemplo, até onde eu sei, é o único país do mundo que tem laboratório público.

 

 

 

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“O genérico não aumentou a base de consumidores e frustrou os fabricantes”

 

 

DINHEIRO ? O que fazem esses laboratórios?
VISCONDE ? A maioria compete com o setor privado. Mas não faz sentido fabricar aspirina se já existe quem faça isso com competência no setor privado. Eles têm de focar em áreas estratégicas, como fabricar remédios para hanseníase e malária, coisa que o laboratório privado não faz mais.

DINHEIRO ? Qual é a situação econômica da indústria?
VISCONDE ? As nossas vendas unitárias, nos últimos dez anos, têm sido a mesma. Ela se mantém em real e despenca em dólar. Se a filial da AstraZeneca, por exemplo, perde 40% do faturamento em dólar, perde 40% da importância dela.

DINHEIRO ? E já tem multinacional pensando em sair do País por conta dessa situação?
VISCONDE ? Tem gente cautelosa, brecando investimentos. E o
Brasil tinha todas as condições de ser a base industrial da América
do Sul, mas está perdendo esse posto para o México. Lá, o mercado cresce, o preço é livre ? e nem por isso é muito alto. O que os empresários não podem é ter essa camisa-de-força. O mercado
está tão competitivo que qualquer medida de controle não tem eficácia. O setor precisa de autorização do Estado para funcionar
e agora nosso preço também é dado pelo governo. O capital, de
quem é? Não é do Estado.

DINHEIRO ? Quanto o Brasil está deixando de ganhar?
VISCONDE ? O País perdeu US$ 1,5 bilhão de investimento nos últimos quatro anos. Eram investimentos programados em novas fábricas, lançamentos, pesquisas. O setor empobreceu US$ 3 bilhões, sobretudo por conta de câmbio. Deixamos de recolher US$ 500 milhões em impostos. O setor fechou 5 mil postos de trabalho nos últimos quatro anos, isso é 10% da massa de empregados. Quem investiu nesses anos foram os fabricantes de genéricos.

DINHEIRO ? O que o genérico trouxe de novo?
VISCONDE ? Ele não aumentou a base de consumidores, só trouxe uma grande economia para quem já consumia remédio. Frustrou inclusive as companhias que entraram nesse mercado. A gente imaginava que haveria alguma substituição, mas não total.

 

 

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“O ministro Humberto Costa fará avanços, desde que confie no setor privado”

 

 

DINHEIRO ? O genérico ainda tem
espaço para crescer?
VISCONDE ? Ele vai crescer menos
daqui para frente. Ele vinha crescendo
acima de 50% ao ano, mas isso tem
um limite. As moléculas mais importan-
tes já foram lançadas.

DINHEIRO ? Qual é o futuro das empresas nacionais do setor?
VISCONDE ? O setor está passando por um momento difícil. Hoje em dia, para você ter um negócio farmacêutico, é preciso pensar globalmente, ter escala. Isso, as empresas locais não têm. E não há como sobreviver às economias de escala que o setor hoje exige. O futuro, então, está na fusão. Eu não vejo espaço para tantas companhias nacionais. São mais de 200, sendo que dez devem ter quase metade do faturamento do mercado.

DINHEIRO ? A indústria nacional exporta alguma coisa?
VISCONDE ? Pouquíssimo. E exportar é uma necessidade, até pra gente se proteger um pouco do risco cambial. Como nós somos muito importadores, exportar é uma forma de fazer um hedge natural.

DINHEIRO ? Mas preço competitivo vocês têm?
VISCONDE ? Sim, mas exportar remédio é diferente de exportar
soja. As barreiras regulatórias são importantes.

DINHEIRO ? Por que o setor importa tanto?
VISCONDE ? O setor tem um déficit de US$ 1,2 bilhão por ano por conta de importação de matéria-prima e produtos terminados. O governo quer criar um programa para incentivar a produção de insumos, mas o País não tem vocação nessa área. Nós perdemos esse espaço para a China e para a Índia nos últimos quinze anos. Eles vendem uma tonelada de ácido acetilsalicílico (matéria-prima da aspirina) por cinco dólares. O Brasil nunca conseguiria fazer isso. Se, de repente, o governo fizer um investimento cavalar e não tiver retorno, do que vai adiantar? Seria melhor colocar esse dinheiro onde o Brasil tem vocação, no agronegócio ou no turismo.

DINHEIRO ? O Brasil corre o risco de perder o bonde da biotecnologia também?
VISCONDE ? Está próximo de perder. Essa é uma fonte de redução de déficit a longo prazo. E mais: é fonte de desenvolvimento tecnológico, pois permite que o Brasil tenha patentes.

DINHEIRO ? O que a indústria está fazendo nessa área?
VISCONDE ? Pouca coisa. Para isso é preciso crédito. Os recursos que as companhias nacionais têm para investir em tecnologia e pesquisa são praticamente zero. A pergunta é: nós vamos ser eternamente dependentes de tecnologia? O Brasil tem cientistas e universidades de ponta. Em vez de fazer investimento em farmoquímicos, o governo poderia fazer em biotecnologia.

DINHEIRO ? Qual é a sua opinião sobre a quebra de patente?
VISCONDE ? Essa é uma questão delicada. É um direito lícito do governo ? que paga os medicamentos ? utilizar todos os mecanismos de negociação para reduzir preço. Mas é possível chegar a um acordo, sem que haja quebra de patente.

DINHEIRO ? Quais as conseqüências da quebra de patente para a indústria?
VISCONDE ? Ela pode deixar de pesquisar. Se não houver uma mínima garantia, por que ela pesquisaria? Porque a humanidade precisa. Sim, mas aí quem deve bancar é o governo. O capital investido em pesquisa é alto. A indústria precisa ter lucro.

DINHEIRO ? Qual a sua expectativa a respeito dessa nova gestão?
VISCONDE ? O ministro da Saúde (Humberto Costa) vai avançar nessas questões de acesso, mas desde que confie no setor privado. Ele é um cara de bom diálogo, de boas intenções. A questão também passa pelo Ministério da Indústria e Comércio, pela Fazenda, pelo BNDES, pela Finep. Para se ter uma idéia, a indústria farmacêutica
era desconhecida no BNDES. Isso já está mudando nesse novo governo. Há um novo grupo dentro do banco trabalhando focado na indústria farmacêutica. A instituição está colocando pessoas para conhecer melhor o setor.

DINHEIRO ? Mais uma vez a indústria tem parte da culpa.
VISCONDE ? É incompetência histórica da indústria. Ela tinha de trabalhar do lado do governo, ajudando-o a resolver o problema. O BNDES entrou com 25% no hotel do Fasano. É estranho, não é? A diária custa R$ 1.500. Um banco como esse não é o Itaú, nem é o Bradesco. É o banco nacional do desenvolvimento. Nada contra. Mas qual é a faixa da população que se beneficia disso?