DINHEIRO – O presidente Lula chamou uma reunião do conselho econômico para discutir a inflação. É o principal problema da economia brasileira?
ALOIZIO MERCADANTE É o principal problema da economia internacional. É a mais forte inflação dos últimos 30 anos em nível global e atinge principalmente os importadores de alimentos, minérios e petróleo. O Brasil, como já é autosuficiente em petróleo e um grande exportador de alimentos, é menos atingido, mas não está imune. Ao contrário do México e Uruguai, que estão congelando preço dos alimentos, ou da Argentina, que está taxando, o governo Lula vai lançar um pacote de estímulo à agricultura. Queremos combater a inflação produzindo Entrevista / Aloizio Mercadante mais, exportando e gerando divisas.

DINHEIRO – Este vai ser o principal instrumento do governo para combater a inflação? E o corte de gastos?
MERCADANTE O governo já aumentou o superávit primário em 0,5 ponto do PIB, já estamos com superávit nominal. Portanto, estamos desendividando o País. Mas o governo não pode comprometer os investimentos sociais nem os gastos do PAC, que são investimentos estruturantes. Um país que volta a crescer precisa de infra-estrutura e isso precisa ser preservado no orçamento. O aumento do superávit, o aumento da taxa Selic, o aumento do compulsório sobre leasing, isso tudo vai ajudar a desacelerar um pouco o consumo das famílias, que vinha crescendo muito forte, 8,6%, e agora está se desacelerando para algo em torno de 6,6%, o que é bem razoável. Acho que vamos ter uma taxa de crescimento este ano em torno de 5%, o que é uma grande realização, considerando a desaceleração americana e européia.

DINHEIRO – A meta do superávit não deveria ir além dos 4,3%?
MERCADANTE Não, o governo já aumentou 0,5 ponto percentual, já aumentou em um ponto a taxa Selic, está aumentando o compulsório sobre leasing, aumentou o IOF e a demanda está desacelerando. Não podemos dar uma dosagem de remédio maior do que a doença para que não comprometa o crescimento econômico. Não queremos combater inflação com recessão. O governo está muito atento à pressão inflacionária, mas mantendo o crescimento de 5% e crescendo mais onde é possível e desejável, que é na agricultura e na pecuária.

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DINHEIRO – Mas há quem defenda um superávit maior, de até 5%. MERCADANTEEu prefiro não falar em números, mas em instrumentos. Como este é um ano eleitoral e a lei de responsabilidade fiscal é rigorosa, o engessamento institucional já ajudará na elevação do superávit primário.

DINHEIRO – Além da queda natural com a proibição de despesas, tem que ter um aperto fiscal?
MERCADANTE Tem que aumentar o superávit primário para completar a política de juros. E temos um cenário de médio prazo espetacular, com mudanças estruturais com o petróleo. Ele já responde por mais de 10% do PIB, a Petrobras é responsável por mais de 12% dos impostos arrecadados no Brasil e tem um fluxo de caixa que assegura investimentos de US$ 114 bilhões nos próximos quatro anos. Com as descobertas do pré-sal, o Brasil se transforma numa potência petrolífera tardia. O primeiro desafio é fazer com que esta receita espetacular desencadeie um processo de substituição de importações e de industrialização do País. Só no subsolo, o Estado brasileiro tem em reservas provadas algo entre US$ 250 bilhões e US$ 400 bilhões, fora o fluxo de receita fiscal, com os royalties e os impostos do petróleo, e as exportações que vão gerar um megasaldo comercial no Brasil – pelos alimentos, pelo minério e agora pelo petróleo, em cinco ou seis anos.

DINHEIRO – E esse megassaldo comercial não pode ter um efeito negativo na economia, sobretudo na indústria?
MERCADANTEPode, e esse para mim é o principal debate do País hoje. Nós estamos produzindo dois milhões de barris e consumindo 1,92 milhão de barris. Estaremos daqui a quatro anos produzindo 2,4 milhões e consumindo 2,17 milhões, segundo as projeções da Petrobras. Já estaremos exportando sem o pré-sal. Vamos gerar um forte superávit comercial, o que tende a apreciar a moeda e aprisionar o País na chamada doença holandesa. Os grandes exportadores de petróleo – Arábia Saudita, Iraque, Irã, Venezuela, Bolívia – viraram economias parasitárias, que transformam esta riqueza em importação e consumo, desperdício, burocracias agigantadas, política externa autoritária. O Brasil não deve repetir esses erros. Temos que aprender com o erro dos outros. Por isso o fundo soberano. Não há outro caminho para este volume de recursos. Por exemplo, os Emirados Árabes têm um fundo soberano de US$ 875 bilhões, a Noruega, que é a melhor experiência internacional, um fundo de US$ 396 bilhões. No Brasil, esses recursos devem ser investidos em projetos estruturantes, como educação, ciência e tecnologia e previdência. Podemos reduzir dívida pública e com isso reduzir impostos sobre a folha de pagamento e com isso dar um choque de competitividade. O inverso da doença holandesa.

DINHEIRO – Este fundo sai mesmo e em quanto tempo?
MERCADANTE Tem dois temas bastante consolidados dentro do governo. Um é que foi correta a decisão de suspender o processo de concessões de licenças na área do pré-sal. O outro é o fundo soberano. No segundo semestre, o governo deve estar apresentando sua proposta ao País. Não há urgência, mas, com o cenário que se desenha para os próximos quatro ou cinco anos precisamos ter um fundo para investir em projetos de educação, ciência e tecnologia e talvez projetos estruturantes e de aposentadoria e pensão.

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DINHEIRO – Com isso, o projeto do ministro Guido Mantega, de um fundo fiscal, fica congelado?
MERCADANTE Só estamos tratando de uma proposta. O fundo terá um caráter fiscal de imediato e a médio prazo terá uma dimensão cambial, para administrar o excedente dos recursos do petróleo. Caráter fiscal de imediato e posteriormente um fundo cambial. Estamos estudando as experiências internacionais para fazer uma proposta consistente. Não temos nenhuma urgência.

DINHEIRO – Redefinir o marco regulatório do pré-sal significa que a Petrobras ficará com todas as licenças?
MERCADANTE O pré-sal tem uma parte que já foi concedida, e como tudo sugere que todas essas prospecções possam ser um único megacampo, a lei prevê a unitização das reservas. Ou seja, as empresas se consorciam para cotizar a exploração para que não haja drenagem de outros campos vizinhos. Se não houver acordo, a União arbitra. A área que não foi à concessão deve ficar com a Petrobras porque a taxa de êxito é 100%. Por que entregar para a iniciativa privada? A Petrobras defende a fórmula de partilha, mas isso ainda não está definido.

DINHEIRO – Com a arrecadação subindo 18% como está este ano, para que o governo precisa dessa nova CSS?
MERCADANTEAcho que nós precisamos discutir muito bem se vamos adotar a Emenda 29. Porque ela aumenta as despesas com saúde, e boa parte desses recursos vinha da CPMF. Para manter esses gastos, o governo tirou de outras áreas. Para aumentar a verba com saúde tem que ter uma fonte permanente de custeio. O que nós temos hoje é uma receita extraordinária. Ela não é sustentável a longo prazo. Ela existe porque o País está crescendo muito com o mercado interno. Se for para aumentar estas despesas, tem que ter receita. Mas eu não sei se este momento de pressão inflacionária é um bom momento para isso – fiz esta advertência na votação da Emenda 29.

DINHEIRO – A CSS passa no Senado?
MERCADANTEVamos aguardar. Devemos primeiro derrotar a inflação importada e depois fazer os ajustes na saúde e eventualmente encontrar uma nova fonte de financiamento. Fazendo a advertência de que o próprio Senado votou por quase unanimidade a alíquota de 0,08% como permanente para a CPMF há quatro anos. Todos reconhecem que a CPMF era um instrumento muito importante de taxar a economia informal e controlar a receita. É mais inteligente reduzirmos impostos sobre folha de pagamento, o que gera emprego, e sobre investimentos. Além disso, devemos manter o imposto que atingia a economia informal. Precisamos entrar num outro debate, que é a reforma tributária. Se a Câmara acelerasse a reforma tributária, nós teríamos outro elemento de coordenação das políticas. As coisas têm que estar sincronizadas, e não estão neste momento. Se estivessem, a discussão da CSS no Senado ocorreria em outras bases.

DINHEIRO – E qual é o empenho real do governo em acelerar estas reformas?
MERCADANTEAcho que o governo está bastante empenhado. Tanto que mandou uma proposta de reforma tributária bem consistente.

DINHEIRO – É que se sabe que o governo tem um certo capital político, limitado, e que aprova determinadas coisas usando este capital, de acordo com as prioridades que dá a determinados assuntos. Isso vale para a reforma? MERCADANTE A matéria da reforma tributária é muito mais complexa, porque há alguns entes federados que não querem a reforma, têm medo de perder receita na passagem da origem para o destino, porque algumas empresas têm medo de perder privilégios e estes são dois grandes obstáculos a uma reforma tributária que é para a sociedade, é simplificação, é racionalidade. Não é para o Estado. O Estado tem que ter neutralidade. Nós teremos um cenário que vai ajudar a melhorar, que é a receita fiscal de royalties de petróleo, que vai gerar uma fonte de receita tão robusta, tão significativa, que vai mudar totalmente o cenário.

DINHEIRO – O sr. vai subir no palanque de Marta Suplicy em São Paulo nessas próximas eleições municipais?
MERCADANTE Já estou. Dela e também dos outros candidatos do partido. Quem está muito dividida em São Paulo, pelo que se viu nos últimos dias, é a oposição. Tenho feito quatro a cinco cidades sexta, sábado, domingo e segunda. São 600 municípios no meu Estado e eu tive 10,5 milhões de votos. Este ano eu vou amassar barro, distribuir panfletos, subir no caminhão de som e fazer campanha para todos os que fizeram campanha para mim.