DINHEIRO ? Por um bom período a inflação ficou de lado no debate econômico e agora volta à tona. A inflação não morreu?
SALOMÃO QUADROS ? A inflação não morreu e não morrerá nunca. Na zona do euro a taxa anual já passou dos 3%, bem alta para o padrão dos últimos dez anos. Nos Estados Unidos supera os 4%. Na China, a inflação de 2% há um ano saltou para mais de 8%. Na América Latina, o Chile, conhecido pela gestão macroeconômica aprimorada, está com inflação maior do que a brasileira e a Argentina nem se fala. Existe um fenômeno inflacionário mundial.

DINHEIRO ? No Brasil há o risco da inflação superar a meta. Isso preocupa?
QUADROS ? A hiperinflação brasileira é coisa do passado. O País fez avanços na gestão macroeconômica, tanto institucionalmente como no debate econômico. Um exemplo é a autonomia do Banco Central, que, apesar de não ser legislada, existe na prática. Hoje, ao contrário dos anos 80 e 90, a situação fiscal está mais bem equacionada com superávits na contabilidade primária (aquelas que excluem os juros) e o regime de câmbio passou a ser flexível. Todo mundo hoje acredita ? e age ? em uma economia de inflação de 4%, 4,5%.

DINHEIRO ? Ao que tudo indica, o País pode não repetir o desempenho dos últimos dois anos, quando a inflação ficou abaixo do PIB. Ela tende a subir de patamar?
QUADROS ? Sim. Por algum tempo vamos ter inflação um pouco mais alta. Até porque a inflação do fim de 2006 e do início de 2007, em 12 meses, ficou abaixo dos 3%, uma situação não sustentável para o País.

DINHEIRO ? O presidente do BC, Henrique Meirelles, foi precipitado ao amentar a Selic em meio ponto para 11,75%?
QUADROS ? É difícil julgar a decisão como precipitada porque, ao mesmo tempo que temos sinais de que a inflação está acelerando, temos sinais de que ela pode estabilizar. De um lado, a atividade econômica robusta traz o receio do esgotamento da capacidade produtiva. Do outro, temos uma indústria investindo como há muito tempo não víamos. Para meu gosto, acho que Meirelles poderia esperar um pouco mais para aumentar os juros. Não vejo um grande risco em observar o comportamento dos preços, até porque a elevação de juros significa um certo esfriamento de expectativas com repercussões ruins sobre a formação de capital.

DINHEIRO ? Sobre expectativas: na semana passada o Serasa divulgou uma pesquisa apontando que 48% dos empresários esperam alta da inflação. Em 2006 eram menos de 40%. Isso já não é suficiente para pressionar o índice?
QUADROS ? É verdade. Não precisa que a inflação aconteça para que ela suba. Acho que neste ano a inflação será mais disseminada, com muito peso em insumos, o que afetará todos os setores. Comportamento diferente do ano passado, quando o aumento ficou concentrado em alimentos.

DINHEIRO ? O sistema de metas está ameaçado?
QUADROS ? Nós estamos na fronteira da meta. O IPCA em 12 meses já passou da meta de 4,5%.

DINHEIRO ? Quais serão as maiores fontes de pressão inflacionária?
QUADROS ? Agricultura e energia. Na maioria dos países, a agricultura tem um peso muito importante, como China, Índia e Brasil. Em países mais desenvolvidos, como os europeus e os Estados Unidos, existe a inflação de alimentos, mas o preço do petróleo tem uma repercussão grande.

DINHEIRO ? É verdade que os biocombustíveis pressionarão o preço dos alimentos, já que parte da área agriculturável servirá à produção de matériaprima para energia?
QUADROS ? Exatamente. O problema da inflação é mundial e não deve acabar de uma hora para outra. O aumento da demanda continuará puxado pela China e Índia. Para atender esses consumidores será preciso aumentar a produção de alimentos ao mesmo tempo que se resolve a questão energético-ambiental.

DINHEIRO ? No Brasil a inflação é de demanda?
QUADROS ? O componente da demanda contribui, mas, mesmo se não tivéssemos vivendo essa situação, a nossa inflação teria subido. O preço dos alimentos aumentou no mundo. A demanda é o fator que as autoridades financeiras têm como controlar.

DINHEIRO ? O ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a ameaçar uma restrição de crédito para a compra de automóveis, mas voltou atrás. Seria este o caminho?
QUADROS ? Tem mais de uma maneira para fazer isso. A mais convencional é subir os juros. Restringir o crédito não me parece uma boa escolha. O Brasil tem o crédito mais atrofiado do mundo. Para uma economia ter sustentação de consumo é importante ter crédito mais distribuído.

DINHEIRO ? Recentemente, o FMI publicou um relatório afirmando que os juros altos deixam a economia brasileira como umas das mais vulneráveis entre os emergentes.
QUADROS ? É importante esclarecer que dificilmente o Brasil vai entrar em uma rota permanente de elevação de juros. A tendência, em médio prazo, é diminuir as taxas. Mas há um porém: para conseguirmos uma taxa decrescente é preciso agir no lado fiscal, com melhoras dos gastos públicos. A economia não é só o Banco Central.

DINHEIRO ? O sr. diria que o controle da inflação depende de esforços iguais do ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central?
QUADROS ? O ideal de qualquer gestão macroeconômica é que as autoridades monetária e fiscal se entrosem mais. O Banco Central tem que cumprir seu papel de guardião dos preços e para isso usa os juros, mas ele será ajudado se a política fiscal atuar no sentido não expansivo.

DINHEIRO ? O secretário do Tesouro, Arno Augustin, anunciou contenção de gastos de R$ 19 bilhões. Para um país que está lutando para manter a inflação na meta, não é pouco?
QUADROS ? O governo está arrecadando muito neste ano. Nem lembramos mais da CPMF. Então, talvez, houvesse espaço para ações mais arrojadas. A dúvida que permanece é se essa manobra é de curto prazo e se há realmente um compromisso no corte de gastos. O governo podia cortar mais e deixar mais claro que são cortes irreversíveis.

DINHEIRO ? A estabilidade da economia brasileira é real e consistente?
QUADROS ? O Brasil ainda não é invulnerável, mas estamos mais bem preparados para enfrentar uma crise. O lado fiscal está mais fortalecido, a relação dívida do setor pública e PIB caiu. O setor fiscal pesa menos como passivo, o lado externo, que historicamente era o nosso calcanhar-de-aquiles, também está mais forte.

DINHEIRO ? A valorização do real não ameaça essas conquistas?
QUADROS ? A valorização da moeda começa, sim, a alterar este quadro. É um motivo de preocupação. Mas ainda não há sinais de uma evasão de divisas. Até porque há muito dólar entrando na economia como investimento para formação de capital.

DINHEIRO ? Recentemente, porém, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) colocou o Brasil em último colocado no ranking em investimento para formação bruta de capital fixo.
QUADROS ? O baixo nível de investimento no Brasil é verdade há 20 anos. Mas a formação bruta de capital fixo está crescendo cerca de 10% ao ano. É preciso que ela participe com 20% ou mais do PIB. Hoje representa 17%, mas já representou 15%. Se for possível evitar futuras altas dos juros, seria muito bom, justamente para não interromper essa evolução.

DINHEIRO ? Os países estão sofrendo com a inflação e com os juros. O ciclo de crescimento que se apresentou nos últimos anos está acabando?
QUADROS ? Está mudando. O mundo não vai ficar na mesma com os Estados Unidos à beira de uma recessão. Felizmente, há uns três anos o crescimento global deixou de depender exclusivamente da economia americana para ficar mais distribuído. China e Índia puxaram este processo. É curioso ver a economia americana estagnada e a América Latina crescendo. A recessão americana não levará o mundo com ela, mas o crescimento global que foi de 5% nos últimos anos deve cair para 4%, na pior das hipóteses 3%.

DINHEIRO ? Para conter a inflação é sempre necessário sacrificar o crescimento?
QUADROS ? A teoria econômica ainda não encontrou uma forma indolor de resolver isso. No livro que escrevi, lembro que no Brasil dos planos heterodoxos, nos anos 80, acreditava-se que era possível conter a inflação sem custo. Depois das sucessivas experiências malsucedidas percebeu-se que é impossível. Agora, busca-se o menor custo.

DINHEIRO ? O sr. acabou de lançar o livro com um panorama da inflação. Demoramos muito para conseguir a estabilidade?
QUADROS ? Tivemos quatro décadas de inflação mais alta do que a média mundial. Nos anos 60, tivemos uma primeira manifestação de pressão inflacionária e ela foi contida. Na década de 70, houve o choque do petróleo, nos anos 80, a indexação da economia. Chegamos a ter inflação de quatro dígitos. Hoje, esse cenário está extinto. Inflação zero não existe, é um processo muito caro. Um índice de 3% para o Brasil é muito baixo, mas, por ora, 4% ou 4,5% está de bom tamanho.