03/10/2018 - 18:34
Atualmente boa parte do conteúdo que surge nas redes sociais é caracterizado como um anúncio pago pelo proprietário do material ou por terceiros interessados nesse tipo de divulgação. Contudo, apesar da impulsão financiada ser nítida em tais publicações, o termo “patrocinado”, que indica a prática, parece não ter causado reflexão aos usuários de serviços como Facebook, Twitter, Instagram, entre outros. É justamente aí que mora o perigo. Com a disseminação de informações falsas – as populares fake news –, a prática de difamação e a indução do usuário ao erro e aos golpes digitais se tornaram mais frequentes no ambiente virtual.
Faça um exercício de reflexão. Quantas vezes você já se deparou com uma publicação na rede social cujo título era extremamente chamativo ou polêmico? Quantas vezes clicou ou compartilhou o conteúdo? Em quais ocasiões você verificou se aquilo era ou não verídico? Checou a fonte? Perceba como o número de verificações do conteúdo divulgado é desproporcional à quantidade de vezes que lemos manchetes caça-cliques e as compartilhamos. E quando transportamos esse cenário para o contexto eleitoral, o resultado é ainda mais complexo e possivelmente manipulável.
Entenda: praticamente toda grande empresa ou personalidade pública realiza o monitoramento de seus conteúdos nas redes sociais. Uma hashtag, palavra ou publicação em questão pode ser monitorada por softwares específicos com o objetivo de verificar quantas vezes aquela expressão ou material foi mencionado, compartilhado ou visualizado nessas plataformas digitais. Essas estatísticas são analisadas por profissionais que podem comparar os resultados e, então, verificar o que quais conteúdos geram mais audiência em determinada rede social. Dessa forma, é possível fomentar a publicidade direcionada.
A partir do momento em que um termo específico é utilizado dentro de uma publicação em uma rede social e aquele conteúdo gera interação com o público, pouco importa se as reações serão positivas ou negativas. A rede já terá contabilizado como mais uma “curtida”. Do lado de quem está monitorando esse conteúdo, ao obter as métricas para os termos pesquisados, o resultado será pautado no número total de interações e menções daquela palavra, mesmo que a conotação tenha sido negativa. Assim, se um candidato a cargo público é o mais mencionado em determinada rede social, é impossível saber se as menções trazem comentários positivos ou negativos para ele. Isso resulta em manchetes como “candidato x é o mais mencionado na internet” que, por consequência, podem impactar o eleitorado a se posicionar e contribuir com desdobramentos nas urnas.
Para as eleições de 2018, as regras para a campanha eleitoral virtual mudaram. Desde o ano passado, reforma eleitoral passou a permitir a impulsão de conteúdos na internet. Na prática, isso reflete no pagamento de anúncios via redes sociais e sites de busca pelos candidatos (art. 26, parágrafo 2º, da Lei nº 9.504/1997, alterada pela Lei nº 13.448/2017).
No Facebook, por exemplo, essa impulsão pode ser caracterizada como microdirecionamento. A plataforma criada por Mark Zuckerberg já segmenta os usuários por tipos de perfis e regiões, o que faz com que os candidatos possam atingir de modo mais certeiro seu eleitorado. Uma pesquisa recente realizada pelo InternetLab constatou que a ferramenta foi muito utilizada por todos os candidatos à presidência em suas pré-campanhas. Isso tornou possível saber por quais motivos o usuário do Facebook estava visualizando e consumindo determinado anúncio. Observou-se, também, que os candidatos vinculavam os interesses pessoais dos perfis dos usuários que gostariam de atingir. Isso segmentou os internautas por faixas etárias, de localização, por páginas que curtiram e pelos gostos pessoais de cada um.
Tudo isso bastando apenas hospedar um conteúdo na internet, atrelá-lo ao anúncio a ser patrocinado e, em seguida, segmentá-lo à exibição para um público ao qual se tem interesse. Não importa se o conteúdo é verídico ou não. A rede social não fará juízo de valor, somente o exibirá para o público-alvo. O efeito resultante é uma aliança entre o marketing (muitas vezes, de guerrilha) e as fake news, um ambiente onde os candidatos se digladiam em acusações e revides sem fim munidos de anúncios patrocinados e segmentados. No meio disso, o eleitorado clica, compartilha e retroalimenta essa massa de informação que muitas vezes, na verdade, é pura desinformação construída com o intuito de confundir o público e induzi-lo a erro.
É importante lembrar que compartilhar conteúdo difamatório gera responsabilização civil. Isso já é pacífico em nossos Tribunais. Sobre esse assunto, se torna quase que necessário observar a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. O órgão condenou duas pessoas a pagarem uma indenização por danos morais por compartilhamento de conteúdo ofensivo via Facebook.
O que compartilhamos e mencionamos na rede gera indexação na internet. O que é indexado nas buscas também reflete nas pesquisas eleitorais, pois influencia o eleitorado. Mas será que estamos dando causa à indexação da verdade? Será que aquilo que mencionamos nas redes sociais de fato condiz com nossas crenças? Ou será que estamos gerando mais desinformação, fake news e audiência para o candidato que desaprovamos?
É preciso refletir sobre o assunto, não só em tempos de eleição, mas também para evitar um círculo vicioso do qual nós também sofremos com suas consequências.
* Gisele Truzzi é advogada especializada em direito digital e fundadora do escritório Truzzi Advogados.