DINHEIRO – Recentemente, o Wal-Mart e o Carrefour lideraram um boicote aos frigoríficos acusados pelo Greenpeace de comprar gado criado em áreas desmatadas da Amazônia. Qual lição se pode tirar desse episódio?
HELIO MATTAR
– Esse exemplo mostra que houve uma enorme mudança na sociedade brasileira. Se há dez anos acontecesse essa mesma denúncia, certamente boa parte dos consumidores não teria uma percepção da relação entre o desmatamento e o aquecimento global. Nem mesmo da ilegalidade presente em uma cadeia produtiva específica. A forte repercussão fez com que os frigoríficos abandonassem o discurso inicial de minimizar o problema e se comprometessem em adotar práticas sustentáveis. A reação se deve a uma série de fatores que incluem desde o trabalho de sensibilização dos consumidores, feito pela mídia e também por ONGs como o Akatu, até a evolução no processo de responsabilidade socioambiental das empresas.

DINHEIRO – Mas uma das redes que vetam o chamado boi pirata também abriga seguranças acusados de espancar até a morte um cliente que roubou produtos. Não é um contrassenso?
MATTAR –
Não podemos conceber que uma empresa legalmente constituída, quer seja na área de segurança quer seja na de varejo, tenha como política recomendar o espancamento de clientes flagrados em atos ilícitos. Esse fato deve ser averiguado e os responsáveis punidos severamente. Saindo desse exemplo extremo, é preciso ter em mente que até mesmo as corporações que adotam uma postura sustentável estão sujeitas a falhas. As contradições fazem parte do processo de mudança da cultura de um grupo social.

DINHEIRO – Isso causa grandes impactos na imagem das empresas?
MATTAR
– Sem dúvida. E o estrago depende da percepção do consumidor e da intensidade no processo de divulgação do fato. As empresas varejistas viram que corriam o risco de ter sua imagem abalada caso não agissem rápido. Os empresários têm de entender que, na era da transparência e da visibilidade, há cada vez menos espaço para quem adota uma postura contrária à sociedade e ao meio ambiente.

DINHEIRO – A internet, com suas redes sociais, pode ser uma ferramenta na luta pela sustentabilidade?
MATTAR
– Creio que sim. O consumidor é influenciado pelas informações que ele recebe. Na sociedade do passado, há cinco anos, a função de informar o consumidor era somente da grande mídia. Hoje, 47% dos brasileiros têm acesso a internet em casa, no trabalho ou em Lan Houses. E a navegação se dá basicamente por redes sociais como Orkut, MySpace, Facebook, além de dispositivos via aparelho celular como Twitter e SMS. E isso certamente muda a velocidade da reação do consumidor à informação. Por isso, os consumidores já estão no comando. As empresas ainda não perceberam o risco que estão correndo com o poder dessa interconectividade.

DINHEIRO – As ONGs em geral, e o Akatu, em particular, não usam essas ferramentas de uma forma mais efetiva. Por quê?
MATTAR –
Isso se deve ao fato de as lideranças das ONGs serem formadas por uma geração que não viveu o boom da internet e dos mecanismos que acabei de mencionar. Isso vale também para o Akatu. Somente agora estamos incorporando todas essas ferramentas. Estamos no Orkut e acabamos de nos conectar ao Twitter. Também pretendemos rejuvenescer nosso Conselho de Administração, formado por pessoas com mais de 30 anos. Além disso, vamos montar um Comitê de Jovens e adotar uma nova postura de ação que é o compartihamento, em tempo real, de informação e conhecimento.

DINHEIRO – Fala-se muito em diversidade no ambiente corporativo e na necessidade de dar chances iguais para homens e mulheres. Mas por que isso não acontece na prática?
MATTAR –
Na minha opinião, essa não é uma postura geral no mercado. Muitas companhias estão sinceramente buscando alinhar o discurso à prática. Outras, porém, ainda acreditam que é possível falar uma coisa e fazer outra, correndo o risco de ser desmascarada. De qualquer forma, as pesquisas mostram que a evolução neste campo tem sido bastante lenta.

DINHEIRO – Os empresários não percebem o valor da diversidade?
MATTAR –
Eu diria que a empresa que age em prol da diversidade possivelmente não está sendo recompensada pelo consumidor como deveria.

DINHEIRO – Nos Estados Unidos e na Europa existe o chamado consumo étnico, o que acabou incentivando a participação de outros grupos …
MATTAR –
A diferença entre os Estados Unidos e o Brasil é que lá, as entidades de direitos humanos exerceram uma enorme pressão sobre o governo e a iniciativa privada. Por aqui, ainda falta uma ação mais vigorosa nesse sentido.

DINHEIRO – Como o sr. avalia a atuação do presidente Lula nas questões ligadas à sustentabilidade?
MATTAR –
De um modo geral, todas as esferas governamentais vêm atuando mal nesta área. O governo federal tem uma dificuldade adicional que é o fato de o presidente Lula colocar o meio ambiente como obstáculo ao desenvolvimento produtivo. Ele não se dá conta que, a longo prazo, todos vamos sofrer por conta das possíveis perdas no setor ambiental.

DINHEIRO – Quais seriam os principais problemas?
MATTAR –
Um deles é a Lei dos Resíduos Sólidos. Diversos Estados já legislaram sobre isso mas, no plano federal, esse assunto está parado há quase dez anos no Congresso Nacional. Se o presidente Lula tomasse a frente desse processo certamente o assunto entraria na pauta de votação. No âmbito administrativo, os técnicos do Ministério das Minas e Energia tentam atuar no campo da preservação mas encontram dificuldades de levar essas idéias à frente. Isso porque, o governo como um todo, incluindo os ministros e o próprio presidente Lula, não é sensível às questões ambientais.

DINHEIRO – Qual o impacto disso na vida das pessoas?
MATTAR
– Vivemos uma situação extremamente preocupante. Nada menos que 60% do volume de resíduos gerados no País não seguem para aterros e sim para lixões. Com isso, aumentam os casos de contaminação de cursos de água e do subsolo, causando um grande impacto na qualidade de vida das pessoas e no custo para o tratamento da água. O governo federal está agindo de uma forma irresponsavelmente lenta na área ambiental.

DINHEIRO – O sr. acredita no potencial da chamada economia verde?
MATTAR
– Ela pode ter uma grande contribuição para ajudar a reduzir o impacto na área energética. É por isso que defendo uma reforma tributária que privilegie o desenvolvimento de fontes de energia limpa: eólica, solar e geotérmica. O modelo energético atual é baseado na lucratividade de uns poucos e na geração de passivos ambientais que terão de ser repartidos por todos nós. Não há dúvida de que os projetos ambientalmente sustentáveis são viáveis. Prova disso, é que existe uma fila de consumidores dispostos a comprar os modelos de carros híbridos. Para participar dessa nova onda é preciso recursos e capital intelectual.

DINHEIRO – Como o Brasil poderia se beneficiar desse processo?
MATTAR –
Uma das alternativas é a adesão do País aos mecanismos de compensação de emissões, cobrando pelo serviço ambiental da floresta. Isso poderia gerar um fluxo de recursos e também de competência técnica para o País aplicar em tecnologia verde. Hoje, 55% das emissões brasileiras de gases-estufa são decorrentes do desmatamento e da degradação ambiental. Em vez de seguir esse caminho, o governo lança mão de argumentos como a soberania nacional para justificar a recusa em assinar acordos desta natureza.

DINHEIRO – Qual a posição do Akatu em relação às companhias que fabricam produtos que fazem mal à saúde, como tabaco e bebidas alcoólicas?
MATTAR –
Em primeiro lugar gostaria de explicitar o que faz o Akatu. Nós somos uma entidade que trabalha para mudar o estágio de consciência do consumidor sobre seu poder de escolha no ato do consumo. Não somos uma entidade que faz avaliação de produtos ou de empresas. Independentemente disso, não aceitamos receber o apoio, como parceiro, de uma empresa de tabaco. Isso porque, neste caso, o consumidor não tem escolha pois a nicotina gera uma dependência química. O mesmo vale para as armas, cujos efeitos são irreversíveis. Mas isso não se aplica ao setor de bebidas já que apenas uma pequena parcela, de 5%, apresenta problemas de dependência. Para nós, o que importa é que a empresa se preocupe em chamar a atenção para os malefícios que o excesso no consumo pode causar.