A história de vida de Nélio Nicolai parecia traçada desde a infância. Seu pai foi fundador e diretor do Palestra Itália e seu irmão mais velho era jogador profissional de futebol ? passou pelo Cruzeiro, Fluminense e o próprio Palmeiras. Ágil e habilidoso, Nicolai não tardou a conquistar, na juventude, uma vaga no Pedro Leopoldo, um pequeno time profissional de Minas Gerais. No entanto, deixou os gramados para trás para se dedicar a outra paixão: a invenção. Em vez de estampar as páginas dos jornais com algum gol memorável, Nicolai virou notícia quando criou, em 1982, o Bina, tecnologia capaz de identificar o número da chamada no telefone. ?A Telebras chegou a dizer que o produto não tinha mercado e que países como os EUA jamais permitiriam esta quebra de privacidade?, lembra Nicolai. Hoje, segundo seus próprios cálculos, mais de quatro bilhões de celulares no mundo possuem esse serviço, sem contar os aparelhos de telefonia fixa. Como detentor da patente da tecnologia, ele tinha tudo para ser o homem mais rico do mundo, com uma receita de, no mínimo, US$ 4 bilhões ao mês de royalties ? de acordo com suas contas. Porém, ele se encontra em uma situação bem diferente. Atualmente, sua principal atividade é acompanhar as dezenas de processos que move contra operadoras de telefonia. Desempregado aos 69 anos, mora com a família em uma casa alugada em Brasília. Até hoje, nunca recebeu um centavo pela invenção. Sua sobrevivência depende de um grupo de 15 ?amigos?. Eles antecipam o dinheiro que esperam reaver se Nicolai ganhar a bolada que disputa na Justiça. ?Podemos chamá-los de acionistas. Mas, dentre eles, apenas quatro convivem com minha luta. Os outros esperam apenas o resultado?, afirma ele. No meio empresarial, comenta-se que Nicolai vive em devaneios e trava uma luta inglória por uma patente que as companhias dizem não ter validade.

ROBERTO CASTRO/AG. ISTOE

Durante muitos anos, a Sony se vangloriou de ter inventado o walkman, equipamento de som portátil. Mas, após uma batalha memorável, que durou 27 anos, a empresa reconheceu que a paternidade do invento era de um germano-brasileiro. O jovem Andreas Pavel ga

Seu caso, contudo, não deixa de ser exemplar. Inventores brasileiros são reconhecidamente criativos e visionários. Em geral, superam as barreiras burocráticas e legais e transformam suas criações em negócios bem-sucedidos, como mostram os casos da reportagem da página 71. Entretanto, ficam à mercê do moroso processo de registro de patentes. ?Os americanos dizem que seu país nasceu de um sonho que o povo tornou uma realidade?, disse Nicolai. ?No Brasil, um brasileiro provou que tinha uma realidade, mas o governo e o povo a transformaram em um sonho.? Sem dinheiro ou respaldo de uma incubadora, esses mestres da inovação correm o risco de perder suas invenções por não terem conhecimento suficiente para preencher o complicado formulário do Inpi ? Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Relatórios mal escritos abrem brechas para que ideias sejam plagiadas ou a autenticidade do invento seja questionada. ?Mesmo com a patente em mãos, os inventores não podem impedir que outras pessoas registrem tecnologias semelhantes, mas com métodos de desenvolvimento diferentes?, explica o advogado Raphael Cerdeira, da Assis e Mendes sociedade de Advogados. Nicolai passou os últimos anos, desde que recebeu a carta de posse da patente, brigando para receber o dinheiro ao qual acredita ter direito. Ao todo, Nicolai processou 40 operadoras. Por outro lado, a sueca Ericsson pediu na Justiça a nulidade da patente concedida a Nicolai. Segundo nota enviada à DINHEIRO, a Ericsson contesta o pioneirismo do inventor na tecnologia e afirma que desenvolveu suas próprias soluções, anteriores ao que é alegado por ele. ?O Sr. Nélio faz crer que ele inventou a ?identificação do assinante chamador?, o que não é verdade, uma vez que esse sistema é o enunciado do problema e, portanto, não-patenteável?, diz o comunicado. Esse processo já dura quase três anos. A validade da patente depende de uma decisão da Justiça Federal do rio de Janeiro ? e essa decisão definirá o futuro de todas as outras ações. ?É muito pouco provável que ele ganhe?, afirma Cerdeira. De acordo com um especialista em patentes, o projeto de Nicolai registrado no Inpi é superficial e não garante a exclusividade dos sistemas de identificação telefônica.

Se hoje a Ericsson pode acabar com os sonhos de Nicolai, paradoxalmente ela foi a grande responsável pela sua descoberta. Ele foi contratado pela empresa, em 1967, para disputar um torneio de futebol de salão. Para justificar o emprego, começou a trabalhar na área técnica. Quatro anos depois, foi contratado pela Telebrasília, onde chegou a chefe de divisão. ?Na época, a telefonia estava estourando no mundo e, com isso, o número de trotes se propagou?, lembra Nicolai. Foi pensando em resolver essa questão que ele criou um sistema de identificação de chamadas. Segundo ele, sem incentivo da Telebrasília, teve de desenvolver a ferramenta com a ajuda de amigos. O primeiro modelo surgiu da adaptação de uma calculadora e logo foi implantado no serviço de emergência do Corpo de Bombeiros. Nascia ali o primeiro Bina, que hoje, 27 anos depois, Nicolai ainda luta para que seja reconhecido. Por mais improvável que possa parecer, essa não seria a primeira vez que um inventor brasileiro vence uma batalha tida como inglória.