21/11/2007 - 8:00
O jeitão de Henrique Prata não nega sua origem rural ? despojado, vive metido em uma calça jeans, botas, cinto com fivela larga e chapéu. No entanto, de segunda a sexta-feira, das 8 às 23 horas, o território desse fazendeiro, pecuarista e peão de rodeios é o Hospital do Câncer em Barretos, cidade do interior de São Paulo. O salto do campo para a gestão hospitalar poderia ser chamado de ironia do destino. Filho dos médicos Paulo Prata e Scylla Duarte Prata, Henrique foi criado pelo avô Antenor Duarte Villela. Fazendeiro de pulso firme, ?seu? Antenor dizia ao neto: ?Se um dia quiser administrar as fazendas da família, terá primeiro que aprender a fazer tudo: arrumar cerca, trabalhar como tratorista, domar os animais.? O conselho foi levado a sério. Aos 15 anos, Henrique avisou aos pais que pararia de estudar, pois aprendia mais com o avô do que com os professores. Naquele ano, assumiu a primeira fazenda e, três anos mais tarde, já comandava oito propriedades. Mas em 1988, foi intimado pelo pai, que enfrentava problemas no coração, a assumir o Hospital São Judas Tadeu. A inflação galopante da época havia levado o hospital a grave crise financeira. ?Assumi com o propósito de fechar o hospital?, relembra Henrique. ?Tinha raiva desse projeto porque meu pai vendia gado e terras para colocar dinheiro ali.?
Mas, no dia em que fecharia as portas do local, um médico contou a Henrique sobre um paciente com câncer de pulmão, cuja cirurgia estava marcada para dali a 65 dias. Então, mostrou uma sala de curativos e disse que, se a lâmpada fosse trocada, ela poderia ser transformada em uma sala de cirurgia. Assim, a operação seria feita em 30 dias, o que aumentaria as chances de vida do paciente. Esta simples conversa provocou o que Henrique chama de ?conversão?. ?Percebi que, como leigo, poderia salvar vidas?, diz. Pediu ao pai para ver o projeto do novo centro de oncologia, orçado em US$ 400 mil. Na seqüência, Henrique usou o nome do avô já falecido, mas muito querido na região, para angariar fundos. Conversou com 40 fazendeiros e os convenceu a doar US$ 10 mil cada um para a construção do primeiro pavilhão. Nascia o Hospital de Câncer de Barretos.
A partir daí, não parou mais: organizou rifas, aceitou doações de animais, bateu às portas de inúmeras empresas, tudo para realizar o sonho do pai, morto em 1997. Henrique também foi atrás do apoio financeiro de artistas. Cada um deveria bancar um dos projetos do hospital. A dupla Chitãozinho e Xororó foi a primeira a abraçar a causa. Sérgio Reis veio em seguida. Hoje, entre os padrinhos do projeto estão nomes como Xuxa Meneghel e Ivete Sangalo. A cantora baiana, por exemplo, é madrinha dos programas de prevenção ao câncer de mulheres entre 50 e 69 anos. Este ano, a arrecadação do hospital deve ultrapassar os R$ 12 milhões. Resultado de 180 leilões de gado realizados, com animais doados, dos shows de artistas e das vendas de revistas da entidade. Mesmo assim, a previsão de déficit para o ano é de R$ 28 milhões. ?Com o SUS não há perspectiva de reduzir o déficit?, diz Henrique. ?A esperança é que o governo reveja a tabela de procedimentos de hospitais de alto custo, que está defasada.? Hoje, o hospital conta com 150 médicos em dedicação exclusiva, mais de 1,4 mil funcionários e atende 2,2 mil pacientes por dia, sendo 98% via SUS. Para os próximos anos, o plano de Henrique é um Hospital de Câncer exclusivo para crianças. Para isso, quer captar incentivos fiscais por meio do Fundo para Infância e Adolescência. E, se necessário, é capaz de laçar doadores pelas fazendas de Barretos ou pelos palcos do País.