Era uma manhã ensolarada no Rio de Janeiro, na segunda-feira, 29 de dezembro. O executivo Rodrigo Galindo, presidente da Kroton, estava de férias na capital fluminense, depois de um ano de trabalho no qual só tinha dados positivos para mostrar aos acionistas e investidores da maior rede de ensino privado brasileira. As ações haviam se valorizado quase 70%, em 2014, o terceiro ano consecutivo em que figurava entre as mais rentáveis da bolsa brasileira. Além disso, o valor de mercado da Kroton estava perto de R$ 27 bilhões, fazendo-a figurar entre as 20 maiores capitalizações do Brasil.

A fusão com a concorrente Anhanguera havia sido aprovada no primeiro semestre e a integração caminhava de vento em popa, sem grandes atropelos. A partir dessa data, no entanto, a tranquila rotina de Galindo virou de cabeça para baixo. Naquele dia, o Ministério da Educação (MEC) começou a fazer uma série de anúncios que mudavam de forma drástica o Fies, programa federal de financiamento para estudantes do ensino superior. As novas regras indicavam que a concessão de crédito, que totalizou cerca de R$ 30 bilhões entre 2010 e 2014, seria mais restritiva.

Essa torneira que irrigou com dinheiro fácil o caixa dos principais grupos educacionais no Brasil seria fechada abruptamente. A notícia teve o impacto de um furacão, que devastou o setor educacional, atingindo em cheio a Kroton, que conta com mais de um milhão de estudantes e está presente em 550 municípios, entre campi próprios e centros para ensino a distância. Em apenas sete dias, a empresa perdeu mais de R$ 6 bilhões em valor de mercado. Mas isso foi só o começo. No auge da crise, em março, a rede de ensino, cuja origem é o colégio mineiro Pitágoras, encolheu R$ 12 bilhões em seu valor de mercado.

“A Kroton vinha de uma sucessão de boas notícias desde 2011”, afirma Galindo. “A minha preocupação era como nosso time de executivos iria reagir ao revés e a uma mudança que destruía valor.” Quase seis meses depois daquelas férias frustradas, Galindo está conseguindo virar o jogo. Prova disso foi a divulgação do resultado do primeiro trimestre de 2015, em maio, que surpreendeu o mercado. A Kroton conseguiu aumentar o número de alunos matriculados, mesmo com a dificuldade de captar estudantes pelo financiamento do governo federal. A receita e o lucro líquidos também cresceram 6% e 4,8% para R$ 1,2 bilhão e R$ 455 milhões, respectivamente.

A confiança de Galindo de que os efeitos do furacão Fies passaram é tão grande que a rede educacional divulgou uma estimativa de seus principais números para 2015, que preveem expansão em quase todas as suas linhas. “Esse novo guidance confirma que a Kroton é capaz de navegar bem através de um cenário de dificuldades relacionadas ao Fies”, diz um relatório do Bradesco BBI. O banco de investimento Credit Suisse, por sua vez, analisou que a empresa estava preparada para uma luta de 12 assaltos. “A Kroton está pronta para lidar com os desafios que tem pela frente”, diz um trecho de seu relatório.

A cotação dos papeis ainda está longe dos patamares de dezembro, mas já recuperou parte das perdas. Hoje, a Kroton vale R$ 20,2 bilhões. Neste ano, suas ações caem 19,3%. Como a Kroton conseguiu superar o furacão Fies? A resposta está na forma rápida como Galindo enfrentou a situação. Disciplinado e obstinado por números – é capaz de citar vários indicadores financeiros da Kroton de cabeça –, Galindo, depois de ter interrompido as suas férias, já estava de volta ao batente no primeiro dia útil de 2015. Na ocasião, ele reuniu seus vice-presidentes para montar uma força-tarefa capaz de entender as mudanças do Fies e estudar formas de mitigar os impactos no resultado da companhia.

Cinco semanas depois, a Kroton colocava no ar um programa batizado de Parcelamento Especial Privado (PEP), no qual o estudante paga 10% do valor da mensalidade e financia os demais 90% sem cobrança de juros. O objetivo era matricular 80 mil estudantes por meio do financiamento do Fies, mas só conseguiu atingir pouco mais da metade dessa meta. Com o PEP, Galindo captou 22,8 mil alunos, que provavelmente não conseguiriam estudar sem o crédito estudantil. “A Kroton foi muito rápida no desenvolvimento de um produto de financiamento especial”, diz Bruno Giardino, analista de educação do Santander.

Em outra frente, Galindo seguiu regras clássicas de gestão em tempos de vacas magras para melhorar o resultado. A Kroton, que já era rígida em relação à abertura de turmas que não atingissem determinada margem, foi mais dura ainda nesses critérios – por questões estratégicas, o número de cursos abertos não é divulgado. Por fim, o grupo educacional cortou despesas e pessoas. No total, 8% dos funcionários da área administrativa perderam o emprego – uma parte das demissões deve-se à eliminação de funções duplicadas, em razão da fusão com a Anhanguera, cuja integração administrativa, financeira, comercial e contábil já foi concluída.

A Kroton não divulga o número de empregados que foram demitidos. No total, conta com 37 mil funcionários. Ao mesmo tempo, Galindo articulou-se com outras redes educacionais para pressionar o MEC por mudanças nas regras anunciadas do Fies. O grupo, que ficou conhecido como “Big 6”, reunia as quatro empresas de capital aberto (Kroton, Estácio, Anima e Ser Educacional), a Laureate, dona da FMU e da Anhembi Morumbi, e a DeVry, com forte presença no Nordeste. No total, tiveram sete reuniões no Ministério, entre janeiro e fevereiro, então comandado pelo cearense Cid Gomes.

Na ocasião, os executivos eram recebidos pelo secretário executivo do MEC, Luis Cláudio Costa, que explicava as mudanças e ouvia os pleitos do grupo, alguns deles atendidos parcialmente, como a regra que restringia o pagamento do Fies em oito parcelas no ano, que passou a valer só para 2015 – antes essa restrição não tinha data para acabar. “O cenário regulatório mudou muito”, diz Giardino, do Santander. “Não sei se o jogo acabou, mas a Kroton, neste momento, está na frente do placar.” O próximo passo da Kroton é anunciar uma parceria com um grande banco, para fornecer crédito educacional para seus estudantes, em 2016.

As negociações estão apenas no começo, mas quatro instituições disputam o negócio – Bradesco, Santander e Itaú estão entre os consultados, segundo apurou a DINHEIRO. Não está claro, ainda, o modelo, que pode ser uma mera parceria ou até mesmo uma joint venture. A Kroton analisa também entrar no mercado de ensino fundamental, adquirindo escolas. Hoje, ela atua nessa área através do sistema de ensino Pitágoras, que atende 713 escolas parceiras e 245 mil alunos. “Ainda não tomamos essa decisão”, limita-se a dizer Galindo. No radar, está também a incorporação de novas universidades.

“Existem muitas oportunidades ainda de consolidação”, diz Guilherme Moura Brasil, analista de educação da Fator Corretora. “Essa é uma boa área para manter as taxas de crescimento.” Dinheiro, aparentemente, não é problema para a Kroton. Sua dívida de R$ 864 milhões equivale a 0,4 vez o Ebtida projetado para 2015, um endividamento considerado muito baixo. A empresa também está prestes a vender a Uniasselvi, rede de ensino a distância, por exigência do órgão antitrustre brasileiro, o Cade, que impôs restrições na fusão com a Anhanguera.

A venda, coordenada pelos bancos Itaú BBA e BTG Pactual, pode injetar mais de R$ 1 bilhão ao caixa da Kroton. Dois fundos americanos, o KKR e o Carlyle, estão entre os que disputam a operação, que foi comprada por pouco mais de R$ 500 milhões, em maio de 2012. Galindo espera ainda a aprovação de 448 polos de ensino a distância pelo MEC, para suprir a baixa da Uniasselvi de seu portfólio. Há, evidentemente, alguns riscos no horizonte da Kroton. Nos próximos trimestres, dez de cada dez analistas que cobrem o setor de educação estarão atentos à evasão escolar e à taxa de inadimplência. Eles serão indicadores que demonstrarão se a Kroton, assim como todas as outras empresas da área, conseguirá manter os estudantes matriculados.

Uma boa notícia é que o governo federal confirmou, na segunda-feira 8, que vai reabrir 100 mil vagas para novos contratos do Fies no segundo semestre deste ano, o que fez os papeis da Kroton valorizarem-se mais de 9%, desde então. Dessa vez, o governo consultou os grupos educacionais antes de anunciar as medidas, um sinal de que o novo ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, optou pelo diálogo em vez do confronto dos tempos de seu antecessor . “Desde que ele assumiu, a interlocução mudou”, diz uma fonte. “Ele ouve as empresas.” O setor, aos poucos, parece voltar à normalidade. E, se tudo caminhar dessa forma, Galindo, pelo menos, poderá ter férias mais tranquilas neste ano.