Para o consumidor, pouca coisa mudou. Desde que a Procter & Gamble adquiriu a Gillette, os produtos de ambas continuam convivendo lado a lado nas gôndolas de supermercados, farmácias e mercearias. Não houve integração das marcas e nem sequer lançamentos de produtos conjuntos. Mas, no interior das duas companhias, a união provocou uma pequena revolução. Cada uma das atividades internas das duas empresas passou por um pente-fino ? e só as melhores foram mantidas. A diretoria executiva foi inteiramente remodelada. Todas as possibilidades de sinergia foram analisadas e implementadas. ?Ficamos um ano fazendo a lição de casa?, afirma Pedro Silva, diretor de relações externas da P&G no Brasil. Anunciado em fevereiro de 2005, a compra da Gillette pela P&G foi um dos maiores negócios da história do capitalismo mundial. O preço final bateu em astronômicos US$ 54 bilhões. Dali surgiu um colosso de US$ 70 bilhões de receitas, 135 mil funcionários e presença em 140 países. Mais de 20 das marcas de seu portfólio faturam pelo menos US$ 1 bilhão por ano. A cada 12 meses, a união vai gerar sinergias no valor de US$ 1,2 bilhão. No Brasil, esse gigante acaba de nascer oficialmente ? no dia 1o de outubro passado, a empresa anunciou que a integração das operações havia sido concluída. E, dessa forma, com faturamento de R$ 2,5 bilhões, três mil funcionários e quatro fábricas, a P&G adquire uma musculatura até então inédita no País.

Nas fábricas, não houve alterações. A P&G possui processos produtivos basicamente químicos, pois sua linha inclui principalmente produtos de limpeza e higiene pessoal. Já na Gillette, o processo mecânico é predominante, voltado para a fabricação de aparelhos de barbear e escovas de dentes da marca Oral B. Por isso, a integração ocorreu mesmo nos escritórios. Duas novas diretorias foram criadas, ambas para cuidar de itens da Gillette. Na cúpula da nova organização, a predominância foi da P&G, como sempre ocorre em casos de aquisição ? dos dez diretores, sete são oriundos da empresa. A eliminação de duplicidade em cargos administrativos levou à demissão de cerca de 200 pessoas.

 

Os executivos da companhia não gostam de falar do impacto da incorporação no mercado. Uma informação, porém, revela um bocado sobre esse assunto. Com a Gillette, a nova P&G colocou-se entre os três principais fornecedores de diversas redes de supermercados e farmácias. Antes, encontrava-se entre os sete primeiros. Esse salto lhe deu um poder de barganha até então desconhecido pela empresa no Brasil. Mais: a Gillette se tornou a marca-líder de seu portfólio, algo como o Omo para a Unilever e o Leite Ninho para a Nestlé. É aquele tipo de produto que não pode estar ausente nas prateleiras sob pena de o consumidor se retirar indignado, e isso vale ouro para a indústria na briga de foice que mantém com o varejo. A P&G também herdou traços da cultura Gillette. ?Eles são muito eficientes na área de promoções?, afirma André Quadra, gerente de relações externas. A empresa utilizou essa experiência para desenvolver ações de venda conjunta de produtos Gillette e P&G. O giro desses produtos cresceu até 30%.

Para extrair o que havia de mais eficiente em cada organização, a P&G montou equipes de profissionais para avaliar e comparar mais de 100 processos de operação, de finanças à logística, de recursos humanos a atendimento ao consumidor. ?O objetivo era ficar com o melhor de cada uma?, afirma Silva. No final, um terço dessas práticas era semelhante nas duas empresas. Das demais, 60% eram da Procter e 40% da Gillette. ?Tivemos boas surpresas?, diz Silva. Uma delas veio do trabalho da Gillette junto ao ponto-de-venda. Munidos de palm-tops, os representantes da empresa colhiam informações sobre os preços praticados pelo varejo, as ações da concorrência, o posicionamento do material de divulgação, o mix de produtos. As informações eram enviadas em tempo real para o escritório. Assim, era possível tomar decisões rápidas. Por exemplo: alterar uma promoção cujos resultados revelavam-se aquém do esperado. Ou identificar um armazém desabastecido. ?É uma fotografia instantânea do mercado?, diz Quadra. A P&G também realizava uma pesquisa semelhante, mais profunda e abrangente, mas sua periodicidade era de um mês. A P&G manteve essa pesquisa, mas a ferramenta utilizada pela Gillette foi estendida para toda a companhia.