DINHEIRO ? A reforma da Lei Rouanet está parada na Câmara dos Deputados. A sra. pretende levar essa mudança adiante?

MARTA SUPLICY ? Não está nada parada, ela vai ser substituída pelo Procultura, que institui novas regras para o fomento e o incentivo à cultura. Ficou dois anos em discussão com o relator, o deputado Pedro Eugenio (PT-PE), e agora foi para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. A Lei Rouanet tem mais de 20 anos e precisa ser criticada. Ela será votada agora e depois vai para o Senado.

 

DINHEIRO ? Quais as principais mudanças na lei?

MARTA ? O Procultura vai incluir critério de pontuação, que definirá o percentual de incentivo. Atualmente, a renúncia fiscal pode variar de 30% até 100%. Quanto maior a pontuação do projeto, maior pode ser o desconto. Isso vai aumentar as possibilidades regionais de cultura. Os critérios estão relacionados à potencialidade de acesso, impacto e adequação do projeto às diretrizes do Plano Nacional de Cultura. Será possível incluir projetos de menor porte na busca de patrocinadores e possibilitar o resgate de manifestações culturais menos favorecidas. Hoje, por exemplo, percebemos que a lei não atende à temática do negro. Por isso, fizemos editais específicos para negros, ciganos, mulheres e para a Amazônia.

 

DINHEIRO ? Ainda será possível uma empresa patrocinar um projeto obtendo 100% de renúncia fiscal?

MARTA ? A empresa vai ser obrigada a percorrer mais passos para chegar lá, terá mais critérios a serem atendidos. São questões até óbvias, como acessibilidade, mas que, se não forem exigidas, não serão cumpridas.

 

DINHEIRO ? As empresas terão de aumentar a parte de recursos próprios, sem isenção, quando colocam sua marca como patrocinador de um projeto cultural?

MARTA ? Sim. Com o Procultura, elas já não terão mais 100% de isenção fiscal caso coloquem sua marca como patrocinadora. Por exemplo, se o Bradesco quiser colocar ?Bradesco apresenta? num cartaz, não terá 100% de isenção. Porque, nesse caso, quem está pagando não é a empresa, mas o contribuinte.

 

DINHEIRO ? Qual foi o gasto com a Lei Rouanet no ano passado?

MARTA ? O teto era R$ 1,6 bilhão, mas foi gasto R$ 1,3 bilhão.

 

DINHEIRO ? É praticamente um ministério paralelo, comparando com o orçamento do Ministério da Cultura, que foi de R$ 2,6 bilhões no ano passado.

MARTA ? É, quase (risos). Por isso, a importância do Vale-Cultura, que vai permitir que a própria pessoa escolha onde quer gastar esse dinheiro. Hoje, a Lei Rouanet deixa o Ministério da Cultura muito submetido ao empresário cultural ou à produção que tem mais recurso, que não necessariamente é o que está no Plano Nacional de Cultura. 


DINHEIRO ? A lei pode ser aprovada ainda neste ano?

MARTA ? Não sei. Ela certamente será aprovada na Câmara dos Deputados e enviada ao plenário do Senado. Quando eu entrei, muita coisa estava parada, inclusive isso. Mas o Senado tem sido muito companheiro nas votações da cultura. 

 

DINHEIRO ? As empresas que hoje se beneficiam da lei de incentivo podem tentar impedir a votação?

MARTA ? Nós negociamos com elas no momento da elaboração do projeto. Já existe consenso em relação às empresas, mas pode haver dificuldade com o orçamento. Há resistência no Ministério da Fazenda, porque o orçamento do MinC passaria do volume atual de R$ 1,6 bilhão para R$ 3 bilhões. Esse é o teto, não significa que todo o valor será utilizado neste primeiro ano. O mais provável é que atinja esse volume em cinco ou seis anos. Eu acho o aumento adequado.

 

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Presidenta Dilma com ídolos da música brasileira no dia da votação das mudanças no Ecad

 

DINHEIRO ? Como está a implementação do Vale-Cultura?

MARTA ? Por determinação da presidenta Dilma, todas as empresas estatais vão oferecer o vale aos funcionários, mas cada uma tem um ritmo. Algumas precisavam fazer licitação para escolher a operadora. Até agora, 24 operadoras já se cadastraram. O princípio é o mesmo do tíquete restaurante ou alimentação. A expansão vai depender muito da reivindicação dos trabalhadores. No caso do setor financeiro, que foi o maior grupo que aderiu até agora, houve um acordo entre a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e o sindicato da categoria, e todos os bancos do País são obrigados a fornecer o Vale-Cultura para seu quadro de funcionários. 

 

DINHEIRO ? Qual o custo do Vale-Cultura para as empresas? 

MARTA ? Pode ser zero, porque elas têm incentivo fiscal, até o limite de 1% do lucro real. O Ministério da Fazenda não concordou em incluir no incentivo as empresas que pagam seus tributos no modelo de lucro presumido ou pelo Simples. Mas, pelo menos, essas empresas terão isenção de impostos sobre o valor do vale. O empregador consegue oferecer um atrativo além do salário, e ainda vai ter a vantagem de contar com um empregado que vai adquirir uma visão de mundo muito mais ampla. Das 357 mil empresas que já aderiram ao programa, 73% são pequenas e médias. Temos até uma creche em Taguatinga, no Distrito Federal, com quatro funcionários. O Vale-Cultura é feito para pousadas, restaurantes e livrarias. São empresas pequenas que não serão oneradas por conceder esse benefício ao trabalhador.

 

DINHEIRO ? Qual é o tamanho desse mercado?

MARTA ? O público potencial são os 42 milhões de trabalhadores com carteira assinada no Brasil. Em 2014, podemos dar até R$ 300 milhões de incentivo fiscal, mas vamos negociar isso a cada ano. Isso vai dinamizar a economia de várias cidades. Tenho falado para os prefeitos: ajudem a livraria de sua cidade, para que ela se expanda, não deixe que ela feche. Isso beneficia o funcionário que quer consumir cultura e não tem dinheiro sobrando no orçamento doméstico. Além disso, a produção cultural vai ganhar musculatura com essa lei. Se antes uma peça tinha um público de 30 pessoas, agora poderá ter muito mais, porque vai ter mais gente com recurso. E isso em todos os setores, desde bailes funk, que vão poder usar caso tenham música ao vivo, até salas de cinema. Ou, ainda, comprar revista e jornal. Houve até uma discussão no Ministério sobre se esse dinheiro poderia ser gasto com revista pornográfica. Claro que pode. Este mi­­nis­tério vai ser censor?

 

DINHEIRO ? Quanto poderá ser injetado na economia?

MARTA ? Pode chegar a R$ 25 bilhões quando os 42 milhões de trabalhadores estiverem recebendo, mas vai demorar.

 

DINHEIRO ? A sra. também lutou pela aprovação de mudanças no Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais (Ecad). Como foi a negociação?

MARTA ? Foi uma vitória espetacular dos músicos e do governo, muito possível pela atuação e presença física dos maiores arrecadadores de direitos autorais, como Roberto Carlos e Caetano Veloso. Os artistas diziam não saber se recebiam corretamente seus direitos e reclamavam da falta de transparência do Ecad. Além disso, o órgão cobrava uma taxa de administração de 25%. Com a aprovação da lei, esse percentual caiu para 15%. Recentemente, criamos um grupo de trabalho para a regulamentação da nova lei, que deve sair este ano. Vamos discutir isso com a participação dos músicos e do próprio Ecad. 

 

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Livraria Cultura, em Curitiba: os R$ 50 por mês do Vale-Cultura

podem ser utilizados na compra de livros

 

DINHEIRO ? Os músicos com menor projeção também reclamavam que eram prejudicados na arrecadação, certo?

MARTA ? Essa foi uma das críticas que chegaram até nós e não tivemos como apurar. Vamos comprar um sistema de monitoramento que acompanha a reprodução de músicas online. Assim, saberemos, por exemplo, se um bar do Piauí está tocando determinada música. 

 

DINHEIRO ? Como está a tramitação da nova lei do direito autoral?

MARTA ? A reforma da lei do direito autoral está há meses na Casa Civil e espero que agora, com o ministro Aloizio Mercadante, a gente consiga agilizá-la. Isso já está bem discutido com todos os ministérios. É uma lei muito complexa e delicada, fruto de 105 audiências públicas e oito seminários internacionais realizados nos últimos anos. Quando assumi a pasta, chamei de volta o responsável pela sua formulação, que havia sido demitido, e conseguimos retomar o projeto.

 

DINHEIRO ? E o que muda com a nova lei?

MARTA ? Isso eu não posso dizer, porque está sendo analisada na Casa Civil.

 

DINHEIRO ? A sra. segue trabalhando pela vinculação de 2% da receita da União para a Cultura? Isso aumentaria o orçamento do Ministério para cerca de R$ 13 bilhões.

MARTA ? Os agentes culturais estão muito animados e fazendo pressão para isso, mas acho que conseguir 2% é muito difícil. Trabalhei com a presidente da Comissão de Cultura da Câmara, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que topou fazer uma proposta de aumento gradual do orçamento, que chegaria a 2% em 2018 ou 2020. Nós fizemos essa proposta porque o próprio MinC não poderia bancar algo assim, porque não seria factível. Mas vamos tentar acertar com o Ministério da Fazenda algum escalonamento.