16/11/2005 - 8:00
O banqueiro Adolpho Eugênio Nardy Filho, diretor-superintendente do Banco Cruzeiro do Sul, conquistou uma grande vitória. Depois de uma dramática batalha judicial, conseguiu submeter-se a uma cirurgia que no Brasil ainda não é legalmente reconhecida. Desde o início deste ano, quando foi diagnosticado como portador de uma doença neurológica chamada Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Nardy vivia um drama dentro de seu drama. Com expectativa de vida estimada em três anos, o veterano executivo financeiro tentava viabilizar para si uma cirurgia experimental com transplante de células-tronco, mas esbarrava no fato de que nenhum hospital brasileiro está autorizado a realizá-la. Nardy sabia que a primeira operação do gênero no País fora realizada em janeiro deste ano ? com resultados inconclusivos, uma vez que o paciente faleceu três meses depois do transplante. Mas sabia também que sua doença é letal em todos os casos conhecidos e determinou-se a correr os riscos. Depois de meses de briga nos tribunais, obteve uma liminar da Justiça Federal no dia 9 de setembro e, dias mais tarde, internou-se no Hospital Albert Einstein para iniciar os procedimentos médicos. Hoje já é possível dizer que Nardy passou pela cirurgia e sobreviveu a ela. Com isso, a barreira foi quebrada, e criou-se uma jurisprudência. A luta pela sobrevivência venceu a burocracia.
?Em princípio, o direito de fazer uma cirurgia experimental não deveria ser ganho na marra?, pondera a doutora Lygia da Veiga Pereira, professora de genética humana do Instituto de Biociência da Universidade de São Paulo. ?Mas é fácil dizer isso do alto da minha saúde?, admite. De fato, o juiz José Carlos Motta, que concedeu a liminar, alegou que a questão é mais humanitária do que jurídica. Na prática, a cirurgia de Nardy, até pela visibilidade natural de um banqueiro na sociedade, deve abrir espaço para outras. Sobretudo se provar-se bem sucedida, o que demandará tempo. ?Ainda é cedo para avaliar os resultados?, diz o imunologista Julio Voltarelli, coordenador da equipe de pesquisa com células-tronco da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. ?É preciso saber se as células transplantadas têm capacidade de migrar para outras regiões do corpo, como nervos, músculos e neurônios?, explica.
Desde já, no entanto, há outra vitória a destacar. A do Cruzeiro do Sul. O banco vai bem apesar do baque. Seguiu adiante sem solução de continuidade apesar de temporariamente desfalcado de seu mais experiente executivo. Nardy, hoje com
53 anos, é o braço direito de Luís Octavio Índio da Costa, o jovem presidente do Cruzeiro do Sul. Mesmo sem ele na cabina de comando, o banco fechou com êxito em setembro a sua segunda emissão de títulos em reais, aproveitando a boa demanda por papéis brasileiros no exterior. A captação girou em torno de
US$ 30 milhões, que se somaram aos US$ 5 milhões tomados em operação semelhante efetuada em julho. Índio da Costa prefere não falar sobre a condição médica de seu parceiro, mas confirma o bom momento do banco. ?A nossa marca já tem credibilidade internacional?, diz. No front interno, o Cruzeiro do Sul avança na concessão de crédito consignado. Em parceria com o Sindicato Nacional dos Aposentados da Força Sindical, lançou um cartão de crédito com desconto em folha de pagamento e bandeira Visa. A previsão é de que, já no primeiro ano, 500 mil aposentados adquiram o cartão. Ou seja, a doença de Nardi não se transformou em um drama do ponto de vista dos negócios. O que é uma lição de gestão de primeira linha.
Depois dos êxitos nos campos da justiça e das finanças, Nardi está diante de seu maior desafio: vencer a doença e fortalecer-se para contar a história. Pessoas próximas a ele dizem que é sua intenção compartilhar sua experiência com a opinião pública assim que estiver recuperado. Ainda internado na UTI do Einstein, o banqueiro enfrenta o crítico período pós-operatório. Nos transplantes com células-tronco, o sistema imunológico do paciente é praticamente destruído . Nas últimas duas semanas, o estado de saúde de Nardi evoluiu de ?grave? para ?regular?. É, possivelmente, o primeiro avanço positivo de seu quadro desde o dia em que, durante uma partida de golfe, ele manifestou pela primeira vez a paralisia da mão direita. Era o primeiro sintoma da ELA, uma doença degenerativa que ataca os neurônios responsáveis pela conexão com os músculos e, aos poucos, impede todos os movimentos do doente, até interromper a respiração. Desde então, estima-se que ele já tenha gasto US$ 1,5 milhão com seu caso, sendo cerca de R$ 50 mil com a cirurgia. Se mais notícias positivas vierem, seu caso se transformará em um marco para a ciência médica brasileira.