17/06/2016 - 16:26
Nisha Ayub teve que suportar o calvário que sofre a comunidade transgênero na Malásia: o desprezo, a violência, a detenção e uma agressão sexual na prisão à que foi enviada para se tornar “um verdadeiro homem”.
Esta mulher transgênero de 37 anos tentou se suicidar em duas ocasiões, arrasada pela repressão que as pessoas que se identificam com um gênero diferente do seu sexo de nascimento sofrem nesse país, de maioria muçulmana.
Segundo os ativistas transgênero, sua comunidade é cada vez mais demandada e sofre cada vez mais discriminação, devido às estritas leis que regem o país.
“Te tratam como se você não tivesse nenhum direito, nenhuma dignidade”, lamenta Nisha Ayub em uma entrevista à AFP.
Ayub decidiu canalizar sua raiva em luta e se converteu em uma ativista de primeira linha na defesa dos direitos LGBT – lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros.
Em março, foi a primeira mulher transgênero a receber o prêmio “International Women of Courage” concedido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos às “mulheres corajosas” que lutam pela igualdade de direitos.
Durante anos, a família de Ayub a rejeitou por causa da sua orientação sexual, conta a ativista muçulmana, vestida com um saia longa e uma camisa de manga comprida.
No ano 2000, com apenas 21 anos, foi detida pela polícia religiosa e condenada a três meses de prisão por um tribunal da sharia (lei islâmica) – encarregado dos assuntos religiosos civis que implicam os muçulmanos – com base em uma lei que proíbe o travestismo.
“Para que volte a ser um verdadeiro homem muçulmano”, repete Ayub, recordando as palavras do juiz.
Quando foi mandada para a prisão, Ayub já tinha feito a “transição completa de homem para mulher”, diz a ativista, sem dar detalhes. Tal discrição é comum na comunidade transgênero do país, que considera que o assunto pertence à esfera privada.
Apesar da aparência feminina, foi mandada para um presídio para homens.
Nisha Ayub lembra que um guarda a forçou a exibir os seios para os presos. Em outra ocasião, foi obrigada a praticar sexo oral em vários dos internos.
Em um relatório de 2014, a ONG Human Rights Watch qualificou a Malásia como “um dos piores países” do mundo para os transgêneros.
Quando saiu da prisão, Ayub, traumatizada pela experiência, se dedicou por um curto período de tempo ao trabalho sexual.
A ativista considera que, após duas tentativas de suicídio, a defesa dos seus direitos foi para ela um salva-vidas.
Em 2010, ela cofundou a Justice for Sisters, organização que denuncia a perseguição aos transgêneros, e em 2014 criou a Fundação SEED, que ajuda transgêneros e outros grupos marginalizados.
Não há dados oficiais sobre os transgêneros na Malásia, onde é habitual ver mulheres transgênero trabalhando em restaurantes ou lojas, principalmente na capital, Kuala Lumpur.
Estas mulheres vivem com medo permanente de ser agredidas. Recentemente, uma transgênero entrou em coma após ser brutalmente agredida, enquanto seu algoz só teve que pagar uma multa de 400 ringgit (100 dólares), conta Ayub.
Com frequência, as vítimas de agressões se negam a chamar a polícia. Através da sua associação, Nisha Ayub as ajuda, indicando a quem devem recorrer se são atacadas ou presas.
A ativista observa que, na Malásia, a situação dos transgêneros é ainda mais difícil que a dos homossexuais: “É possível ser gay ou lésbica sem que se note. Um transgênero, normalmente, chama a atenção”.
A homossexualidade também é proibida no país, onde é punida com prisão ou castigos corporais.
Através do prêmio concedido a Nisha Ayub, o Departamento de Estado americano reconheceu a coragem e a “profunda humanidade” da ativista, afirmou a embaixada dos Estados Unidos em Kuala Lumpur.
Em 2014, Ayub desempenhou um papel-chave no protesto contra uma lei islâmica que proibia os homens de se vestirem como mulheres. Em uma sentença considerada uma vitória história para os ativistas, o Alto Tribunal de Justiça do país qualificou esta lei como “opressora e desumana”.
Seu posicionamento público representa um risco para a ativista, principalmente em um momento em que o governo conservador, preocupado em manter seu eleitorado, tolera as opiniões mais radicais sobre este tema no país.
No ano passado, Ayub foi agredida por desconhecidos na rua e, apesar de considerar que este ataque esteve diretamente relacionado com o seu ativismo, continua decidida a manter sua luta.
“Por que eu deveria ter medo de dizer a verdade?”, questiona.
Dias depois de Nisha Ayub receber o prêmio do Departamento de Estado, a polícia islâmica irrompeu no escritório de um arrecadador de fundos para transgêneros em Kuala Lumpur. O vídeo que mostra o caos que os agentes causaram no local viralizou nas redes sociais.