S ão raras as marcas que viraram sinônimo de um produto. Fotocópias? Xerox. Lâmina de barbear? Gillette. Piano? Steinway, e não se fala em outra coisa há 150 anos. Mas atenção: nenhum Steinway (pronuncia-se stainuêi) é igual ao outro. No ano passado foram construídos 2.465 exemplares na fábrica de Nova York. Outros 1.156 saíram de Hamburgo. Os modelos americanos têm um som mais grave e profundo.

Os alemães emitem timbre cristalino. ?Há um padrão Steinway, inimitável, mas cada um deles é como um filho?, disse à DINHEIRO o pianista brasileiro João Carlos Martins, reputado intérprete de Bach. ?Há o intelectual e o esportista, o tímido e o expansivo?. Tratar o instrumento de madeira e ébano como gente de carne e osso é metáfora comum entre grandes músicos. A argentina Marta Argerich segue este diapasão. ?Muitas vezes um Steinway toca melhor que o pianista.? Bach dizia o seguinte, no século XVIII: ?O verdadeiro instrumento de teclado é aquele que tem o pulmão de um órgão e a clareza de um cravo.?

Mas, afinal de contas, por que desde 1853 o Steinway, criação de um imigrante alemão de Manhattan, Henry Engelhard Steinway, não pára de reafirmar sua fama?
O brasileiro Martins tem a resposta. ?Nas obras rápidas de Bach, a tecla volta à sua posição original com a mesma velocidade com que desceu com a pressão dos dedos?, diz Martins. Nos anos 80, ele gravou as fugas e fantasias barrocas de Bach, num estúdio de Los Angeles, com um Steinway modelo D em cauda. Sete anos depois, numa regravação, exigiu que lhe fornecessem o mesmíssimo instrumento. Dono de ouvido musical acurado, Martins não quis se arriscar a fazer diferente ? mesmo diante de um outro Steinway. O brasileiro, numa dupla tragédia para quem depende dos dedos, perdeu nos últimos dez anos o movimento de ambas as mãos ? inicialmente numa partida de futebol e depois em decorrência de um acidente vascular cerebral. A distância forçada do piano o aproxima ainda mais do Steinway. ?Não há sonoridade igual?, diz.

Paga-se bem por ela. Um Steinway para concerto, resultado da manipulação, ao longo de nove meses, de 12 mil peças diferentes e oito tipos de madeira, custa US$ 96 mil nos EUA. Por conta de impostos desembarca no Brasil a US$ 150 mil. Há no País, cerca de 80 unidades. Além de investimento musical, onipresente nas grandes salas do mundo, é bom negócio financeiro. Na última década, um piano usado valorizou quase três vezes mais que um carro Mercedes. Acrescente-se história a uma grife adorada por pianistas como Vladimir Horowitz e Sergei Rachmaninoff, e os valores vão à lua. O Steinway tocado por John Lennon em 1971 na gravação de Imagine foi comprado pelo cantor George Michael por US$ 2,1 milhões. É um valor espantoso, sabendo-se que o faturamento da Steinway em 2003 foi de US$ 165 milhões. É a mágica de um mito.