DINHEIRO ? Nos últimos anos, os cursos de MBAs se transformaram numa atraente indústria para alunos de todo o País. Como o senhor avalia esses cursos?
MEIRELLES ? Existe meia dúzia de cursos com qualidade. O resto oferece muito pouco aos alunos. Apenas preenchem a necessidade de quem precisa de títulos acadêmicos.

DINHEIRO ? Os estudantes estão comprando ?gato por lebre?? São enganados?
MEIRELLES ? Talvez seja forte afirmar que são enganados. Mas muitos cursos agregam muito pouco valor aos estudantes. São MBAs que não fazem seleção de seus alunos, não cobram desempenho, muitas vezes são cursos de fim-de-semana. O sujeito gasta tempo e dinheiro e recebe muito pouco retorno.

DINHEIRO ? Mas não ajuda na carreira?
MEIRELLES ? Há algum tempo, a pessoa falava que tinha um
título de MBA e o diploma abria as portas do mercado de trabalho. Ganhava emprego na certa. Agora é diferente. Outro dia reunimos alguns dos principais headhunters e executivos de recursos huma-
nos do País e fizemos uma pergunta: qual é o critério que estão usando para contratar? Resposta: não basta ter MBA. Os execu-
tivos estão recorrendo aos métodos do passado na hora de esco-
lher seus profissionais. Não perguntam apenas se o candidato é formado, mas onde se formou. O mesmo vale para o MBA. Há empresas como a Votorantim do Antônio Ermírio de Moraes estão recrutando direto das melhores escolas.

DINHEIRO ? Um executivo de recursos humanos pode simplesmente achar que o MBA é de má qualidade e desqualificar o profissional, considerar que o título não vale nada?
MEIRELLES ? É o que está acontecendo na prática. Cerca de
90% dos MBAs não agregam valor aos profissionais. A maioria é
muito ruim. O que vai fazer diferença na carreira do candidato
serão outras experiências e qualidades pessoais.

DINHEIRO ? Cursar um MBA exige
um investimento de milhares de reais.
Em alguns casos, as economias pesso-
ais são colocadas nesse projeto. O sr.
está dizendo é que tem muita gente
jogando dinheiro fora…
MEIRELLES ? Veja o caso dos Estados Unidos. Os americanos se habituaram a fazer uma conta: vou gastar x mil dólares num MBA. Terei retorno financeiro em um ou dois anos, com o salto que der na minha carreira. Se ficar parado, sem fazer o curso, minha renda crescerá mais devagar, x mil dólares por ano. Pois bem, essa conta não fecha mais nos Estados Unidos, a não ser para os cursos de primeira linha. O mesmo vale para o Brasil. É claro que muitas pessoas tiram outros proveitos do MBA, lêem livros, fazem contatos, ganham diploma. Mas se esperam dar um salto profissional, vão se frustrar.

DINHEIRO ? Como uma pessoa pode saber se o curso tem
algum valor?
MEIRELLES ? É difícil, precisa conversar com alguém que fez o curso e, em boa parte, é uma questão subjetiva, depende de fé. Muitos cursos são novos, não têm história. Como se vai saber se é bom ou ruim? A marca também não é garantia. Existem diferentes qualidades de cursos, mesmo em escolas como a FGV.

DINHEIRO ? Mais a própria FGV trabalha com um sistema de franquias na área de MBA. Isso não é conflitante com suas colocações?
MEIRELLES ? Precisamos deixar claro duas coisas. A primeira delas é que a escola de administração de empresas de São Paulo, a FGV-Eaesp, nunca terá esse tipo de produto. Mas precisamos entender que FGV é mais ampla do que o seu braço paulista. A FGV do Rio de Janeiro resolveu atender mais ao crescimento da demanda, em especial em outras cidades. E criou uma rede de cursos conveniados ou franquiados. Isso provoca um incômodo interno porque fica impossível manter o mesmo padrão quando você tem milhares e milhares de alunos. É uma questão que precisamos resolver.

DINHEIRO ? Por que a FGV expandiu tanto a rede?
MEIRELLES ? Há um importante papel social em levar esses cur-
sos a outras regiões. Além disso, há uma razão prática. Até dez
anos atrás, a FGV recebia subsídios do governo. Hoje, as verbas federais representam menos de 0,5% do orçamento da fundação. Mesmo assim, a FGV continua produzindo índices nacionais, como
os da inflação, e ninguém paga um tostão pelo serviço. Esse tra-
balho custa muito dinheiro. Também custeamos pesquisas e treinamentos de professores. Não se consegue pagar isso com mil
e poucos reais de mensalidade na graduação. Essa equação obri-
gou a FGV do Rio de Janeiro a criar essa rede. Qual a diferença
da fundação para outros concorrentes? Nenhum tostão desse
dinheiro vai para o bolso dos acionistas. Esse dinheiro é todo reinvestido para gerar mais benefícios públicos.

DINHEIRO ? Mas a qualidade do curso conveniado, que carrega a grife da FGV, é a mesma da fundação?
MEIRELLES ? A rede aberta pela FGV do Rio de Janeiro já chegou a ter quase 100 conveniados, hoje tem 50. O caminho para resolver essa questão é ser transparente com o mercado. Vamos mostrar
que tanto o conveniado como o curso tradicional são produtos da FGV, mas devem ser tratados de maneira diferente. É preciso mostrar que um é Corsa e outro é Ômega. São dois produtos com preocupação de qualidade, mas com preços e características diferentes. Os professores dos cursos conveniados têm outra formação, o processo de seleção de alunos é pior. Não se pode esperar as qualidades de um Ômega num Corsa.

DINHEIRO ? O que vai acontecer com o mercado de MBAs?
MEIRELLES ? Minha bola de cristal não está lustrada o suficiente para saber. Mas está claro que temos dois fenômenos diferentes. O primeiro deles é que caiu uma ficha para todo o mundo: o que se aprendeu anos atrás, na formação, evaporou. Não tem mais utilidade no dia-a-dia. E como o avanço é rápido, há a sensação de que o conteúdo fica obsoleto. E, por isso, as pessoas continuarão buscando os cursos para se atualizar. O outro fenômeno é que havia uma oferta limitada de cursos e uma demanda enorme não atendida. A oferta de MBAs explodiu e temos até MBA de ecologia. Virou uma moda. Temos o MBA mais antigo do Brasil, mas o nome popularizou tanto que preferimos chamá-lo de outra maneira. Essa demanda era explosiva e parte dela está sendo atendida.

DINHEIRO ? Qual é a sua opinião sobre essas universidades que oferecem cursos em massa, para dezenas de milhares de alunos?
MEIRELLES ? Elas descobriram o mecanismo que já é normal nos países desenvolvidos: quantas pessoas tenho para fazer curso superior? Atenderei a todas. Essa é a regra de mercado que está sendo seguida por essas instituições?

DINHEIRO ? Ocorrem problemas como os dos MBAs?
MEIRELLES ? Em alguns, ocorre. A brincadeira que faço é que existem cursos em que há uma avaliação por mês e só faz quem está em dia com a universidade. O importante, nesses casos, é trabalhar como uma máquina. Cobra-se pouco e, por cobrar pouco, a demanda é maior e o aluno também ganha pouco retorno. A indústria da educação descobriu que há uma demanda para cursos por R$ 300 ou R$ 400 de mensalidade e está preenchendo essa demanda.

DINHEIRO ? Quanto deveria custar a mensalidade de um curso com um mínimo de qualidade?
MEIRELLES ? Por menos de R$ 1.000 não há como fazer nada bom, a não ser que se coloque 300 a 400 pessoas numa sala. As pessoas aprendem muito pouco porque se cobra muito pouco. Mas há uma polêmica: é melhor isso ou nada?

DINHEIRO ? Qual é a sua opinião?
MEIRELLES ? Diria que tem alguns cursos abusando da situação.
Pelo que estão cobrando daria para oferecer um pouco mais
aos estudantes. Existem cursos grandes em que os alunos não aprendem nada. São pessoas que normalmente trabalham o dia inteiro, freqüentam as aulas à noite, não têm tempo para es-
tudar, não são cobrados…

DINHEIRO ? Como o ensino em massa poderia ser melhor?
MEIRELLES ? Algumas instituições resolveram esse dilema. As
cadeias de cursinhos padronizaram material, melhoraram os pro-
cessos e oferecem melhores serviços do que algumas universi-
dades que formam profissionais em massa.

DINHEIRO ? Curso ruim tem que fechar?
MEIRELLES ? O ministro da Educação, Cristovam Buarque, deveria fechar cursos em alguns casos. Pensando do ponto de vista social, é melhor uma pessoa fazer um curso mais ou menos do que não fazer nada. O grande problema é o sujeito estar sendo enganado. Não pode cair numa arapuca educacional. Se, ao longo dos anos, os estudantes de Direito de um determinado curso não passam na prova da Ordem dos Advogados do Brasil, então tem que fechar. Não serve para nada.

DINHEIRO ? O sr. é o primeiro da área de tecnologia a assumir a direção da FGV. O que mudou?
MEIRELLES ? A tecnologia ganhou muito espaço. Brinco com o pessoal de finanças da escola: do jeito que as coisas estão avançando, finanças vai virar ferramenta da área de tecnologia
e não o contrário, como era no passado. A área de tecnologia
não é mais secundária nas empresas e também nas escolas. A
minha eleição mostra que a tese está comprovada. Não vejo
nada de anormal, apesar de inédito. Ganhei com 90% dos votos
e com um discurso bastante ousado.

DINHEIRO ? Qual o ponto mais ousado do discurso?
MEIRELLES ? O ponto que mais chamou a atenção de minha plataforma de campanha é a mudança da graduação. O que ensinamos, do jeito que ensinamos, não serve mais para nada.
Vou refazer a graduação do zero. Cada professor, mesmo aque-
le que dá o mesmo curso há 20 anos, terá de refazer sua disci-
plina e seus métodos. Vou discutir como será o perfil do adminis-
trador daqui a 20 anos e farei o caminho inverso, para descobrir
o que e como ensinar. Estou convencido de que o modelo e o processo atual, com o professor indo à frente da classe expor
a matéria, estão com os dias contados. Óbvio que a mudança
não virá na semana que vem. Mas se a escola não se antecipar e inovar nisso em 5, 6, 7 anos vamos ficar num beco sem saída.