O presidente da Chevron no Brasil, George Buck, precisaria de um arsenal poderosíssimo de argumentos para reverter a imagem antipática que a petroleira americana começou a construir no País desde o último dia 7, quando um vazamento de óleo na plataforma da empresa, na Bacia de Campos, espalhou uma mancha negra a 120 quilômetros da costa do Rio de Janeiro e poluiu 163 quilômetros quadrados nos primeiros dias. Buck bem que se esforçou durante a audiência na Comissão do Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, na quarta-feira 23, ao pedir desculpas pelos erros da empresa em português e dispensando as duas tradutoras que o acompanharam durante as quatro horas de sabatina. “Quero pedir sinceras desculpas ao povo e ao governo brasileiros”, disse o executivo americano. “Agimos com responsabilidade a partir do momento em que entendemos ter havido o acidente.” E minimizou o crime ambiental, dizendo que a mancha de óleo já havia se reduzido para dois quilômetros quadrados naquele dia. Tarde demais. O executivo americano não conseguiu atenuar a nova imagem da Chevron no Brasil: a de uma empresa irresponsável, incompetente, mentirosa e negligente. 

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O pedido de desculpas públicas de Buck não comoveu ninguém. “Ele parecia um iceberg de terno e gravata”, definiu o deputado Márcio Macêdo (PT-SE). Suas explicações para o acidente histórico – o governo Dilma endureceu o jogo e mudou o tabuleiro no maior negócio em curso no País, a exploração do petróleo da camada pré-sal – tampouco foram convincentes. Segundo Buck, o poço começou a ser perfurado no dia 6 de novembro, a 1.200 metros de profundidade. O reservatório tinha uma pressão maior que a inicialmente calculada e a rocha cedeu, apresentando fissuras que deixaram escapar o óleo no fundo do mar durante quatro dias. “Ainda não compreendemos por que isso aconteceu, mas vamos investigar”, disse Buck. Há muitas questões a ser esclarecidas. Apesar de o vazamento ter começado no dia 7, a empresa não detectou o problema imediatamente e só ficou sabendo da tragédia ambiental no dia seguinte, quando funcionários da Petrobras em alto-mar avistaram a formação de uma mancha ao sobrevoar a área em um helicóptero. A falta de agilidade da Chevron para tomar as providências necessárias diante de tamanha emergência ficou evidente. “Por que a empresa só notificou as autoridades dois dias depois do acidente e um dia após a Petrobras avistar uma mancha de óleo na superfície do mar?”, indagou o deputado Brizola Neto (PDT-RJ). Em vez de providenciar imediatamente vários navios para evitar a expansão da mancha com bóias de contenção, a Chevron passou logo para a última etapa, a dispersão do óleo com jatos de água. 

 

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Lambança: Chevron sonegou informações e editou imagens encaminhadas às autoridades brasiieiras

 

Enquanto isso, a empresa cometeu sérios erros de comunicação com os órgãos regulatórios e ambientais. Em vez de agir com transparência, mentiu para o Ibama e para a Agência Nacional de Petróleo sobre a real extensão do acidente e suas causas (veja quadro Os Erros da Chevron). Enquanto a empresa admitia o vazamento de 382 mil litros no mar, a ANP calculou pelo menos 500 mil. As polêmicas em torno do caso caíram como uma bomba em Brasília. A presidenta Dilma Rousseff acompanhava o desenrolar do episódio e perdeu a paciência ao constatar divergências entre as versões dos fatos relatados pela Chevron e pela ANP nos dias que se seguiram ao vazamento. Ex-ministra das Minas e Energia, ela suspeitou de algo mais grave: a Chevron estaria tentando atingir a camada pré-sal sem autorização. Na manhã da segunda 21, a presidenta chamou todas as autoridades envolvidas com a área de petróleo para uma reunião de emergência no Palácio do Planalto.  Estavam lá o diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, o ministro da Defesa, Celso Amorim, o comandante da Marinha, Júlio Soares de Moura Neto, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.Numa reunião de uma hora e meia, Dilma disse que as petroleiras estrangeiras eram bem-vindas, mas que era preciso aplicar a legislação do setor com muito rigor para evitar que uma percepção equivocada do País atrapalhasse a exploração do pré-sal. “Que venham para cá, o Brasil é um país aberto ao capital estrangeiro”, disse. “Mas que saibam que o Brasil é um país que tem regras e que devem ser cumpridas.”

 

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Os exagerados descuidos da Chevron acontecem num momento em que o País ainda nem começou a arranhar a exploração na camada do pré-sal, de águas mais profundas que o pós-sal, de onde hoje são extraídos 750 milhões de barris de petróleo por ano. O pré-sal deve multiplicar por quatro esse volume, até 2020, o que já garantiu promessas de investimentos da ordem de US$ 400 bilhões de empresas do mundo inteiro, como a própria Chevron, a Exxon Mobil, a Petrobras e a OGX. Atualmente, há 74 empresas operando no País, número que deve se multiplicar quando a legislação sobre o pré-sal estiver pronta – falta a definição dos royalties, por exemplo. A reação do governo à derrapada da Chevron veio no tom equivalente aos interesses envolvidos. A ordem de Dilma foi aplicar uma punição exemplar. “Nós não vamos brincar com essa questão”, resumiu o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, durante um evento público, em Brasília, na quarta-feira 23. “Está em jogo todo o nosso futuro em termos de pré-sal. Nosso cuidado ambiental é muito grande. Portanto, não faltará rigor.” No mesmo dia, enquanto prestava esclarecimentos no Congresso, Buck recebeu a notícia de que a Chevron receberia três multas de R$ 50 milhões – o valor máximo permitido pela legislação brasileira.  Para o Ibama, o crime ambiental e a falta de preparo para lidar com o acidente foram inadmissíveis. 

 

Cada empresa precisa colocar em prática, por exemplo, o chamado Plano de Emergência Individual, conforme acordado com as autoridades brasileiras, quando recebem a concessão para explorar petróleo.  “O plano de emergência precisa ser executado pelo operador no tempo exato e com emprego de equipamentos e profissionais especificados no processo de licenciamento”, disse à DINHEIRO o presidente do Ibama, Curt Trennepohl. Mas a Chevron não cumpriu o compromisso assumido. “A conduta da Chevron é inadmissível, pois não se trata de uma empresa de fundo de quintal”, disse Carlos Minc, secretário estadual do Ambiente do Rio de Janeiro. “Nós não somos debiloides.” Ele está entrando com uma ação civil, no valor de R$ 100 milhões, contra a Chevron para a reparação dos danos ambientais na costa fluminense. No total, a empresa pode ser punida em R$ 260 milhões ou US$ 145 milhões. É uma quantia insignificante para a segunda maior empresa de petróleo do mundo, que faturou US$ 189 bilhões no ano passado, equivalente ao PIB de países como a Finlândia ou a Hungria, e lucrou US$ 19 bilhões. Em abril do ano passado, a British Petroleum (BP) foi multada inicialmente em US$ 85 milhões pelo maior acidente ambiental do mundo, o derramamento de petróleo no Golfo do México. Mas a multa total, em discussão na Justiça dos Estados Unidos, pode chegar a US$ 21 bilhões.

 

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Sabatina: o presidente da Chevron, George Buck, tenta explicar no Congresso as causas do acidente

 

A Chevron, além da punição financeira, foi castigada com a suspensão imediata de novas perfurações no Brasil, por negligência. Os planos de Buck eram abrir mais oito poços até o fim deste ano. Ele queria ir além: almejava explorar também a camada pré-sal no Campo de Frade, em águas ultraprofundas. Sonho, obviamente, já descartado pelo Planalto. Os atuais 11 poços em operação continuam com atividade normal. O secretário Minc defende que a punição à Chevron seja mais exemplar ainda e sugere o descredenciamento da companhia como candidata a participar de novas explorações por cinco anos. Afinal de contas, avalia ele, o País está mudando de patamar com a exploração do pré-sal, e a fiscalização e o rigor para aplicar as leis também serão mais rígidos. A medida radical vai depender das investigações que estão em curso, tanto na Polícia Federal como nos órgãos competentes, para apurar as responsabilidades do acidente. A Polícia Federal confirmou que, numa plataforma de 143 trabalhadores, havia dez funcionários estrangeiros que trabalhavam em situação irregular, com visto de turista ou visto temporário, e recebiam salários no Exterior. Fontes do mercado dizem também que a companhia vinha cotando, junto a fornecedores da cadeia de petróleo, equipamentos que não se fariam necessários para a sua atividade atual. Tudo isso deve complicar ainda mais a atuação da Chevron no País. “A resposta da presidenta será forte”, avisa o secretário do Rio, que foi ministro do Meio Ambiente no governo Lula. Lá fora, a companhia americana também enfrenta problemas sérios. A Chevron está sendo repudiada energicamente por ambientalistas em função de sua postura de indiferença com o passivo ambiental no Equador, onde a Texaco, adquirida em 2002, deixou estragos irrecuperáveis para a saúde de comunidades inteiras, em cidades ao sul do país, entre 1987 e 1997.

 

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Segundo as denúncias, a exploração de petróleo no período teria ignorado as regras de segurança ambiental, comprometendo os lençóis freáticos. A contaminação da água potável decorrente deixou como saldo 1,4 mil de pessoas vitimadas com câncer e, ainda, outras dezenas de milhares com doenças de pele. “Não confiem na Chevron”, diz o advogado Pedro Fajardo, que lidera a ação no Equador contra a gigante. Em fevereiro deste ano, a Justiça daquele país multou-a em US$ 18 bilhões, mas a petrolífera recorreu, argumentando que não foi ela, e sim a Texaco, quem provocou os estragos. No Brasil, o incidente é relativamente pequeno, se comparado ao que aconteceu no Equador, ou ainda à recente tragédia do Golfo do México, quando 4,9 milhões de barris de petróleo vazaram por seis meses na região. Mesmo assim, o mercado financeiro está punindo a companhia americana pelas oportunidades de negócio que deverá perder no País. Desde a descoberta do vazamento, as ações da Chevron acumulam perdas de 13,2% na bolsa de Nova York. Seu valor de mercado encolheu US$ 28 bilhões em duas semanas. Foi assim com a BP, que perdeu um terço do seu valor de mercado, o equivalente a US$ 58 bilhões, desde que as trágicas fotos de pássaros cobertos de óleo mancharam sua reputação para sempre. “Se o governo resolver inspecionar outras plataformas da Chevron e provocar paradas não programadas, o resultado operacional será prejudicado”, diz Marco Saravalle, analista da corretora Coinvalores, de São Paulo.

 

O governo já deixou claro que aumentará as inspeções não só na Chevron como também nas demais companhias petrolíferas. Uma das principais prioridades, depois do incidente no Campo de Frade é começar a verificar o Plano de Emergência Individual (PEI) de cada uma. Procuradas pela DINHEIRO, as petrolíferas OGX e a HRT garantiram que estão preparadas para as exigências da ANP, em relação aos programas de emergência, com equipes e processos altamente qualificados. A pressão do Planalto sobre as autoridades encarregadas da fiscalização também deve crescer a partir de agora. “Multar é fácil, é só uma canetada”, afirma David Zylbersztajn, que foi diretor-geral da ANP durante o governo Fernando Henrique Cardoso, entre 1998 e 2001. “O difícil vem depois. Agora é hora de colocarmos nossas barbas de molho para o futuro.” Nesse sentido, uma das primeiras providências que o governo terá de acertar no curto prazo é a criação de um Plano Nacional de Contingência, previsto na legislação desde 1998, que determina os procedimentos que deveriam ser adotados em casos de acidentes com a exploração de petróleo. Um projeto vem sendo elaborado nos últimos meses pelos ministérios de Meio Ambiente, Minas e Energia, Defesa e Relações Exteriores. “Ele será entregue quando ficar pronto”, disse à DINHEIRO a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. “Não tem prazo.” A meta é manter os números exemplares do País em termos de eficiência do setor. “Somos referência para o mundo”, diz João Carlos de Luca, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP).

 

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Luca cita o número de incidentes por milhão de horas trabalhadas do Brasil em relação a outros países. “O Brasil teve 0,15%, enquanto a Austrália teve 0,85%, a Noruega, 0,70%, e os Estados Unidos, 0,40%.” Para o professor da Universidade de São Paulo Edmilson Moutinho, especialista em petróleo, há, ainda, uma reflexão maior que precisa ser feita a partir do acidente no litoral do Rio de Janeiro. “A pressa de correr com o pré-sal traz um risco enorme porque a riqueza projetada é muito grande”, diz ele. Seria a pressa o fator determinante do acidente que envolveu a Chevron? É o que será investigado. Por ora, a estratégia da empresa é restabelecer as pontes e melhorar o relacionamento com o governo. Na quinta-feira 24, o presidente George Buck voltou a Brasília, desta vez, acompanhando o presidente da Chevron para a África e a América Latina, Ali Moshiri, para uma audiência com o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Sorridente, Moshiri revelou aos jornalistas que solicitou o encontro com o ministro para reafirmar a disposição da Chevron de respeitar a decisão do governo de proibir novas perfurações da empresa no Campo de Frade. “Temos muita paciência e vamos parar de perfurar”, afirmou. Na mesma ocasião, Moshiri afirmou desconhecer a causa do vazamento, mas garantiu que a Chevron está adotando procedimentos “de primeira classe” para sanar o problema. “O Campo de Frade tem uma geologia complexa”, disse. “A mãe natureza é complicada.” A esta altura pode-se dizer: o modo de proceder da Chevron também é.

 

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Colaboraram Cristiano Zaia, Fernando Teixeira, Francisco Alves Filho, Guilherme Queiroz, Michel Alecrim e Tatiana Bautzer