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Raramente, o gigante de consumo anglo-holandês Unilever fala do Brasil. Mas desta vez, sem rodeios, a empresa colocou o dedo na ferida. O grupo, dono de um faturamento de 39 milhões de euros e presente em 150 países, deixou de lado a discrição e, no primeiro relatório financeiro de 2007, foi categórico: repetiu por duas vezes que a “competição local conteve o crescimento no Brasil”, de maneira a impactar o resultado da América Latina. Afirmou que o México também foi pelo mesmo caminho e, para arrematar, falou da estratégia adotada para mitigar os efeitos de uma enventual sangria de mercado no Brasil. “As vendas no Brasil foram apenas levemente maiores (no primeiro trimestre de 2007 em relação a 2006), com ganhos no volume que equilibraram os efeitos da política de preços menores, reposicionando nossas marcas no segmento de lavanderia para combater competidores locais”, informa o grupo no documento de 16 páginas. É a primeira vez, nos dez últimos relatórios financeiros da empresa, que um recado destinado ao Brasil aparece de forma tão clara e direta. No segundo trimestre de 2005, a empresa fez um breve comentário sobre o aumento no número de marcas locais no Brasil. E só.

A citação, por si só, é ruim. Mas ganha cores mais sombrias pois se refere justamente a uma categoria vital para a filial brasileira: a de sabão em pó, setor que movimenta R$ 3,1 bilhões por ano. Afinal, é nessa categoria que se encaixa o Omo, um ícone do mercado de consumo e líder absoluto de vendas. A marca significa mais do que uma fonte de receita milionária para a Unilever. Trata-se de um produto que nenhum supermercado ou mercearia pode prescindir em suas gôndolas – e, assim, se constitui num trunfo poderoso na eterna queda-de-braço da Unilever com o varejo. Por isso, a luz amarela se acendeu quando os executivos da corporação perceberam que o Omo, no ano de seu cinqüentenário, estava sendo duramente atingido por aquilo que chamaram de “competidores lo cais”. Os números não deixavam dúvidas. Em 1999, após a explosão de consumo nos anos de bonança do Plano Real, o sabão atingiu 55% de participação (em valor) no segmento. Aí vieram tiros de todos os lados. Novos fabricantes, tanto regionais como de expressão nacional, desembarcaram no mercado. As marcas próprias dos supermercados ganharam espaço nas prateleiras. E as empresas informais deram uma mãozinha para pressionar ainda mais margens. Resultado: a fatia do Omo desabou para 40,1% em 2005. No período, a Tixan, da Química Amparo, que teve como garota-propaganda a atriz Suzana Vieira, subiu para 8%, contra 5% no ano anterior.

 

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PRYIA PATEL: lenta recuperação na fatia de mercado do Omo

 

Nesse cenário, a Unilever reviu sua estratégia. Apenas para o Omo, foram desembolsados R$ 40 milhões em 2006 em ações de mídia, maior montante já aplicado pela empresa. A verba total da companhia soma R$ 65 milhões. No ano passado, a empresa lançou cinco novas variações da marca – foram três em 2005. No caso do Brilhante, foram mais dois novos produtos. O sabão Surf também foi repaginado para competir nas regiões Norte e Nordeste. Em 2007, a empresa planeja investir outros R$ 40 milhões em ações promocionais na linha do Omo. Foi o suficiente para a Unilever recuperar parte do terreno perdido, embora ainda esteja longe dos tempos de ouro. A fatia de Omo pulou de 40% em 2005 para 46,2% no ano seguinte e atingiu 47,2% em abril último. Cada ponto percentual em detergente em pó representa cerca de R$ 31 milhões. A Procter & Gamble, vice-líder e concorrente direta com os produtos Ace e Ariel, per deu share, passando de 14% no primeiro quadrimestre de 2006 para 12,2% no mesmo período de 2007.

A recuperação do Omo também foi resultado direto de mudanças na política de preços. Entre junho de 2005 e dezembro de 2006, a redução no preço do Omo foi de R$ 1, em média, para uma mercadoria que custava, no segundo semestre de 2005, entre R$ 5,70 e R$ 6,20 nos hipermercados na capital paulista, segundo apurou DINHEIRO junto a duas cadeias de varejo. Dados da Abipla, que representa os fabricantes do setor, mostram que o quilo do sabão em pó custava R$ 5,11 em 2003. Caiu para R$ 4,98 no ano seguinte e manteve esse patamar (R$ 5) em 2005, até baixar para R$ 4,80 no ano passado. A Fipe informa que, só em 2006, a deflação do produto foi de 8,2%. A filial brasileira nega que tenha mudado sua política de preços na linha de produtos Omo. Luiz Carlos Dutra, vice-presidente de assuntos corporativos, diz que o grupo associa a prática dos preços mais agressivos às marcas ditas “econômicas” . “Trabalhamos com Surf, a marca popular da categoria, de forma mais competitiva frente aos fabricantes locais”, afirma Pryia Patel, diretora de marketing do segmento de higiene e limpeza da Unilever. “Mas não posso fazer isso com Comfort ou Omo, por exemplo, porque aí eu trabalho com conceitos de inovação e maior valor agregado.”

Entre especialistas, a análise é outra. “Eles não gostam de dizer que mexeram com o preço de Omo para defender o seu espaço”, afirma Renato Meirelles, sócio-diretor da consultoria Data Popular, empresa de pesquisas na área de consumo. “Foi uma ação do grupo, e não do varejo. As redes varejistas não conseguiriam reduzir tanto o preço.” “Todo mundo quer o mercado deles e, para tentar se defender, há dois caminhos: preços mais agressivos e diversificação da linha de produtos. Isso pode ampliar o volume vendido e justificar a margem menor, que é reflexo da queda de preços”, diz Alberto Serretino, sócio-sênior da Gouvêa de Souza & MD. Daqui para a frente, esse cenário não muda muito. O Anuário da Abipla deste ano conclui que, “embora haja uma tendência de aumento do consumo para os próximos anos, a estimativa é que a alta competitividade entre os fabricantes continue ditando o preço dos produtos”. Ou seja, a vida do Omo continuará difícil.