A HISTÓRIA DA HUMANIDADE é escrita em capítulos diários. A última quarta-feira 27 será lembrada como uma data especial, dessas que marcam a vida dos grandes líderes e dos países. O Brasil perdeu Olavo Egydio Setubal no mesmo dia em que Barack Hussein Obama foi nomeado o primeiro candidato negro de um grande partido, o Democrata, à Presidência dos Estados Unidos. A disputa política na maior potência econômica do planeta era uma das preocupações diárias do patriarca do Grupo Itaú. Aos 85 anos, Setubal fazia questão de ler seus jornais favoritos, como o Le Monde, em seu escritório em São Paulo. Fazia isso com dificuldade, com o auxílio de uma grossa lente de cristal, mas enxergava longe. Ao receber a DINHEIRO para um encontro exclusivo, em fevereiro, ele condicionou sua próxima entrevista a dois eventos: “Só falo depois que os democratas escolherem entre Obama e Hillary (Clinton) e quando o PSDB definir seu candidato à Prefeitura de São Paulo. Sem isso, não dá para analisar o futuro do Brasil”, afirmou. “Volte em dois meses.”

Setubal fechou os olhos pela última vez antes de poder expor suas idéias recentes sobre o mundo do qual fez parte e no qual, como poucos, deixou uma forte marca. A obra desse engenheiro mecânico paulista foi além da construção do império financeiro e industrial que reúne R$ 350 bilhões em ativos sob as pilastras dos bancos Itaú e Itaú BBA, da Duratex, da Itautec e da Elequeiroz. Empreendedor e banqueiro, ele também aventurou-se pela política, patrocinou a cultura e construiu um dos maiores acervos privados de arte do País. “O País perdeu um grande brasileiro”, diz Márcio Cypriano, presidente do Bradesco. “Ele foi uma das pessoas mais inteligentes que conheci. Era um conservador iluminado, com uma visão completa do Brasil”, afirma Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro da Fazenda.
Ambos estavam entre os milhares de pessoas – autoridades, políticos, empresários, funcionários e amigos da família – que compareceram ao velório, na sede do conglomerado, em São Paulo. Mais de uma centena de coroas de flores foi recebida e disposta em torno de duas obras de arte que davam a exata dimensão do momento histórico e do personagem principal: um detalhe em bronze do Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, e a dramática escultura de mármore Esposa da Morte, de Leopoldo Silva. Nas paredes, nos olhares e nos abraços, a presença marcante de Setubal se eternizava. “Missão cumprida”, emocionouse o Olavo Setubal Jr., irmão de Paulo, Maria Alice, Roberto, José Luiz, Alfredo e Ricardo. Ele deixou a esposa, Daisy, e 19 netos.

“Olavo Setubal foi um protagonista”, afirma a sobrinha Milú Villela, presidente do Itaú Cultural, instituto concebido pelo tio para preservar e estimular a arte brasileira. “Por muitas décadas, (foi) ator de primeira linha na construção da vida empresarial, cultural e política brasileira.” Entre a ditadura militar e a democracia, Setubal exerceu sua segunda maior paixão: a política. Prefeito nomeado de São Paulo nos anos 70 e ministro das Relações Exteriores nos 90, no governo Sarney, seu legado inclui obras de infra-estrutura local (linhas do metrô paulistano) e internacional (a construção do Mercosul). Tancredo Neves o escolheu para fundar o Partido Popular (PP) e o queria como ministro da Fazenda. Por pouco, não foi candidato a governador de São Paulo, em 1986.
Setubal tinha de sobra a vocação política que faltava ao banqueiro Amador Aguiar, dono do Bradesco, mas não tinha a mesma habilidade diplomática do embaixador Walter Moreira Salles, do Unibanco. Talvez por isso tenha abandonado a vida partidária. Em comum com Aguiar e Moreira Salles, Setubal carregava o estigma de banqueiro, um passivo eleitoral difícil de amenizar. Numa campanha, os ataques seriam inevitáveis e poderiam, inclusive, afetar a principal empresa do grupo, o Itaú – um banco vive de credibilidade e confiança. “As pessoas atribuem ao banqueiro uma fantástica deformação mental dada pelo dinheiro, e isso acontece em todo o mundo”, lamentou, anos depois. “Evidentemente, eu preferia ter sido eleito a nomeado. Teria mais legitimidade e mais valor perante o tipo de democracia que vigora hoje no Brasil”, disse.

 

O banqueiro Setubal criou o segundo maior grupo financeiro

O industrial Conglomerado reúne ativos de R$ 350 bilhões

SUCESSÃO: o filho Roberto o sucedeu no comando do Itaú, fruto da lógica racional do engenheiro

HERDEIRO: Paulo (centro), preside a Duratex, o primeiro grande desafio do pai

Como banqueiro, ele tinha um estilo diferente do amigo Amador Aguiar. Dono de uma voz inconfundível, era mais expansivo e menos intuitivo. Seu foco eram os processos e a gestão de pessoas. Os dois criaram impérios financeiros com base em aquisições de concorrentes e investimentos pesados em tecnologia. Bradesco e Itaú disputam há décadas o primeiro lugar no ranking dos bancos privados. O Itaú tem 24 milhões de clientes, é mais internacionalizado, mas continua em segundo lugar. “Olha, Olavo, você vai passar todos eles… Mas não a mim”, profetizou Aguiar. O engenheiro reconhecia a genialidade do concorrente (que popularizou o atendimento) e a diferença entre as duas organizações. “O Bradesco é um fenômeno especialíssimo, fruto de um gênio chamado Amador Aguiar. O Itaú é fruto de uma lógica racional. Essa é a grande diferença entre os dois”, disse Setubal. “O futuro dirá se os frutos dos gênios resistem a várias gerações. A lógica sobrevive”, concluiu.
No fundo, os dois perpetuaram os bancos de maneiras diferentes, mas dividiam a mesma visão grandiosa do País. “Olavo Setubal marcou o cenário empresarial brasileiro com excelsa atuação. Deu importante contribuição na área política. Sua morte reaviva reflexões do lastro que engrandeceu nossa sociedade”, diz Lázaro Brandão, presidente do conselho de administração do Bradesco. “Era uma pessoa dotada das mais nobres qualidades humanas, éticas e patrióticas”, afirma o banqueiro Joseph Safra.
O veio industrial diferenciava Setubal de todos os demais concorrentes. Ele começou seu primeiro negócio aos 23 anos, em 1946, dois anos depois de formado. Com o amigo Renato Refinetti, juntou US$ 10 mil e fundou a Artefatos de Metal Deca. Os negócios iam bem até que, aos 31 anos, foi chamado pelo tio, o advogado e empresário Alfredo Egydio de Souza Aranha, para sanear a Duratex. Seu próximo desafio seria comandar o Banco Federal de Crédito (BFC), fundado pelo tio. Quando o BFC comprou o Itaú, Setubal tinha 41 anos. Casado com Lurdes, filha de Alfredo Egydio, o médico Eudoro Vilella foi parceiro de Olavo Setubal na construção do conglomerado. Os Setubal e os Vilella dividem o controle do grupo até hoje. E fez-se a história.