O futebol surgiu nas aldeias inglesas, no século 19, com a difusão de uma brincadeira de criança que consistia em chutar rústicas bolas de couro em um chão de terra batido. O basquete foi inventado em 1891 com a necessidade de se criar um esporte no qual os jovens americanos pudessem se exercitar em lugares fechados durante o inverno rigoroso. O automobilismo, por sua vez, ganhou fama devido à competição entre as fabricantes de motores no início do século passado. As três modalidades tornaram-se, evidentemente, paixões mundiais arrebatando milhões de fãs ao longo de décadas. A rigor, no país de Pelé, Ayrton Senna e Oscar, deveriam bater todos os recordes de público. Mas a façanha ficou com um esporte criado apenas em 2003 para servir como ferramenta de marketing, única e exclusivamente, de uma marca. Apresentado apenas na semana passada para os brasileiros, o campeonato RED BULL AIR RACE, uma competição de corrida de aviões turbo-hélice da empresa austríaca de bebidas energéticas Red Bull, levou mais de um milhão de pessoas às areias da praia de Botafogo, do Aterro do Flamengo e do Morro da Urca, no dia 21 de abril. É o recorde para um evento esportivo no Brasil ? bem superior às estimativas iniciais de 300 mil espectadores. A pergunta que cabe diante de tal resultado é: como a empresa conseguiu inventar e popularizar um esporte em apenas quatro anos?

É difícil respondê-la de bate pronto, mas é possível entender alguns fatores que levaram ao sucesso. A Red Bull Air Race reúne ingredientes cruciais para fazer qualquer um ficar vidrado, como adrenalina, plasticidade, competição e uma boa dose de show. Vamos à eles então. Adrenalina: o avião rasga o céu a mais de 400 km/h desviando de cones infláveis como se estivesse em uma batalha fugindo de um inimigo metralhando a sua cauda. Plasticidade: as locações escolhidas para as provas são exuberantes. Nesta última, o cenário era a Baía de Guanabara com o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor de fundo. Competição: pilotos de vários países disputam o melhor tempo sem encostar nos obstáculos e um deles torna-se campeão ao final de 12 etapas. Show: as manobras são radicais, as imagens dos aviões e dos pilotos no cockpit são mostradas em tempo real nos telões e transmitidas para mais de 80 países. Some-se a tudo isso uma organização impecável, digna de comparação ao famoso circo da Fórmula 1. Aliás, a Air Race já ganhou o apelido de ?a F-1 dos ares?.

A logística de um evento como esse é colossal. ?Mais de 520 toneladas de equipamento são transportadas em quatro aviões cargueiros e ainda 30 contêineres são levados de navio de uma etapa para outra?, diz Stefan Kozak, diretor-presidente da Red Bull Brasil. Mas a preparação para a prova acontece muito antes. ?Foi um ano de reuniões com autoridades da Aeronáutica, da Marinha, da prefeitura e de outros órgãos governamentais?, diz Ricardo Gertrudes, diretor da Rio 360, a agência que organizou o evento no Rio de Janeiro. ?Diferentemente da Fórmula 1, esse esporte acontece na terra, no céu e no mar?, diz Gertrudes. Por isso, foi necessário o envolvimento da Aeronáutica e da Infraero na questão do controle aéreo na região, permissão para usar um hangar militar no aeroporto Santos Dumont e os horários de janela dos vôos comerciais para que as pequenas e velozes aeronaves da Air Race pudessem voar. O governo do Rio entrou com toda a estrutura de trânsito para as regiões de acesso ao evento e com um aparato de 350 policiais e bombeiros. A Marinha também ajudou na retirada dos barcos nas águas da Baía de Guanabara.

A estrutura montada para receber a etapa da Red Bull Air Race foi minuciosamente pensada para entrar para a história dos grandes casos de marketing esportivo ? um setor que movimenta US$ 350 bilhões no mundo e US$ 17 bilhões no Brasil. ?Uso o exemplo da Red Bull nas aulas. É um caso impressionante?, diz José Henrique Damiani, coordenador do MBA de Marketing Champion da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Os números envolvidos na operação também são impressionantes. Do Exterior, vieram 500 pessoas que trabalham em tempo integral na competição e se juntaram a mais 3,5 mil profissionais envolvidos na produção. Seis telões de alta definição, conectados a 30 quilômetros de fibra óptica, transmitiam o que se passava. No aeroporto, uma equipe passava o briefing de condições climáticas, ventos e maré para os pilotos. No mar, seis jet skis, seis lanchas de resgate e operações, dois rebocadores, oito balsas para sustentar os cones infláveis, 15 mergulhadores e uma balsa flutuante para o pouso de helicóptero. No Clube de Regatas Botafogo, a organização instalou uma central de escritórios com 40 contêineres. Sem contar a área de imprensa com estrutura para 200 jornalistas, uma estação de vídeo com capacidade de edição de uma emissora e uma torre de controle para monitorar os tempos dos concorrentes. Estimativas conservadoras apontam que nos dias de prova, entre montagem, consumo e turismo, o evento tenha movimentado R$ 25 milhões. Isso é pouco diante do retorno que a marca alcança.

O energético da Red Bull não tem nada de especial, algo que a concorrência não consiga atingir. O coração do negócio, cujo faturamento gira em torno de 2,1 bilhões de euros, bate ao redor do marketing. Eles são extremamente agressivos. ?O marketing é a nossa principal matéria-prima, sem esquecer do produto certo, que é a pré-condição para ele?, disse Dietrich Mateschitz, o dono da Red Bull, em uma entrevista exclusiva publicada por DINHEIRO no ano passado. É uma estratégia que está dando certo e tem conquistado a simpatia de novos clientes. ?A Red Bull provou ser líder ao criar um esporte?, diz Eduardo Tomiya, diretor da BrandAnalytics, consultoria especializada em avaliação de marcas. ?Até quem não é usuário dos seus produtos passou a admirá-la.? E empresas consagradas também procuram agregar a imagem de inovação às suas marcas ao se aliar com a Red Bull. Na Air Race, por exemplo, as montadoras Audi e Seat e a fabricante de relógios Breitling são as patrocinadoras mundiais. A prova de que é um bom negócio está aí. Em uma tarde de um sábado ensolarado, a Air Race conseguiu fazer um milhão de pessoas, número maior do que o apresentado no réveillon, esquecer a praia para ver os aviões passarem.

RED BULL AIR RACE – A prova é chamada de F-1dos ares
A impressionante logística no campeonato mundial de aviação organizado pela marca austríaca de bebidas energéticas.

R$ 25 milhões…
…é quanto o evento movimentou nos dias de prova no Rio de Janeiro

4 mil…
…pessoas estiveram envolvidas na organização e produção

520 toneladas…
…de equipamentos foram trazidas em quatro aviões cargueiros

400 KM/h…
…é a velocidade alcançada pelos aviões da competição