16/11/2005 - 8:00
Há pouco mais de um ano, a Merck Sharp & Dohme começava a viver um verdadeiro pesadelo. Uma de suas maiores apostas, o antiinflamatório Vioxx, perdia o prestígio que conquistou no mercado, com uma fórmula de última geração contra artrite e infecções agudas, para se tornar um produto sob suspeita. O balde de água fria foi um estudo que relacionava o produto ao aumento de derrame cerebral e enfarto. De lá para cá, a companhia americana movimentou um batalhão de advogados e reservou US$ 675 milhões para honorários para defendê-la dos 6,4 mil processos movidos por consumidores do Vioxx mundo todo (segundo analistas eles poderiam custar até US$ 50 bilhões à Merck). O resultado até aqui é de um empate técnico. Em agosto, a multinacional foi condenada a pagar US$ 253 milhões a Carol Ernst pela morte de seu marido, usuário do remédio. No ínicio do mês, porém, finalmente uma boa notícia para a empresa.
Um tribunal de Atlantic City inocentou-a de uma ação apresentada por Frederick Humeston, um funcionário dos Correios dos EUA que sofreu um ataque cardíaco em 2001. Apesar do resultado favorável, a empresa está cautelosa. ?Não é hora para comemoração, mas para continuar trabalhando sério?, diz João Sanches, diretor de Comunicação Corporativa da Merck no Brasil.
Mesmo sabendo que a luta ainda será longa, o mercado reagiu bem à notícia. Minutos depois do anúncio da decisão judicial, as ações da empresa subiram 7,4%, para US$ 30,50. Nada comparado aos US$ 42 que o papel valia antes de a crise estourar. Mas deu um alívio. ?A decisão demonstra que nem todas as ações serão favoráveis ao consumidor. Faz as pessoas avaliarem melhor se vale ou não a pena processar a empresa?, diz Marcos Levy, consultor da área farmacêutica. Com a notícia surgiram rumores de que o produto voltaria ao mercado, mas a empresa não confirma. A expectativa positiva tem razão de ser. Afinal, a Merck é uma empresa de porte, fatura mundialmente US$ 23 bilhões e emprega 65 mil funcionários. O Vioxx respondia por 12% de suas vendas mundiais e a retirada do produto do mercado, em setembro de 2004, já causou prejuízo de mais de US$ 2,5 bilhões.
Além da torcida dos investidores, conta a favor da Merck a forma como ela reagiu ao caso. A rapidez e transparência com que lidou com o assunto são tidos como exemplo de uma empresa moderna. ?A Merck teve uma atitude altamente responsável, poucas empresas têm essa coragem?, avalia Francisco Teixeira, consultor da área. Assim que foi comunicado por um comitê independente das suspeitas contra o produto, o CEO da empresa na época, Raymond Gilmartin, convocou uma reunião de emergência para o final de semana com seu diretor-médico e especialistas de várias áreas médicas. Decidiram tirar o produto do mercado e isso não levou mais que dois dias. Comunicaram aos funcionários, consumidores e às autoridades ao mesmo tempo. Recolheram o Vioxx de distribuidoras e farmácias e devolveram o dinheiro aos consumidores.
Outros exemplos mostram que encarar de frente o problema é o melhor caminho. A Schering do Brasil, quando veio à tona o escândalo do contraceptivo Microvlar, mais conhecido como o caso da pílula de farinha, ficou perdida. Sem equipe de comunicação interna, teve que ser socorrida pela matriz alemã. Isso aconteceu em 1998, quando um lote sem princípio ativo, que seria utilizado para testar equipamentos, chegou ao mercado, resultado de um furto. Cerca de 200 mulheres acionaram a empresa alegando que tinham engravidado. Somente cinco ganharam a causa ao provar que o produto era inócuo. A Merck já colhe os frutos da forma aberta de lidar com a questão. O principal concorrente do Vioxx, o Arcoxia, lançado em 2002 no Brasil pela própria Merck, é líder no segmento de antiinflamatórios, com cerca de 10% do mercado ? ou seja, o empenho para resolver rapidamente a questão impediu que a crise contaminasse a imagem da empresa. A marca pesa, mas neste caso houve um esforço extra de vendas. Todos os 190 propagandistas que trabalhavam com o Vioxx passaram a promover o Arcoxia junto aos médicos.
De todo modo, os desafios da Merck não acabaram. O próximo já tem data marcada. Será no dia 28 de novembro, em Houston, no Texas, quando será julgada uma ação indenizatória coletiva contra a empresa. A Merck vai sobreviver ao Vioxx? ?Tenho certeza que sim?, garante Sanches.
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US$ 253 milhões é o valor de uma indenização que a Merck foi condenada a pagar nos EUA por conta do Vioxx. A empresa pode recorrer US$ 2,5 bilhões é o prejuízo anual da multinacional com a retirada do Vioxx das prateleiras US$ 30 bilhões é a perda de valor de mercado da companhia na Bolsa americana 6,4 mil é o número de processos contra a empresa no mundo. Cerca de 20 são no Brasil |