07/06/2006 - 7:00
Atrás da parede de vidro na sede da maior fábrica da Michelin nos Estados Unidos, Edouard Michelin olhou por um instante os caminhões com cinco eixos ? e dezoito pneus ? que cruzavam a Carolina do Sul. Ali, à beira da estrada, dentro do moderno quartel general da companhia no município de Greenville, o executivo que herdara do pai o comando da corporação fundada por sua família em 1889 falava a 50 jornalistas do mundo todo sobre seus planos. ?Somos uma companhia aberta, com milhões de acionistas?, disse ele num francês amável. ?É perfeitamente natural que, no futuro, não seja um Michelin a ocupar a presidência?. O dia era 5 de dezembro de 2005. Nenhum dos presentes que o ouviam em absoluto silêncio, nem mesmo ele próprio, poderia supor que aquela situação viesse a se apresentar tão rapidamente. E de maneira tão dramática. No sábado 27, aos 43 anos, monsieur Edouard foi encontrado afogado perto da ilha de Sein, em águas da Bretanha, no noroeste da França. Na véspera, ele zarpara da cidade de Audierne à bordo de um barco de pesca.
À primeira vista, o naufrágio nada tem a ver com imprudência. Seu companheiro à bordo era o experiente presidente do comitê de pesca da cidade. Ambos sabiam o que estavam fazendo, mas a região acostumada a nevoeiros repentinos e salpicada por rochedos submersos os traiu. Michelin deixou mulher, seis filhos e uma corporação com 130 mil funcionários, dona de 20% da produção mundial de pneus, com receitas de 15,5 bilhões de euros no ano passado. Uma multinacional gigantesca, com presença em 19 países e lucro líquido de 889 milhões de euros no ano passado. No Brasil, a Michelin tem duas plantas industriais. Uma em Campo Grande, zona Oeste do Rio de Janeiro, onde produz pneus para ônibus e caminhões. E outra em Itatiaia, próxima a Resende (RJ), onde faz pneus para carros e camionetes.
A última entrevista coletiva de Michelin foi a que DINHEIRO participou em dezembro, em Greenville. A sede americana foi o local escolhido porque é naquele país, de onde a corporação retira 33% de seu faturamento, que a companhia faz sua grande aposta para crescer com velocidade. Explica-se: enquanto os caminhões europeus circulam com 12 pneus, os americanos rodam com 18. Apenas um dos clientes da Michelin americana, a transportadora Penske, do bilionário Roger Penske, troca 300 mil pneus por ano para manter em dia seus 206 mil caminhões. Para fidelizar clientes como esse, a companhia francesa desenvolveu o X One, pneu cujo grande trunfo é proporcionar até 4% de economia de combustível.
Os pneus para caminhões são o grande filão da empresa. ?Temos uma posição consolidada na Europa e muito a fazer nos EUA?, lembrou Edouard em dezembro. No Velho Continente, numa das mais bem sucedidas estratégias de marketing da história, a companhia edita o simpático e tradicional Guia Michelin, com os mais elegantes endereços de gastronomia no mundo. ?Edouard era um grande empresário, respeitado por todos e líder de um grupo especial para os franceses?, registrou, em pêsames, o presidente francês Jacques Chirac. Em razão da trágica morte do jovem Edouard, a tarefa de liderar a Michelin recaiu sobre o co-gerente Michel Rollier. Francês, 60 anos, ele chegou ao cargo com 99% dos votos do Conselho da empresa. Confirmou-se, assim, a previsão feita pelo próprio Edouard.