DINHEIRO ? Como está a Sun em meio ao turbilhão das ações de tecnologia?
JOHN GAGE ?
Continuamos em ascensão. Nosso faturamento cresceu 35% no último trimestre e ganhamos mercado sobre concorrentes como Compaq, IBM e HP. Nós temos as máquinas que as pessoas amam na Internet. Por isso, nossa receita subiu de US$ 12 bilhões para US$ 16 bilhões.

DINHEIRO ? De que forma tecnologias como a Java e a Gini contribuíram para esse resultado?
GAGE ?
Na verdade, essas tecnologias não nos rendem muito dinheiro. Mas consolidam nossa reputação. As pessoas estão muito ocupadas e têm cada vez menos tempo para saber quem está mentindo ou dizendo a verdade. Elas trabalham em cima de reputação. Nos últimos 18 anos nós temos dito que a rede é o computador (?The network is the computer?, slogan da Sun Microsystmes). Não importa o que a pequena caixa colocada à sua frente faz. O que interessa é de que maneira ela está ligada a outras milhões de caixas ao redor do mundo. Agora é que a maioria das pessoas está entendendo o que isso significa. O que dissemos este tempo todo é que a rede mundial de computadores é a chave para mudar a Daimler-Chrysler, a Volkswagen do Brasil, a Fiat, a Embraer ou qualquer outra empresa. Também não foi de um dia para o outro que marcas como IBM ou Microsoft ganharam credibilidade. Por que seria diferente com a Sun?

DINHEIRO ? Grande parte da notoriedade da Sun veio da rivalidade com a Microsoft. Como o sr. analisa a possibilidade de divisão da empresa de Bill Gates?
GAGE ?
É curioso. Quatro ou cinco anos atrás, Scott McNealy (presidente mundial da Sun) começou a dizer publicamente o que todo técnico da área de software dizia de maneira reservada: ?A Microsoft faz softwares ruins, cobra demais por eles e Bill Gates usa táticas criminosas para vender seus produtos?. Na primeira vez que o ouvi dizendo isso, achei até mesmo grosseiro.

DINHEIRO ? Mas o sr. discordava dele?
GAGE ?
De forma alguma. Sempre achei que a Microsoft é a assassina da inovação, mais do que qualquer outra entidade do mundo da computação. O que ocorreu, em seguida, é que por toda parte começaram a tratar o Scott como o arqui-rival de Bill Gates. Como há muita gente que não gosta da Microsoft, a idéia pegou. Foram feitas reportagens nos cinco continentes sobre isso e então as pessoas, que conheciam a Microsoft, foram ver quem era esse pessoal da Sun.

DINHEIRO ? Na sua opinião, Bill Gates foi o melhor garoto-propaganda que a Sun poderia ter?
GAGE ?
Parece uma piada. Como eu disse, no início pensei que o Scott estava sendo grosseiro. Mas hoje acredito que ele fez a coisa certa. Olhando com o distanciamento que o tempo nos permite, temos a impressão que o Scott bolou uma brilhante estratégia de marketing. Mas naquele tempo, acho que nem ele mesmo sabia onde aquilo poderia levá-lo. De fato, essa associação com o nome da Microsoft deu-nos notoriedade. Agora que se provou que Bill Gates agia de forma ilegal, ganhamos ainda mais credibilidade.

DINHEIRO ? Se os softwares da Microsoft são tão ruins, por que ficaram tão populares?
GAGE ?
A única razão para explicar por que tanta gente usa softwares da Microsoft é que aqueles que não sabem muito sobre computadores geralmente perguntam a quem não entende muito sobre computadores: ?O que você está usando?? E ouve como resposta: ?Bem, estou usando Microsoft.? Foi dessa forma que o Windows se tornou um padrão, o que não quer dizer que seja um bom software.

DINHEIRO ? Não está na hora da Sun trocar de lema e, em vez de ?a rede é o computador? passar a usar ?a rede é o computador, o telefone celular, o palm top ou até mesmo o forno de microondas conectado à Internet??
GAGE ?
Sem dúvida, você tem razão. A questão crucial, desde que os cientistas começaram a usar os circuitos integrados para fazer coisas interessantes, lá nos anos 40, é que dar cada passo sempre custou muito caro. Muitas das coisas que estamos usando hoje, inclusive a Internet, já eram possíveis nas décadas de 50, 60 ou 70. A diferença é que hoje existem aparelhos dotados de alguma inteligência, capazes de conversar entre si. Isso permite que ganhemos escala e tornemos economicamente viáveis descobertas feitas há 20 ou 30 anos. O que é fantástico é ver a reação desses jovens cérebros de nossos tempos quando ficam sabendo que seu trabalho hoje já estava, em grande parte, escrito lá atrás.

DINHEIRO ? E qual será o próximo passo?
GAGE ?
O próximo passo será o desenvolvimento de processadores cada vez menores e mais baratos, com circuitos que poderão ser impressos em uma folha de papel ou no tecido de sua camiseta. E, então, fazer todos esses chips se comunicarem entre si. Há 160 anos surgiu o telégrafo, há 124 anos o telefone. Antes disso havia os sinais de fumaça, os tambores etc. Sempre existiu uma maneira de comunicação à distância. O que estamos fazendo é torná-la cada vez mais rápida, combinando as tecnologias disponíveis. E as combinações estão ficando tão intensas que hoje já não há grande diferença tecnológica entre um telefone celular e um palm top. Eles são praticamente idênticos: um processador, alguma memória, uma pequena tela e um teclado. Assim, a questão se resume a design, ou seja, como torná-los mais úteis às pessoas.

DINHEIRO ? Quando os celulares, palm tops e outros aparelhos desse tipo terão de fato importância como ferramentas para comércio eletrônico?
GAGE ?
Prosseguindo o raciocínio anterior, acho que a barreira do custo para o desenvolvimento das tecnologias de acesso à Internet através desses aparelhos já está superada e isso é uma realidade. O que vislumbramos agora é um novo desafio: como fazer com que esses aparelhos, que ainda falam línguas distintas, se comuniquem entre si. Cada aparelho roda a partir de um programa diferente, o que impede que eles troquem informações entre si. Agora precisamos chegar a um programa único, que permita a integração de todos eles. Há vários candidatos, como as tecnologias Java e Gini, da própria Sun. Qual delas é a mais apropriada? Qual a mais confiável? Precisamos definir uma série de padrões tecnológicos e mesmo comerciais para que haja um real impacto desses aparelhos no comércio eletrônico.

DINHEIRO ? Quanto tempo será necessário para que se cruze essas novas barreiras?
GAGE ?
Mais uma vez trata-se apenas de uma questão de custos. A tendência é de que os serviços básicos de telecomunicação passem a ser gratuitos. Então, teremos 3 ou 4 bilhões de pessoas usando aparelhos os mais diversos para se conectar à rede. Hoje temos 500 milhões de celulares conectados em todo o mundo. Em dez anos saímos do zero para esse total. Nos próximos dois anos, saltaremos para 1,5 bilhão de aparelhos sem fio. Isso significa que nesses dois anos serão vendidos 1 bilhão de aparelhos, sejam celulares ou esses novos produtos que estão chegando ao mercado. Por outro lado, há 900 milhões de linhas telefônicas fixas, que foram instaladas ao longo de mais de um século. Os celulares vão ultrapassar os fixos porque o custo caiu de forma assombrosa. Em 2005, talvez cheguemos a 3 bilhões de aparelhos sem fio. Isso provocará uma transformação profunda em todo o mundo. Mesmo os povos mais pobres terão acesso à comunicação. Quando a comunicação chega, tudo passa a ser mais eficiente. No campo dos negócios, veremos coisas que hoje são inimagináveis.

DINHEIRO ? Por exemplo?
GAGE ?
O que verificamos hoje é que as empresas estão descobrindo como são ineficientes em seus processos de compra, venda ou mesmo na organização interna. Nos últimos três meses assistimos a uma série de anúncios revolucionários que comprovam isso. No final de fevereiro, por exemplo, Daimler-Chrysler, GM, Ford, Fiat e Renault anunciaram que a partir de agora negociarão de forma conjunta com os fornecedores através de um portal business-to-business. Dois dias depois, Carrefour e Sears, dois gigantes do varejo, anunciaram uma ação semelhante. Quem quiser vender para eles terá de expor seus preços num website. São mais de 50 mil fornecedores, 50 mil empresas de todo o mundo, que terão de migrar de suas práticas convencionais, como passar preços por telefone ou uma tabela impressa para um comprador avaliar. E não acaba aí: eles terão de reavaliar seus preços diariamente para se manter competitivos. Isso virou uma onda. Hoje vemos o mesmo acontecendo na aviação, na química, na mineração. Mais de 20 setores partiram na mesma direção em poucos meses.

DINHEIRO ? Isso terá reflexos diretos em países cuja pauta de exportações está baseada em insumos, como o Brasil.
GAGE ?
Sem dúvida, um dos principais efeitos colaterais dessa nova forma de negociar está no fato de que os fornecedores terão de cortar preços, portanto vão ganhar menos. Haverá muito sofrimento para aqueles que forem menos eficientes. Não será preciso esperar cinco anos para sentir esses efeitos. No ano que vem o novo modelo já estará gerando resultados e isso deve ter um impacto muito grande mesmo nas relações entre países, como Brasil e Argentina, por exemplo, que concorrem em vários setores. A grande preocupação dos argentinos hoje é que sua economia é menos eficiente que a brasileira.

DINHEIRO ? Os computadores tendem a ficar restritos às operações entre empresas, enquanto que as pessoas utilizarão mais os aparelhos sem fio para, por exemplo, fazer compras via Internet?
GAGE ?
Os aparelhos sem fio serão utilíssimos tanto para o chamado business-to-business quanto no business-to-consumer. Mas concordo que o impacto deve ser muito maior no segundo caso. No caso da comunicação entre as empresas, o que deve acontecer é que as máquinas conversarão sem a necessidade de interferência humana, o que tornará ainda mais eficiente a produção e os negócios. Em dez anos, toda a estrutura organizacional das empresas terá de ser revista.