27/02/2002 - 7:00
“FHC é um homem de bem, mas multiplicou a dívida pública por dez”
O Jorge Paulo Lemann foi desleal e a parceria com o GP virou briga
DINHEIRO ? O que um homem como o sr., empresário bem-sucedido, faz ao lado de um candidato como o Lula?
JOSÉ ALENCAR ? Não vejo razão para colocar uma distância entre mim e o Lula, ou qualquer outro trabalhador brasileiro honrado. O Lula é um cidadão pelo qual tenho o maior respeito. No ano passado, ele me fez uma visita e demonstrou interesse em conhecer as fábricas. É um líder sindical de origem e habituado a esse meio. Eu teria preocupação em sair fazendo visitas a pessoas que tivessem problemas do ponto de vista ético ou moral. Não é o caso do Lula.
DINHEIRO ? O que os empresários esperam do próximo presidente da República?
ALENCAR ? Que ele não esteja divorciado do Brasil real, especialmente de quem produz. Economia não é apenas a administração da moeda. É um meio para os objetivos sociais. O governo deve recuperar a nossa auto-estima. Não somos xenófobos, mas queremos um presidente menos obediente, que defenda a soberania nacional, que levante a cabeça.
DINHEIRO ? E isso quer dizer que o governo do presidente Fernando Henrique está nessa condição submissa?
ALENCAR ? Ele é um diplomata, um poliglota, um intelectual, é um homem de bem. Mas não fez nenhum investimento em infra-estrutura. O governo vendeu grande parte dos ativos construídos no passado: o sistema siderúrgico nacional, o sistema de telefonia, hidrelétricas e a Companhia Vale do Rio Doce ? ou melhor, a doamos. Não fizemos nenhuma grande obra de infra-estrutura e, no entanto, a dívida pública é dez vezes maior. E, se projetarmos as taxas de juros atuais por mais alguns anos, provavelmente vamos parar em uma situação muito mais difícil do que a da Argentina hoje.
DINHEIRO ? O Congresso pode fazer algo para mudar isso ?
ALENCAR ? É preciso ter em mente que vivemos em um regime presidencialista, e que as decisões são tomadas pelo presidente. Não há essa força do Parlamento. O Congresso sempre aprovou tudo o que o governo quis, até mesmo a reeleição. Os empresários brasileiros precisam da reforma tributária, mas o governo não a deseja. As empresas brasileiras atravessam uma fase em que aquelas que sobrevivem já estão em vantagem. As que não levam duplicata ao banco estão bem.
DINHEIRO ? É o caso do grupo Coteminas?
ALENCAR ? Nosso ramo é de muito sacrifício. Sofremos muito na década de 90, quando empresas boas e tradicionais foram desativadas. Nossa decisão foi só comprar matéria-prima à vista e vender a prazo, e não descontamos duplicata em banco. Fazemos o papel de produtores e de banqueiros. Por isso estamos sobrevivendo. Se fôssemos ao banco com as nossas duplicatas, já teríamos provavelmente fechado a fábrica.
DINHEIRO ? A reforma tributária resolveria o problema dos empresários brasileiros?
ALENCAR ? Não. A verdade é que em se tratando da reforma tributária cada um tem a sua. Acredito no caminho clássico e acho que é melhor copiar bem que inventar mal. O problema são os impostos em cascata, como PIS e Cofins. Queremos um sistema tributário simples, que não sirva de entrave para o progresso. Nosso sistema é um verdadeiro cipoal tributário, que entrava a vida empresarial brasileira. Mas é preciso também dar um tratamento diferente às taxas de juros. O Brasil não pode continuar nessa política de juros elevados. Se dependermos dessa política para mantermos a moeda estável, então essa moeda estável é uma mentira. Não pode ter como conseqüência o fato de uma senhora pagar pela compra de uma geladeira juros de 8% ao mês. Isso reduz o poder de compra das pessoas. Tem de haver um Estado presente para regular isso.
DINHEIRO ? O que é um Estado presente na visão de um filiado do Partido Liberal?
ALENCAR ? Não queremos um Estado gordo, um Estado
hoteleiro, fabricante de móveis, de tecidos. Queremos um Estado atento à infra-estrutura. Presente para evitar que as linhas de transmissão sofram problemas como nesse último apagão. Queremos um Estado apertando todos os parafusos que separam os cabos. Queremos o Estado presente na construção das linhas de transmissão em tempo hábil.
DINHEIRO ? O sr. vê alguma contradição em uma aliança do PL, que tem uma base forte de políticos ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, com o PT?
ALENCAR ? Não, porque Deus abençoa
as intenções dessa aliança. Se ele abençoa, os evangélicos vão obedecer. Defendo uma aliança de todos os partidos de oposição, porque está na hora de adotarmos uma alternância no poder. Isso é bom para oxigenar a democracia e a máquina administrativa.
DINHEIRO ? A alternância de poder significa que PFL, PSDB e PMDB estariam fora do governo?
ALENCAR ? Eu quero que assuma o governo alguém que não esteja apenas preso à política monetária, aos ditames do sistema financeiro internacional. Não um técnico e sim um político. Temos de consagrar FHC como herói para o resto da vida porque ele venceu o monstro da inflação. Mas a alternância de poder é importante em toda parte. A ênfase agora deve ser dada à produção.
DINHEIRO ? E quem se encaixa nesse perfil?
ALENCAR ? Temos quatro pré-candidatos de oposição e todos reúnem essas condições. O governador de Minas Gerais, Itamar Franco, possui sentimento nacional, sensibilidade social e nada pesa sobre sua probidade. O Anthony Garotinho, que foi prefeito, deputado e hoje é governador do Rio de Janeiro, tem sido muito aplaudido. O Ciro Gomes foi premiado quando foi prefeito e depois governador do Ceará. E o Lula é um gigante, um dos maiores políticos da história do Brasil.
DINHEIRO ? O sr. vai ser o vice-presidente da chapa do PT?
ALENCAR ? A grande verdade é que as pessoas querem que eu seja candidato a governador, mesmo porque o vice não existe como candidato. É um convidado, é um acordo entre partidos, e isso pode acontecer porque eu sou um soldado do partido. Se o PL tomar uma decisão como essa, vou analisar.
DINHEIRO ? O Partido Liberal estaria em uma posição confortável ao lado do PT no palanque?
ALENCAR ? Há uma metáfora que diz: ?não importa a cor do
gato; o que importa é que ele cace o rato?. No Brasil, ela pode
ser traduzida para ?não importa a coloração partidária, o que importa é que se alcancem os objetivos sociais?. Então, não há mais distâncias entre os partidos. Precisamos fazer uma revolução no Brasil, nos voltarmos para a produção, prestigiar as empresas produtivas. Não com favorecimento, paternalismo ou subsídio, mas com tratamento igualitário.
DINHEIRO ? O que o sr. acha das idéias econômicas do PT?
ALENCAR ? O Lula disse que, se for consolidada a aliança com o PL, quer que participemos da elaboração do projeto de governo. E o programa será também discutido com a sociedade e distribuído para as entidades representativas das classes produtoras e lideranças políticas. O PT hoje está evoluído. Ninguém precisa temer o problema do comunismo. Se o Lula ganhar a eleição, terá ganho a maior liderança política de oposição conhecida no exterior. Os grandes jornais estrangeiros vão estampar a manchete ?As esquerdas acabam de vencer as eleições no Brasil?. A segunda manchete será ?As instituições democráticas estão consolidadas no País?. Essa história de ingovernabilidade é besteirol.
DINHEIRO ? No meio empresarial existe a ameaça da suspensão de investimentos no caso de vitória da oposição?
ALENCAR ? Os empresários vão correr, para trabalhar mais, produzir mais, porque vão voltar a acreditar no Brasil. No momento em que começarem a compreender que o Brasil precisa dessa mudança, o comportamento vai mudar.
DINHEIRO ? O que o sr. pensa de uma política industrial?
ALENCAR ? O governo precisa compreender que o Brasil é um continente. Há muitos ?brasis?. Não adianta dar um tratamento único. Tem de haver políticas industriais dos pontos de vista
regional e setorial.
DINHEIRO ? Qual é a abertura comercial que o sr. defende?
ALENCAR ? Nenhum país abriu tanto suas fronteiras como o Brasil, inclusive para o contrabando. Deve-se analisar caso a caso. A política de abertura comercial não pode ser feita por técnicos em Brasília, divorciados da realidade. Precisa ter a humildade de compreender que quem sabe é quem está fazendo. O presidente Fernando Henrique é um diplomata, mas, em matéria de vocação negocial, ele deixa a desejar.
DINHEIRO ? A Coteminas cresceu com subsídios da Sudene, por estar em uma área pobre de Minas. O que pensa desses subsídios?
ALENCAR ? Nós não tivemos subsídios. Tivemos incentivos. Eles foram propostos por uma legislação específica, transparente, aberta a qualquer empresa que quisesse participar. Isso foi feito para incentivar investimentos na região do Polígono da Seca, no norte de Minas. Subsídio é tratamento diferenciado, dado de forma especial. O primeiro projeto da Coteminas, em 1969, recebeu três cruzeiros para cada cruzeiro de recursos próprios. O segundo projeto recebeu o mesmo tratamento, mas só utilizamos 2,3% de recursos da Sudene e colocamos 97,7%. Os outros projetos foram todos feitos com recursos próprios, mas recebem a isenção do Imposto de Renda por dez anos. Essa é a razão pela qual nós reaplicamos tudo o que foi feito na própria área da Sudene.
DINHEIRO ? A sua empresa tem uma briga importante com o grupo GP, que alega ter sido lesado em R$ 100 milhões na compra da Artex. O que o sr. diz sobre isso?
ALENCAR ? Em 1997, o banqueiro Jorge Paulo Lemann nos procurou e acertamos uma sociedade para administrar a Artex. O que era uma parceria virou briga. Fomos surpreendidos com uma notificação pedindo revisão do contrato, com a alegação de que manipulamos os balanços da empresa para reduzir o preço. Entramos com uma ação criminal contra o dr. Lemann. Ele foi procurado por uma oficial de justiça e se escondeu para não receber o ofício. Ele deveria se envergonhar desse comportamento. Agora, tentam anular uma ata de assembléia geral da Coteminas e estamos vencendo a discussão. Querem anular um contrato que eles próprios elaboraram. Segundo alguns, essa operação é para justificar o prejuízo que estão dando aos condôminos do fundo. Mas podem fazer o que quiserem, porque não temos nada a esconder. E vamos até o último furo com eles.