No começo dos anos 1990, fui escalado para uma entrevista com o empresário Abraham Kasinski, o então poderoso presidente e controlador da Cofap, a maior fornecedora brasileira  de amortecedores e anéis para a indústria automobilística. A “viagem” de São Paulo a Santo André, no ABC paulista, onde estava instalado o QG da Cofap, foi um tanto conturbada. Naqueles dias, aparecera nas margens do poluído rio Tiete um jacaré, fenômeno que atraía a atenção dos motoristas, aumentando a lentidão do trânsito. Acabei chegando com uma hora de atraso ao compromisso. 

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Desaparece um dos últimos remanescentes dos tempos heroicos
da industrialização brasileira e um de seus empreendedores
mais originais e admiráveis.

Expliquei a razão a Kasinski, que nada comentou e propôs que começássemos a conversa, que durou pelo menos duas horas. Ao nos despedirmos, notei um daqueles sorrisos marotos, típicos do empresário, um contumaz contador de piadas. “Clayton, já ouvi todo tipo de desculpa esfarrapada de jornalista para justificar um atraso, mas essa é a primeira vez que alguém coloca um jacaré na história”, disse Kasinski, em meio a uma sonora gargalhada. Provavelmente, aquela foi uma das últimas vezes em que o vi tão descontraído. 

Tudo parecia correr bem para ele: não apenas a Cofap consolidava sua liderança inconteste no mercado nacional como Kasinski tinha a seu lado os dois filhos, Renato, diretor-financeiro, e Roberto, o primogênito, que ocupava a diretoria de vendas e marketing, depois de um período de afastamento da empresa. Era um tempo em que a Cofap, que Kasinski fundara em 1951, no segundo governo do presidente Getúlio Vargas, em sociedade com o irmão mais velho, Bernardo, era sinônimo de qualidade e de inovação tecnológica, características que compartilhava com outro ícone do setor industrial, a Metal Leve, do empresário José Mindlin, por sinal, fundada no mesmo ano que a Cofap. Não por acaso, a empresa de Kasinski exportava para mais de 90 países. Como num passe de mágica, a situação mudou radicalmente nos anos seguintes. 

 

Mergulhados numa disputa feroz pelo controle da empresa, os Kasinskis entraram em pé de guerra – a proposta de profissionalização, com a transferência da família para o conselho de administração, feita pelos filhos, foi rechaçada com estardalhaço e publicamente pelo patriarca. Para piorar, o conflito não se limitou aos negócios, levando ao rompimento das relações familiares. Fragilizada internamente, sem rumo, a Cofap acabou tendo um destino semelhante ao de centenas de empresas nacionais (a Metal Leve, de Mindlin, entre elas), que sucumbiram  diante da abertura de mercado patrocinada pelo governo do presidente Fernando Collor, sendo adquirida pela italiana Magneti Marelli, do grupo Fiat, e pela alemã Mahle, em 1997. 

 

Nessa altura, Kasinski, filho de judeus russos que emigraram para o Brasil em 1917, estava com 80 anos de idade. Seu espírito inquieto não lhe permitiu, porém, que gozasse uma aposentadoria confortável e despreocupada. Logo se meteu em outra empreitada, a criação de uma fábrica de motocicletas, logo depois de deixar a Cofap. Sua reinvenção como empresário lhe valeu o título de Empreendedor do Ano de 2002, concedido pela DINHEIRO. Somente há dois anos, com a venda da fábrica para os chineses da CR Zongshon, Kasinski deixou a cena. Com sua morte, na quinta-feira 9, desaparece não apenas um dos últimos remanescentes dos tempos heroicos da industrialização brasileira, mas um de seus empreendedores mais originais e admiráveis.