Presidente da “greentech” BMV, Maria Tereza Umbelino é uma mulher despachada. Num evento com pouco mais de 30 mil pessoas, no qual daria uma palestra, percebeu que teria de disputar a atenção da plateia com celulares e outras telas. Não teve dúvidas: tomou o microfone e disse que estava ali para ensinar como deixar pau de pé. Todas as orelhas se levantaram. Emendou com um trocadilho depois do outro, o público explodiu em gargalhada e, com a atenção de todos nas mãos, pôde explicar o que é a UCS (Unidades de Crédito de Sustentabilidade), um “token” que paga aos agricultores para que as florestas fiquem em pé. Agora, ela quer colocar as UCS em qualquer produto financeiro, além dos ligados ao agronegócio. “Token” é a representação digital de um ativo real com uso da tecnologia de “blockchain”.

Economista de formação, Umbelino, de 57 anos, ajudou a criar o banco de fomento de Goiás, foi professora universitária e teve passagens pelos setores público e privado. Mas foi na busca pela solução de um problema em sua casa que começou a trilhar um longo caminho para a criação das UCS, a base das Cédulas de Produto Rural (CPR) Verdes, que já superam 233 milhões de negociações e são cotadas na B3. No entanto, na época da definição do Código Florestal, seu pai, produtor rural em Goiás e Mato Grosso, poderia ser autuado por ter desmatado menos do que a lei determinava.

Atrás de uma alternativa, Umbelino foi ao Ministério do Meio Ambiente e ouviu que os produtores não seriam remunerados pela mata preservada. Com o novo marco legal, ela se tornaria um custo, jamais um ativo. Resolveu então juntar produtores numa audiência pública em Santa Cruz do Xingu (MT) e começou ali, em 2007, a trilhar o caminho que inverteu o raciocínio: transformar a preservação da floresta em ganho, como se fosse uma safra anual, ao lado de outras culturas, como milho, soja ou café.

“A lógica era que, se cuidar da floresta era um trabalho, ele deveria ser remunerado”, diz ela.

Só que, à época, as consultas a advogados e especialistas mostraram que não havia marco legal para embasar essa tese. Ao lado dos produtores, conseguiu criar uma atividade reconhecida por lei, de agricultura de conservação da natureza. Ela também atuou ativamente para a elaboração do Novo Código Florestal, que permitiu o modelo.

Antes, porém, era preciso medir e quantificar os ativos produzidos pela floresta em pé. Mais uma vez, Umbelino foi atrás dos especialistas que identificaram 27 serviços prestados pela mata, entre eles formação de solo, armazenamento de carbono, abastecimento de aquíferos, polinização e regulação do clima. “Quando essa medição torna-se possível, o negócio passa a ser tangível: torna-se um ‘token’, produzido por uma ‘blockchain’ e, portanto, inviolável, e a UCS vira um produto como qualquer outro”, diz ela.

No início, porém, não havia blockchain, nem dinheiro para pagar os especialistas que desenvolveram os padrões desse sistema. Foram mais de 70 entidades – entre universidades, consultorias, auditorias e outros profissionais – remunerados em UCS e com eventuais prestações de serviços.

“Sempre tivemos uma lógica cooperativa”, diz ela. Na distribuição dos recursos negociados pelas UCS, 60% ficam com os produtores (sendo metade destinada à comunidade na qual ele está inserido), 30% vai para a BMV e 10% remunera o investidor financeiro. A BMV hoje fatura R$ 30 milhões anuais e já atingiu o ponto de equilíbrio, ou “breakeven”.

Logo no início do processo, um primeiro projeto, feito com a Vale, por exemplo, permitiu o mapeamento das áreas, cálculos e repasses iniciais a alguns proprietários rurais, de diferentes portes. “Sempre formamos grupos de pelo menos 20 produtores rurais, num raio de 200 quilômetros, que se comprometem a preservar a floresta por 25 anos”, diz ela. “Não há como preservar se elas estiverem em propriedades isoladas.”

Detalhe: sem a blockchain, o monitoramento era feito por QR Code, que identificava a propriedade, seus donos e a situação da preservação. A greentech, aliás, nasceu bem antes desse conceito existir.

“Usávamos a georreferenciação quando o conceito mal existia”, afirma. “Era o que havia de mais moderno na época e conseguíamos acesso à tecnologia graças às parcerias com as universidades.” Para o futuro, inteligência artificial e um painel de controle (dashboard) que torne os cálculos do valor agregado pelos serviços florestais mais fáceis.

Compensação

Se até então o desafio da BMV era prestar serviços de medição e organização das UCS, após a primeira apresentação sobre a metodologia no exterior, em 2011, começaram a ser feitas as primeiras vendas para estrangeiros, via plataforma Markit. Eram pequenas, mas mostravam a perspectiva do negócio, que hoje tem 516 clientes ativos, que compram com recorrência as UCS e quase 300 produtores rurais, com mais de um milhão de hectares das regiões Norte e Centro-Oeste cadastrados no sistema, além de uma grande fila de interessados.

Isso porque a cotação de cada UCS tem girado em torno de R$ 140. A cotação oscila conforme uma série de itens que indicam o custo de oportunidade, como culturas de grãos e o preço da própria madeira dura no mercado internacional.

“Um hectare de terra na Amazônia produz mil UCS e, se todas forem negociadas, não há cultura que pague o mesmo valor”, diz ela. “O eucalipto, que é a produção mais valiosa, rende R$ 1,7 mil por hectare, por exemplo.”

Para o investidor, como a Starbucks, que emitiu uma Nota Comercial Privada Verde de R$ 20 milhões financiada pelo BV e estruturada pela BMV, no fim do ano passado, o investimento é diluído em cada produto vendido. Por centavos a mais no café, por exemplo, a empresa consegue oferecer ao cliente um produto com equivalência de impacto ambiental.

O custo do dinheiro, em muitos casos, também fica mais em conta. Entre as empresas que usam as UCS estão muitas pequenas e médias transportadoras, que oferecem a compensação ambiental como um serviço a mais nos fretes prestados a grandes companhias multinacionais. A margem das empresas de logística, nesse caso, chega a ser 30% maior.

João Marcello Gomes Pinto, sócio da consultoria especializada em edificações Sustentec e cofundador da Pachamama Investimentos, trabalha na área de sustentabilidade há 15 anos e, há pelo menos três, conheceu o trabalho de Umbelino e da BMV. Para ele, é uma iniciativa inovadora. “É uma visão parecida com a nossa, de entender a vocação do Brasil como protagonista em soluções ESG (ligadas às boas práticas ambientais, sociais e de governança) e de combate à mudança climática”, afirma. “Enquanto não incorporarmos valores e serviços prestados pelo meio ambiente ao ciclo econômico, ele continuará relegado à segunda instância.”

O principal desafio da BMV, agora, é dar escala ao uso das UCS em todo e qualquer produto financeiro. A ideia é usar o apelo das ofertas que compensem o impacto ambiental em toda e qualquer área. Outro é a regulação fundiária, já que apenas 10% das florestas brasileiras são elegíveis para gerar esse tipo de produto. Parques nacionais e terras indígenas ainda não entram nesse grupo, e Umbelino terá mais um desafio para destravar.