Dizer que o Brasil é um país de contrastes virou jargão há muito tempo. Mas o mundo dos negócios acaba de se dar conta de outro grande contraste da nação verde-amarela: o ritmo das vendas nas grandes redes varejistas. Enquanto no Sul e Sudeste a maior cadeia de lojas do país ? a Casas Bahia ? registra resultados 5% menores (no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2005), a rede A Insinuante, de Lauro de Freitas, na Bahia, com 226 lojas em 11 Estados, comemora um faturamento cada vez maior. Chegará até o final do ano com 30 novas lojas ? a maioria no Nordeste, onde já concentra boa parte de suas operações. Qual a razão para tamanha discrepância? Um certo programa do governo federal chamado Bolsa Família.

Enquanto nos Estados mais ricos da Nação o comércio sofre com consumidores endividados até o pescoço, a população das regiões mais pobres ? principalmente no Nordeste ? vive um momento peculiar. Graças ao aumento do salário mínimo em maio passado de R$ 240 para R$ 350 e aos repasses de recursos federais (entre 2000 e 2005, as transferências governamentais no Nordeste saltaram de R$ 10 bilhões para R$ 19 bilhões), a renda das famílias mais pobres subiu – e não foi pouco. Segundo o IBGE, 53 milhões de pessoas ? a maior parte naquela região ? tinham, em 2005, renda correspondente a meio salário mínimo da época, ou seja, R$ 120. Com programas como o Bolsa Família, que prevê um reforço de R$ 15 a R$ 45 por mês, grande parcela dessa população viu seu poder aquisitivo crescer 37%. ?Em um primeiro momento, esse pessoal usou o dinheiro a mais para comprar alimentos. Depois, passou a fazer pequenas compras parceladas?, analisa o consultor e professor da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, Ulysses Reis.

É aí que entra A Insinuante. Com propaganda ostensiva na TV, rádio e distribuição em massa de panfletos, a rede fisgou os novos consumidores, que antes não tinham condição de fazer um crediário. A propaganda foi tanta ? R$ 110 milhões investidos em publicidade no ano passado ? que a empresa se tornou o segundo maior anunciante do País, atrás apenas da sempre primeira Casas Bahia.

Com ofertas anunciadas aos quatro ventos e a possibilidade de pagamento em várias prestações, a empresa cresceu 48% no ano passado e alcançou uma receita anual de R$ 1,6 bilhão. A meta é chegar ao final de dezembro com mais 20%. Fundada pelo pernambucano Antenor Liberal Batista e presidida por seu filho, Luiz Carlos, A Insinuante abriu este ano megalojas em Natal, no Rio Grande do Norte, e no Recife, em Pernambuco. Não à toa: as duas capitais concentram grande número de beneficiados pelos programas sociais do governo ? o que acabou se refletindo na economia local. Em Natal, por exemplo, o faturamento real do comércio varejista cresceu 20,10% nos seis primeiros meses do ano, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio. Recife ficou com quase 5% de aumento.

“O Nordeste está vivendo hoje um ciclo que o Sudeste experimentou a partir de 1994, com a criação do Plano Real”, diz o professor. “Na década de 90, a parte mais pobre do povo teve ganhos com o fim da inflação e começou a consumir, usando o crediário. Isso, entretanto, não aconteceu no Nordeste, que está passando por essa fase somente agora”, explica Reis. Bom para A Insinuante, que soube aproveitar.

A Insinuante, em números

226 lojas em 11 Estados
30 novas lojas este ano
10 mil funcionários
20% de crescimento em 2006*
R$ 110 milhões foi a verba para publicidade em 2005