06/04/2018 - 15:26
Faltando 15 horas para esgotar o prazo estabelecido para se entregar à prisão, O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apareceu na janela do segundo andar e sorriu. Usou as duas mãos para acenar àqueles que ainda continuavam na vigília em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo, apesar de a madrugada avançada já ter encerrado o rodízio de discursos no carro de som. Olhando de cima para baixo, Lula, apoiado no parapeito, mandou beijos. Com os punhos cerrados, gesticulou como se fosse noite de vitória.
Os apoiadores, na rua, tinham as cabeças levantadas – ou então não conseguiriam ver seu líder vibrar lá da janela. Eram militantes do PT, sindicalistas, socialistas, comunistas, sem-teto. Haviam recebido o “chamado” pela liberdade de Lula e estavam prontos para “resistir”.
Boa parte vestia camisetas com o rosto do ex-presidente; outros, de Che Guevara. E faziam tremular uma dúzia de bandeiras, nem todas vermelhas. Engrossavam o coro movimentos estudantis e outros partidos de esquerda. “Lula, guerreiro do povo brasileiro”, repetiam, em uníssono, às 2h da manhã. E alternavam: “Lula na veia, Moro na cadeia”.
Menos de 5 minutos depois, Lula saiu das vistas do povo e voltou à privacidade da sala onde se reunia, de portas fechadas, com os filhos e aliados políticos. Estava pronto para passar a noite no sindicato, acomodado em uma poltrona, mas ainda não havia decidido o que fazer depois.
Vigília
Antes de dar meia-noite, o número de militantes que chegavam para a vigília já era menor do que os que iam embora. Entre os apoiadores, chamava atenção os sem-teto, muitos deles vindos da Ocupação Povo Sem Medo, do MTST, também em São Bernardo. Convocados ao ato, espalharam colchões pela calçada e chegaram a construir um barraco de madeira ao lado do sindicato.
Preparados para acampar, o primeiro grupo de sem-teto chegou com dois panelões de aço, água mineral e 5 quilos de arroz. “Tem estrutura para passar seis meses aqui”, comentou um deles. De braços cruzados, uma mulher sentou encostada na grade do sindicato. Do seu lado, um homem de boné deitou sobre uma lona. “É de onde, do Estadão?”, ele perguntou, para logo depois se recusar a falar. “A gente não pode dar entrevista, não.”
Poucos metros abaixo, uma equipe da ‘Record’ tentava gravar uma passagem na rua. Foi quando uma militante, de saia indiana, tapou a lente da câmera com um cartaz. “Jornalista é criminoso”, disse. Logo, formou-se um grupo de cerca de 50 pessoas que cercou o repórter e o cinegrafista. “Golpistas, golpistas, não passarão!”, gritava o grupo, de braços levantados.
Membros do sindicato tiveram de abrir e trancar rapidamente um portão lateral para que os dois pudessem se desvencilhar do bando. Um jovem, de camiseta vermelha, encarou a grade fechada e ergueu o punho cerrado, sinal antifascista. “Fogo na Globo”, gritou em seguida. Mais cedo, haviam atirado ovos contra repórteres que trabalhavam no local.
O discurso contrário à imprensa era repetido no microfone por políticos, sindicalistas, representantes da juventude negra e quem mais subisse no carro de som, onde se lia “Lula Livre” em um cartaz escrito à mão.
Só perdia para as falas contrárias ao juiz Sérgio Moro, comandante da Lava Jato e responsável por decretar a prisão. “Cujo único prazer é encarcerar nossos sonhos representados em Lula”, discursou Jandira Feghali, do PCdoB. Na fala de outros, Moro chegou a ser chamado de “juiz de primeira instância”, “tarado por Lula” e “lixo da História”.
Do palanque, os oradores convocavam o povo “à luta”. “Lula, conte com as foices do MST”, disse o coordenador nacional do movimento, João Paulo Rodrigues. “A condenação é a continuidade do golpe”, disse Luiz Marinho, pré-candidato ao governo de São Paulo pelo PT. “Luta e energia vão levar à reversão. Precisamos combinar a estratégia dos nosso juristas com a luta de massa, enchendo as ruas.”
Também anunciavam a chegada de caravanas, incluindo três ônibus que estariam viajando de Brasília. O número de presentes, no entanto, caía. Enquanto vibravam com os discursos, o militantes bebiam Heineken ou Catuaba. Um homem, visivelmente bêbado, pedia que lhe pagassem uma dose de cachaça. “Tô rouco”, dizia, com a voz falhando de tanto gritar. “Vim de Valadares, Minas Gerais”, repetia. Faz parte de algum movimento? “Pê-Tê”, respondeu apontando para o broche da estrela vermelha presa na lapela.
Com o passar das horas, foi aumentando o número de ambulantes que vendiam bebida, espetinho e hot-dog. “Tem de aproveitar o negócio, mas o que é certo é certo”, dizia o caminhoneiro Roque Ferraz, de 55 anos que chegou a ter uma frota de três veículos mas precisou vendê-la por causa da crise, conta. “E o certo é, se condenou, ele tem de ser preso. Se pobre rouba uma lata de sardinha vai parar no CDP, por que para ele tem um monte de recurso?”
Até o fim da noite de quinta, Lula não discursou. Enquanto os apoiadores se preparavam para resistir, fez sessão de fotos e discutiu os próximos passos. Era maioria quem defendesse, como melhor opção, esperar a Polícia Federal vir buscá-lo para ser fotografado nos braços de uma multidão a caminho da cadeia.
Não podia receber algemas, por ordem de Moro, e nem ser considerado foragido, uma vez que tinha paradeiro conhecido. Para a minoria, ele deveria se entregar antes. “Isso a gente resolve amanhã (sexta-feira)”, teria comentado o ex-presidente, segundo presentes.
Por volta da 1h40 desta sexta, diversos aliados deixaram o local com a promessa de retornar pela manhã. A essa hora o aliado antigo de Lula, com quem foi preso nos anos 1980, Djalma Bom já estava dormindo. “Eu tinha certeza que iria ser decretada a prisão porque tudo já estava montado. Só foi surpreendente que tenha sido tão repentinamente”, disse o sindicalista que encontrou o ex-presidente após o STF negar o habeas corpus preventivo. “Ele estava muito tranquilo porque tinha certeza da sua inocência. Quando a gente foi preso injustamente pela Lei de Segurança Nacional, fomos absolvidos depois. A História vai absolvê-lo de novo.”
Ao lado da mulher Ana Estela e dos dois filhos, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad saiu sem falar com a imprensa. Na leva, estava o ator Aílton Graça, vestido com uma camisa do Corinthians e um boné de São Jorge, e o ex-senador e vereador Eduardo Suplicy.
Mais cedo, a ex-presidente Dilma Rousseff, o senador Humberto Costa, entre outros políticos, já tinham saído. Lula estava sereno, disseram todos. No fim, queria receber cumprimentos de amigos e ficar com pessoas queridas. Para o provável último jantar antes de ser preso, escolheu comer uma pizza.