Expurgos, confiscos, maquiagem. Na rica história da inflação brasileira, não faltaram artifícios para tornar mais manso ou mais belo um monstro que nos assombrou durante anos. De tão presente, ganhou até uma expressão física na figura mitológica do dragão, contra quem nossas autoridades econômicas travavam quixotescas batalhas. Na falta de armas contundentes, montavam armadilhas em que imaginavam aprisionar a astuta fera e matá-la por inanição. Nenhum episódio desse gênero foi tão emblemático como o da “inflação do chuchu”, de 1977. 

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Confrontado com uma aceleração na alta de preços no primeiro trimestre daquele ano (atingiu 4% ao mês em março), o então ministro da Fazenda Mario Henrique Simonsen encontrou nos hortigranjeiros um bode expiatório. E, do alto de sua genialidade, bradou: “Essa inflação é do chuchu.” Para combatê-la, deixou o dragão de lado e matou o legume, diminuindo o peso do preço do vegetal na composição do índice inflacionário. Caíram na armadilha os brasileiros. Comendo menos chuchu, o dragão alimentou-se de outros bens e, ao invés de emagrecer, engordou.

 

Na semana passada, uma nostalgia daqueles tempos heroicos atormentou cabeças Brasil afora. Bastou o IBGE anunciar mudanças na lista de itens que compõem o IPCA, índice oficial da inflação brasileira, para que os mais afoitos enxergassem no ministro Guido Mantega e no presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, o mesmo afã de atacar o dragão com as lanças da ilusão. Com a inflação no teto da meta (6,5% ao ano) e o desejo declarado de recolocá-la em seu eixo central (4,5% ao ano), teriam eles encomendado o expurgo do chuchu e outros produtos e serviços de modo a anestesiar a fera e facilitar seu trabalho? 

 

A memória do passado é útil, desde que não leve a associações fáceis ou falsas. O medo do dragão deve permanecer e as desventuras enfrentadas em outros tempos nos servir de exemplo, mas não podemos criar monstros imaginários. A mudança promovida pelo IBGE entrega ao governo uma ferramenta atualizada de gestão, que reflete com mais clareza o que o brasileiro realmente consome hoje e quanto cada item pesa em seu orçamento. Se aparece à mesa cada vez mais raramente, por que o chuchu deveria despontar no IPCA? Que saia logo e dê lugar ao salmão, presente em qualquer bufê de restaurante por quilo. E também aos gastos com internet, telefonia celular e tevê a cabo, entre outros, que levam uma fatia cada vez maior da renda das famílias. Que o dragão descanse em paz.