Qualquer pessoa que tenha mudado de casa, ao menos uma vez na vida, sabe qual é a maior dificuldade na hora de transportar sua mobília: carregar a geladeira. Além de grande e pesado, o eletrodoméstico não pode ser deitado, o que torna seu deslocamento ainda mais complicado. Os problemas não acabam depois de colocá-lo no caminhão. Chegando ao seu destino, a geladeira não pode ser ligada imediatamente ou poderá sofrer danos irreversíveis. Ou seja, esqueça qualquer alimento congelado ou conte com a ajuda dos vizinhos. Uma inovação desenvolvida pela Embraco, fabricante brasileira de compressores – o componente principal das geladeiras – controlada pela americana Whirlpool, promete acabar com essa dificuldade.

A empresa criou uma versão do equipamento que não usa óleo. Dessa forma, além de menor, ele funciona em qualquer posição. Mais do que uma facilidade para os carregadores, a novidade traz um enorme ganho logístico. Sem poder deitar as geladeiras, os fabricantes de freezers e refrigeradores, como a Whirlpool, acabavam perdendo muito espaço nos contêineres, elevando o custo do transporte. É exatamente esse tipo de novidade que vem fazendo da Whirlpool, vencedora do setor de eletrodomésticos e eletroeletrônicos no prêmio As Melhores da Dinheiro 2013, uma verdadeira máquina de fazer dinheiro, graças ao que se poderia chamar de inovação de resultados.

Dona de marcas consagradas, como Brastemp e Cônsul, incorporadas, assim como a Embraco, com a compra da Brasmotor, no ano 2000, e da KitchenAid, a companhia se apoia no lançamento de produtos para multiplicar seus lucros. No ano passado, cerca de 160 novidades foram colocadas no mercado, só no Brasil. A expectativa é de aumentar esse número para 180 neste ano. Os números comprovam a eficácia da estratégia. O lucro da empresa no País avançou 34% em 2013, para R$ 812,7 milhões. Seu faturamento chegou a R$ 9,33 bilhões, alta de 10,4%. No início deste mês, o conselho mundial da companhia anunciou planos de elevar os dividendos pagos aos acionistas em 20%, além de um plano de recompra de ações que pode movimentar cerca de US$ 500 milhões.

“Essas ações mostram a nossa confiança na estratégia de inovação, que já trouxe resultados recordes”, afirmou, em nota, Jeff Fettig, CEO mundial da Whirlpool. A opção preferencial pela inovação na Whirlpool, empresa centenária com sede em Benton Harbor, no Estado de Michigan, nos Estados Unidos, não surgiu por acaso. Também não provém da cabeça de algum gênio inventivo, como no caso da Apple, de Steve Jobs. Na verdade, ela é fruto de um sistema de métodos e métricas desenvolvido pela companhia, sob a batuta de Nancy Tennant, vice-presidente de inovação. Seu objetivo é colocar a ciência e o desenvolvimento de produtos lado a lado, sempre com foco no consumidor e, mais importante, na rentabilidade.

“Não pensamos apenas na tecnologia, mas sim de uma forma mais ampla”, afirma Nancy. “Usamos, por exemplo, o fato de as famílias terem cada vez menos tempo para gerar novas ideias. Em seguida, promovemos o cruzamento dessas ideias com as áreas de tecnologia, financeira e de produção.” Da intersecção desses elementos, surgem produtos que serão colocados no mercado. Trata-se de um processo inverso ao que geralmente acontece nas companhias, que partem de uma tecnologia recém-criada para desenvolver novos produtos. Na Whirlpool, o produto vem antes. A partir de uma ideia é que se passa a pensar em qual tecnologia pode viabilizá-la.

“As ideias surgem de vários lugares, dentro e fora da companhia, e muitas já estão formatadas”, afirma Nancy, que virá ao Brasil para participar da conferência da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvi­men­to das Empresas Inovadoras (Anpei), nos dias 28 e 29 de abril. Atualmente, o tempo gasto desde a concepção da ideia até a chegada do produto ao mercado é de cerca de quatro meses. “O ciclo de vida dos produtos está cada vez menor”, afirma Nancy. “Antes, levávamos mais de um ano para lançar uma novidade. Os consumidores não querem mais esperar tanto.” O novo compressor da Embraco é um bom exemplo de como esse processo funciona.

A ideia surgiu da necessidade de um melhor aproveitamento logístico dos contêineres. Parte do conhecimento usado no projeto veio de estudos realizados pela fabricante de eletrodomésticos australiana Fisher & Paykel, nos anos 1990. A dificuldade estava no custo. O problema foi resolvido com a ajuda da Universidade Federal de Santa Catarina, que desenvolveu um processo de tratamento de peças 40% mais barato do que os convencionais. “Essa tecnologia tem potencial para se tornar um padrão na indústria em alguns anos”, afirma Armando Valle, vice-presidente de relações institucionais da Whirlpool na América Latina. “Mas, como toda inovação, ela tem um tempo para dar retorno financeiro.” A Whirlpool trabalha com metas bem claras de rentabilidade.

Nos casos de inovações em produtos já existentes, o prazo para que a novidade dê resultado é de quatro meses. Novos produtos ganham mais tempo: entre três e cinco anos. Se não der retorno, e se não for, digamos, uma Brastemp, por melhor que seja a ideia, o produto é descontinuado. “Existe uma cultura no Brasil de que a pesquisa científica e tecnológica não pode servir para gerar lucro às empresas”, afirma Naldo Dantas, secretário-executivo da Anpei. “Mas é isso que promove e sustenta boa parte do desenvolvimento científico e as empresas precisam pensar na universidade como um gerador de novos negócios.” Na operação brasileira da Whirlpool, 30% do faturamento provém dos produtos lançados há menos de um ano. É a prova de que o mundo acadêmico e o corporativo não estão tão distantes quanto se pensa.