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AOS 70 ANOS, O BANQUEIRO Joseph Safra continua fiel aos princípios de seu pai, Jacob Safra. O fundador do bicentenário grupo financeiro dizia que, para navegar nas águas turbulentas do sistema bancário, um banco deveria ser construído como um barco: sólido o bastante para enfrentar, com segurança, qualquer tempestade. Dois anos após a tempestade que atingiu o Banco Safra no Brasil e culminou com a saída do irmão Moyse Safra da sociedade, Joseph não só reconstruiu a embarcação como reforçou a tripulação. Rossano Maranhão, ex-presidente do Banco do Brasil, assumirá o timão em poucas semanas, no lugar de Carlos Alberto Vieira, que passará para o conselho de administração. Maranhão será a face mais visível dessa nova era, mas não a única. Executivos mais jovens, com passagens pela concorrência e pelo governo, estão sendo contratados para substituir a velha-guarda do Safra. E Joseph abre cada vez mais espaço para seus filhos Jacob, Alberto e David.

Na longa travessia da própria sucessão, Joseph mandou os filhos para a ponte de comando e os cercou de oficiais tarimbados nos últimos meses. Três deles conhecem como ninguém os meandros do poder em Brasília – um trunfo importante num setor altamente regulado e suscetível aos mandos e desmandos da Fazenda, da Receita e do Banco Central. Contratado há um ano para a área de varejo, o novo presidente Rossano Maranhão fez sólida carreira no Banco do Brasil e o comandou de 2004 a 2006. Carlos Eduardo Monteiro, o novo diretor jurídico, foi procurador-geral-adjunto da Fazenda, procurador-geral do Banco Central (nas gestões de Armínio Fraga e Henrique Meirelles) e, recentemente, presidiu a Nossa Caixa Nosso Banco, em São Paulo. E Paulo Sérgio Cavalheiro, titular de auditoria, foi diretor de Fiscalização do Banco Central.

Maranhão será o responsável pela representação institucional do banco, cuidando da interlocução no governo, no Congresso Nacional e junto às entidades de classe, como a Febraban. A construção de pontes em Brasília não é novidade na estratégia do Safra, mas ganhou força recentemente. A capa do relatório anual de 2006, distribuída no ano passado a clientes em vários países, tem como tema o Programa de Aceleração do Crescimento, tão caro ao presidente Lula. Dentro, artigos sobre o PAC, um deles de autoria do ex-presidente José Sarney. O relatório de 2007 está em fase final de elaboração e o assunto principal é a bioenergia, outra bandeira importante do governo. “Essa aproximação com o poder é sintomática. O Safra está vivendo a maior mudança cultural de sua história”, diz um banqueiro. “Durante muitos anos, a cara do banco foi o Dr. Joseph Safra. Depois, ele desfez a sociedade com o irmão e colocou os filhos. Eles têm talento, mas ainda não são banqueiros.”

Na prática, os três filhos homens de Joseph já trabalham no banco e, segundo consta no mercado, têm mesmo DNA de banqueiro nas veias. Jacob, o mais velho, tem 33 anos, mora na Suíça e cuida das operações do Safra no Exterior. O grupo tem bancos independentes nos Estados Unidos, na Europa, no Oriente Médio, na América Latina e no Caribe. Lá fora, a especialidade é o private banking, ou seja, a gestão de fortunas. Estima-se que a soma das operações da família no Exterior seja três vezes maior que a brasileira. A principal diferença é que, aqui, o grupo atua de forma mais ampla, com atividades de banco comercial, de investimentos, seguros, leasing e intermediação de valores mobiliários, entre outras.

No 23º andar da sede na avenida Paulista, em São Paulo, um acima do escritório do pai, o filho do meio, Alberto, é o responsável pelo banco comercial. Tem 29 anos, estudou na tradicional escola de negócios Wharton, nos Estados Unidos, e conhece o banco como ninguém. “Ele tem um QI muito elevado e trabalha no banco desde os 15 anos”, afirma um funcionário. Ganhou força e experiência à frente do banco J. Safra, criado durante a disputa entre Joseph e Moyse e que, agora, está sendo absorvido. Seu irmão mais novo, David, também passou por Wharton e está sendo preparado para assumir o banco de investimentos e a corretora. “Ele trabalhou um tempo no Pactual, com André Esteves”, afirma um banqueiro. Cada um dos filhos, portanto, tem seu próprio espaço na organização e deve assumir gradualmente as funções de comando de Joseph. A quarta filha, Esther, é casada com um banqueiro, Carlos Dayan, do Daycoval, e dedica- se à escola bilíngüe judaica Beit Yaacov, em São Paulo.

O patriarca Joseph continua freqüentando o banco diariamente e participando das decisões mais importantes. Às vezes, envolve-se em detalhes, como a política de recursos humanos e o desligamento de funcionários antigos. Como acontece em toda transição desse tipo, em que um pai bem-sucedido cede à necessidade de renovação e transfere aos filhos a obra construída em toda a vida, há visões conflitantes. Os filhos e os executivos querem que o banco fortaleça a governança corporativa e apareça mais na mídia para aumentar a exposição junto aos clientes-alvo. O patriarca, como sempre, detesta aparecer e prefere a tradicional discrição que mantém há mais de meio século. No final, manda quem pode, obedece quem tem juízo. Há consenso de que, apesar de toda essa revolução corporativa, a cultura Safra – baseada em conservadorismo na concessão de crédito, forte controle de custos e investimentos em modernização – deve prevalecer.

Nessa fase de transição, os Safras cercaram-se de executivos experientes e bem-sucedidos. Saíram altos executivos de longa data na organização, como João Carlos Chede e Ildefonso Petrini. No lugar de Tales Procópio de Carvalho, entrou Alex Zornig, que fez carreira no BankBoston e estava no Banco Itaú. Zornig, famoso por cortar custos no banco americano, cuida das áreas contábil, fiscal, tecnologia e operações. Marcelo Santos, também ex-BankBoston, comanda os recursos humanos. Renato Pasqualin, ex-ABN Amro, foi contratado para a área de crédito. Um ex-tesoureiro do Citibank deve ser contratado em breve para fazer a gestão da fortuna pessoal de Joseph Safra, cargo que foi recentemente ocupado por Ricardo Gallo, outro ex-bostoniano. O banqueiro, segundo a revista Forbes, é o segundo DO PAÍS brasileiro mais rico do mundo, com uma fortuna de US$ 8,8 bilhões.

Todos têm a missão de ajudar a fortalecer a presença nos nichos de mercado nos quais o Safra cresceu, especialmente o chamado middle market, de médias empresas, as pessoas físicas de alta renda e as grandes fortunas. Existe uma percepção de que os antigos clientes abonados do BankBoston (comprado pelo Itaú) estariam insatisfeitos com o serviço do Itaú Personnalité. Para conquistá-los, o Safra contratou mais de 70 novos gerentes. Na briga com os grandes, o banco também quer crescer na área corporativa, de atendimento às grandes empresas. Deve bater de frente, portanto, com o Itaú BBA e o BBI, do Bradesco. Não satisfeito, pretende avançar no atendimento às pequenas empresas, área em que o Banco do Brasil atua em todo o País e Maranhão domina muito bem.

Se tiver espaço na gestão, o expresidente do BB tem qualidades de sobra para enriquecer a nova estratégia do Safra e sua execução, acreditam seus amigos próximos. “É uma das pessoas mais competentes que já conheci e que, certamente, irá repetir o sucesso que teve no BB no Safra”, diz o ex-presidente do Banco do Brasil Cássio Casseb, antecessor de Maranhão. “Além do talento para liderar equipes, é uma pessoa que trabalha com brilho no olhar e motiva todos ao seu redor. E é também um ser humano espetacular.” Segundo analistas, a experiência do executivo na maior máquina de varejo bancário do País deve agregar muito valor ao Safra, que perdeu importância diante dos grandes concorrentes, como Bradesco e Itaú, mas ainda está entre os dez maiores bancos locais. “Ele foi o melhor presidente do BB nos últimos anos”, afirma um especialista do setor em uma grande instituição estrangeira.

Maranhão chegou à área internacional do BB em 1990 e teve uma carreira meteórica no banco, ocupando posições de destaque em vários departamentos. Em novembro de 2004, com a queda de Cássio Casseb, tornou-se presidente interino. Efetivado, ficou até dezembro de 2006. Naquele ano, o BB teve o maior lucro do sistema financeiro: R$ 6 bilhões, sete vezes o resultado do Grupo Safra em 1997 (leia quadro). Um ano antes, a cifra do BB já havia sido expressiva, de R$ 4,5 bilhões. Embora não tenha qualquer vínculo político, Maranhão construiu uma amizade sólida com o ex-ministro da Fazenda e deputado Antônio Palocci, que ainda é um interlocutor freqüente do presidente Lula. E resistiu muito ao fogo amigo do PT, cuja direção sempre tenta indicar o presidente do BB. Em 2005, quando o BB foi alvejado pelo escândalo do mensalão, Maranhão era o presidente e não hesitou em demitir o diretor de marketing Henrique Pizzolato, liderança histórica do PT. Depois, quando o BB foi questionado pela CPI dos Correios sobre o caso Visanet, ele determinou que nada fosse varrido para debaixo do tapete. E o caso Visanet, curiosamente, acabou virando a única prova da Procuradoria- Geral da República de uso de dinheiro público no esquema operado pelo publicitário Marcos Valério.

Na vida pessoal, o estilo de Maranhão casa com perfeição com o da família Safra. É casado, tem três filhos (um adolescente e duas meninas) e não tem muita vida social, fora do trabalho. No BB, diz-se que jamais usou o cargo para se projetar e concedeu raríssimas entrevistas. Era muito disciplinado e chegava a passar por programas de media training antes de qualquer manifestação pública, para que nenhuma palavra surgisse fora do lugar ou fosse mal interpretada. A nova face do Safra tem uma bússola privilegiada nas mãos. Se a rota traçada por Joseph funcionar, ajudará a perpetuar o nome da família.