DINHEIRO – A crise no sistema bancário global já começa a chegar à economia real. Que cenário o sr. vê para o Brasil neste ano e no próximo?
MIGUEL JORGE Acredito que nós seremos afetamos porque a crise é muito grande. Tão grande que até hoje não se sabe o tamanho dela. No entanto, por tudo que nós fizemos nos últimos anos, ela deve afetar muito menos do que afetaria antes. Haverá menos dinheiro, os juros serão maiores, porque os bancos vão cobrar mais. Dinheiro é mercadoria, como pão, açúcar, commodities, como qualquer outra coisa. Quando falta, fica mais caro.

DINHEIRO – Até que ponto o Brasil continuará crescendo se Entrevista / Miguel Jorge houver uma recessão nos EUA?
MIGUEL JORGEEu diria que nós vamos crescer este ano por volta de 5%. Se crescermos no próximo ano, por volta de 3,5%, 4%, será um feito.

DINHEIRO – É possível?
MIGUEL JORGE Acho que sim. Depende também do governo continuar fazendo as coisas de maneira correta. Nós temos reservas de US$ 208 bilhões, e isso ajuda. O sistema financeiro brasileiro é um sistema muito sólido, muito competente. As empresas brasileiras em sua enorme maioria estão muito capitalizadas, até pelas crises que nós vivemos nos anos 80. Se olhar os resultados apresentados por todas as medições, como da própria revista DINHEIRO, a rentabilidade das empresas brasileiras é uma rentabilidade que não existe em lugar nenhum do mundo. Vemos números como 59% de rentabilidade, 70%, imagina, essas empresas estão bem. Estão em uma situação bastante boa. Os bancos estão numa situação bastante boa.

 

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DINHEIRO – A crise pode contaminar o sistema bancário brasileiro?
MIGUEL JORGENenhum risco. Os brasileiros nunca entrariam num processo como entraram os consumidores americanos, que se alavancaram tremendamente nessa história de hipoteca. Há um problema muito sério de regulação nos EUA. Eles não têm o controle. No Brasil, o Banco Central vai aos bancos. Os técnicos entram nas reuniões e têm o controle.

DINHEIRO – Num cenário otimista, o que podemos esperar?
MIGUEL JORGEUm crescimento de 4%.

DINHEIRO – E no pessimista?
MIGUEL JORGEAbaixo de 3%. Há quem fale em 2,5%, mas é só avaliar as projeções de analistas nos últimos seis meses. Todas elas, todas, sem exceção, estavam erradas.

DINHEIRO – O mercado interno continuará forte a partir de agora?
MIGUEL JORGE Ele continuará forte por uma razão. O que aconteceu foi que os 20 milhões da nova classe média começaram a consumir. E eles vão continuar consumindo, a não ser que tenha uma catástrofe mundial, que o mundo inteiro entre em colapso, o que é quase impossível de acontecer. Eles continuarão recebendo salário. Tivemos dois milhões de novos empregos neste ano. Isso não tem em nenhum país do mundo.

DINHEIRO – Essas contratações devem continuar? ?
MIGUEL JORGESuponhamos que passe para 1,5 milhão. Temos investimentos, que são intangíveis, investimento real em grandes projetos. Muitos fundos, muitas empresas, muitos grupos empresariais pensam em colocar dinheiro, por exemplo, nas concessões de estradas, de energia elétrica, saneamento, que estão sendo abertas.

DINHEIRO – Haverá dinheiro para tudo isso: para a infra-estrutura, para a construção civil, para a agricultura?
MIGUEL JORGEAcho que terá. Até porque não se gastou todo o dinheiro do País. Nem todo o dinheiro do sistema financeiro. No caso do crédito imobiliário, ele continuará.

DINHEIRO – Em 2009, haverá crédito na mesma proporção da demanda?
MIGUEL JORGEPara o crédito pessoal, imobiliário e agrícola terá.

DINHEIRO – De onde virá?
MIGUEL JORGE Por exemplo, do Tesouro, como vieram os R$ 15 bilhões na semana passada. Haverá mais dinheiro do FAT para o BNDES. Quando se tem dois milhões de novos empregos, eles entram no sistema de pagamento do INSS do FAT. Mesmo com o crescimento menor, há uma massa enorme que está melhorando de vida. Pode reduzir o ritmo, mas continuarão entrando. Não existe em lugar nenhum do mundo 20 milhões de pessoas mudando de classe social.

DINHEIRO – É essa nova classe média que irá sustentar o crescimento?
MIGUEL JORGEÉ um dos fatores. O outro é o fato de o Brasil não ter dívidas, ser credor internacional, ter reservas importantes. O crescimento é baseado no consumo do mercado interno. É preciso ter muito em conta isso.

DINHEIRO – Diante desse cenário de crise e mercado interno aquecido é provável que o Banco Central aumente os juros. Como esse aumento será recebido?
MIGUEL JORGECom críticas de alguns setores e com o silêncio da maioria dos setores. No governo, sem críticas.

DINHEIRO – É necessário manter a trajetória de juros?
MIGUEL JORGEÉ sim. Os Bancos Centrais no mundo têm que ser conservadores. Vimos o que acontece com bancos centrais progressistas. Eles quebram um país.

DINHEIRO – Dentro do governo, qual a principal preocupação?
MIGUEL JORGEÉ o crescimento. Saber quais serão os efeitos dessa crise no Brasil. Essa é a principal preocupação. Dentro de um mês poderá haver um efeito real, que não se sabe qual é.

DINHEIRO – O governo usa o tamanho das reservas como um tipo de blindagem. Mas nossas reservas não podem evaporar?
MIGUEL JORGESe o cenário se repetir por um, dois anos, sim. Nós temos que ter em mente uma coisa: o sistema financeiro do País inteiro é muito forte. É muito competente. O Banco Central é um agente regulador muito competente, muito forte e muito respeitado pelo sistema financeiro. E dentro do governo não há nenhuma disputa em relação ao que fazer.

DINHEIRO – O nível de investimento está alto. É possível mantê-lo assim com o crédito mais difícil?
MIGUEL JORGEDá para manter.

DINHEIRO – As empresas têm recursos para isso?
MIGUEL JORGE Têm. Por exemplo, há setores que estavam crescendo, 20%, 30%, e podem reduzir para 15%, 20%.

DINHEIRO -Tem a crise de confiança. O mercado de repente pode não investir com medo de a economia desabar.
MIGUEL JORGE O empresário só deixa de investir depois do ocorrido. As decisões são em cima da realidade. Nenhum empresário vai deixar de produzir pensando na possibilidade de que daqui a seis meses ele terá um problema. Ele trabalha em relação aos pedidos. E os pedidos continuam sendo feitos. As expectativas das associações comerciais para o Dia das Crianças e para o Natal continuam altas.

DINHEIRO – As importações de bens de consumo para o Natal estão caindo.
MIGUEL JORGE Pode ser mesmo, porque isso vem da China. E a China está tendo custos maiores. Primeiro porque tem inflação, segundo pelo aumento do dólar. Nós temos seis mil importadoras e três mil exportadoras e houve um aumento enorme do número de empresas importadoras estimuladas pela valorização do real, que tornou muito fácil as exportações. A maioria das lojas de R$ 1,99 é formada com produtos chineses, que chegam ao Brasil a preços ridículos. Esse produto terá um impacto maior.

DINHEIRO – Então podemos esperar mais uma pressão inflacionária? Os baixos preços chineses contribuíram para um controle maior da inflação.
MIGUEL JORGEA China colaborou em termos, porque o mercado interno abasteceu muito, tanto que nas importações somente 20% são de bens de consumo, 80% das importações brasileiras são de máquinas, matéria-prima. Então terá um efeito, mas que eu considero marginal.

DINHEIRO – Há duas avaliações diferentes para os preços das commodities. Seu Ministério divulgou que elas vão subir e o BC que vão cair. O que vai acontecer no próximo ano?
MIGUEL JORGENós temos que esperar para saber. É muito difícil. Eu ouvi um economista respeitável, amigo meu, dizer que no próximo ano o saldo da balança comercial poderá ser zero. Eu acho isso uma temeridade, prever o comportamento para 2009.

 

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DINHEIRO – Com o mundo rico sem crescimento, que cenário o sr. vê para o próximo ano? MIGUEL JORGE Nos últimos anos, o Brasil aumentou muito as possibilidades de consumo interno. Eu acho que isso continuará.

DINHEIRO – Esse crescimento de 2,5% e 3% é suficiente para o Brasil continuar pedalando?
MIGUEL JORGENessa situação é. Veja, por exemplo, o crescimento do Nordeste, que é pouco observado, mas que ajudou muito esse crescimento de 6%. Tem Estados lá que estão crescendo 14%.

DINHEIRO – Hoje, a falta de crédito é o maior problema da economia. Como ficará o crédito?
MIGUEL JORGE É difícil prever. Os bancos brasileiros também são conservadores, na medida certa do conservadorismo. Então, todas as vezes que existe um problema desses no mercado, a primeira coisa que se faz é fechar mesmo. Eles têm que fechar e esperar o que vai acontecer. Como até agora ninguém sabe o que vai acontecer, essa situação ainda pode se estender mais.

DINHEIRO – Isso será resolvido com o pacote americano?
MIGUEL JORGE O que eu posso dizer é que em duas ou três semanas, nós teremos uma percepção maior dos efeitos do pacote na economia americana e, portanto, nas outras economias.

DINHEIRO – E este Natal como será?
MIGUEL JORGE Tão bom quanto se imaginava. Esses 20 milhões estão entrando para consumir de verdade.