A melhor imagem da privatização da Usiminas, concluída com choro e ranger de dentes no dia 24 de outubro de 1991, é a foto abaixo: um manifestante contrário à venda chutando um anônimo engravatado. Ambos – agressor e agredido – personificavam a disputa visceral que se desenrolava então sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro. De um lado, os defensores de uma economia cartorial, estatizada e ineficiente. De outro, os autoproclamados paladinos da modernidade, representada pelo então presidente Fernando Collor, que tentava atualizar o capitalismo brasileiro com uma boa dose de truculência. Uma das promessas era a possibilidade de que os brasileiros pudessem comprar ações da empresa privatizada. Isso permitiria que os ganhos fossem repartidos entre muitos. Não há dúvida de que a privatização fez bem à siderúrgica. 

A Usiminas de 1991 faturou US$ 1,03 bilhão e lucrou US$ 60 milhões. A de 2010 faturou US$ 6,8 bilhões e lucrou US$ 943 milhões. A receita foi multiplicada por sete e o lucro por 15. No entanto, a participação dos pequenos investidores nesse processo ainda é apenas uma promessa.Duas décadas depois de deixar de ser estatal, a Usiminas também deixou de ser brasileira. Seus controladores agora são os argentinos da Ternium, controlada pelo grupo italiano Techint, e os japoneses da Nippon Steel. Ao contrário de 1991, o processo foi isento de paixões políticas e de manifestações ruidosas. Mesmo assim, a nova venda da Usiminas mostra que o capitalismo brasileiro ainda tem um longo caminho a percorrer. Pela Lei das Sociedades Anônimas, que foi aprovada dez anos após a privatização, os investidores que tivessem ações ordinárias teriam direito a 80% do prêmio de controle no caso de a empresa mudar de mãos. 

 

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A Usiminas afirma que seu controle não mudou. Os minoritários – entre eles a Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil – discordam, e prometem pleitear sua fatia do prêmio de controle. Não se discutem, aqui, filigranas legais. O fato é que a Usiminas tem novos donos. Mesmo assim, apesar de a lei das Sociedades Anônimas proteger os minoritários, é pouco provável que eles consigam participar dos frutos da transação sem mobilizar um exército de advogados e enfrentar uma longa batalha legal. Essa disputa é muito menos visível do que o chute no engravatado há duas décadas, mas é igualmente danosa para o capitalismo brasileiro. A dolorosa abertura da economia exigiu que empresários e trabalhadores encetassem uma marcha forçada em direção à modernidade. O mercado de capitais não ficou ao largo desse processo. 

 

Além da lei das S.A. e da instalação do Novo Mercado, ambos de 2001, várias empresas vêm discutindo com seriedade formas de aperfeiçoar sua governança corporativa. No entanto, casos como o da Usiminas (e vários outros, menos recentes) mostram que muitas companhias abertas de grande porte ainda não enxergam seus “pequenos” acionistas como sócios, ou seja, parceiros nos períodos de vacas magras e nas épocas de dinheiro farto. E nunca é demais lembrar: apesar de todos os seus defeitos, distorções e injustiças, o eficiente mercado de capitais americano é o instrumento mais eficaz para gerar – e distribuir – riqueza em grande escala.