Uma revolução silenciosa vem ocorrendo nos bancos escolares brasileiros. Do ensino fundamental até a universidade, as mulheres estão tomando conta. Todas as estatísticas apontam para um avanço avassalador do sexo feminino na educação: elas têm melhor rendimento nas escolas, ingressam em maior número nas universidades, são maioria na saída do curso superior e são o grupo que mais cresce nas pós-graduações. Este ano, no vestibular da Universidade Estadual Paulista, uma das três universidades públicas do Estado, 55% das vagas foram preenchidas por mulheres. Até na Força Aérea, tradicional reduto masculino, elas estão conseguindo desbravar território. O que está se configurando no Brasil, assim como no resto do mundo, é uma revolução feminina nas escolas. Ela arrisca relegar os homens ao papel de segundo sexo e promete, nas próximas décadas, quando as estudantes de hoje se transformarem nas profissionais de amanhã, mudar a paisagem corporativa e até mesmo o perfil de consumo do País. ?A situação tende a se agravar de tal forma que teremos que fazer programas para a minoria masculina?, diz o ex-ministro da Educação Paulo Renato de Souza. Enquanto esteve no governo, Paulo Renato presenciou um salto no acesso das mulheres ao ensino superior. Em 1996, 295 mil garotas ingressaram na universidade. Seis anos depois esse número mais que dobrou para 671 mil mulheres. E, assim como entram, elas também se formam em maior número. A quantidade de mulheres que deixam as faculdades com diploma universitário subiu 156 % entre 1996 a 2001. Isso está criando uma mão-de-obra feminina muito mais qualificada a colocar pressão sobre a última reserva masculina: o mercado de trabalho. ?As mulheres ainda recebem menos pelas mesmas funções, mas essa diferença está diminuindo rapidamente?, diz a pesquisadora Cristina Bruschini, da Fundação Carlos Chagas.

Sala de aula. É dentro das instituições de ensino que está se esboçando esse novo mundo. No Ibmec, escola de educação executiva, 40% dos estudantes são mulheres. Elas são administradoras, engenheiras, economistas que buscam se aprimorar e brigar com os homens no mercado de trabalho. ?Nessa geração temos que ser as melhores?, diz Juliana Lanfranchi, 24 anos, gerente de logística de perecíveis do Grupo Pão de Açúcar. A jovem engenheira de alimentos comanda uma equipe de mais de 300 funcionários na Central de Distribuição da empresa, em São Paulo. Por não ter experiência suficiente para um MBA, Juliana faz o Certificate in Business Administration (CBA) do Ibmec, um programa para jovens executivos. Na Universidade Estadual de Campinas, as mulheres já são maioria nos programas de mestrado e doutorado. E à medida que elas investem mais na carreira, as ambições também aumentam. ?Não é mais absurdo eu querer ser presidente da C&A?, diz a publicitária Luciana Amaral, trainee da loja de departamentos que estuda no Ibmec. Até um dos bastiões da reserva de mercado para os homens cedeu. Este ano, depois de 50 anos de existência da escola, começou na Academia da Força Aérea de Pirassununga a primeira turma exclusivamente de mulheres. Mas a turma de 2004 será mista e as 20 vagas do curso de aviador serão disputadas em pé de igualdade. ?Se os 20 primeiros colocados forem mulheres, as vagas serão delas?, diz o brigadeiro Marco Aurélio Mendes, que comanda a academia. ?Não haverá reservas para homens.?

O sucesso das mulheres na escola não chegou, porém, ao mercado de trabalho. Elas ainda ganham menos e são visível minoria em muitas carreiras. Também enfrentam mais dificuldade para galgar os postos de diretoria, com melhores salários. Na média, o IBGE diz que as mulheres brasileiras ainda ganham 69% do salário masculino. Mas atenção: há dez anos esse valor era de apenas 60%. A boa notícia para as meninas é que nos grandes centros, e em conseqüência direta do que ocorre nas escolas, esse cenário está mudando velozmente. ?Nas grandes empresas de São Paulo e Rio já não existe essa defasagem nos cargos de gerência e diretoria?, afirma a socióloga Christina de Paula Leite, coordenadora de Estágios e Colocação Profissional da Fundação Getúlio Vargas. Mas como se explica o fato de ainda existirem poucas mulheres no topo das empresas? ?É simplesmente uma questão de tempo?, diz Christina. As mulheres entraram para valer no mercado de trabalho nos anos 70, com a expansão do emprego industrial. Logo, essa é uma empreitada muito recente. ?No nível gerencial há muitas mulheres. Com o tempo elas vão alcançar a diretoria. E depois a presidência?. Elas já dominam áreas como marketing e recursos humanos, confirmando as estatísticas do IBGE que dizem ser as mulheres maioria de 56,6% no setor de serviços da economia, considerados todos os níveis da hierarquia. Também no setor público as mulheres se saem melhor. Cristina Bruschini diz que isso se deve ao fato de os cargos públicos serem preenchidos por concursos, nos quais elas conseguem resultados melhores. ?Como não há entrevistas, os critérios objetivos é que contam?, diz ela.

Resistência. Aos poucos os avanços na educação estão corroendo os velhos preconceitos que prejudicavam a ascensão das mulheres no mundo corporativo. Segundo Christina, da FGV, as empresas familiares de médio porte são mais resistentes ao avanço feminino. E os profissionais com mais de 50 anos vêm a chegada das mulheres como ameaça. Mas uma pesquisa da Manager Assessoria em Recursos Humanos, de São Paulo, que ouviu 536 profissionais de ambos os sexos, constatou que 30,2% deles acreditam que apenas uma atuação insatisfatória poderia prejudicar a carreira feminina. Na verdade, em alguns casos ser mulher ajuda. As empresas que querem mostrar uma face moderna recebem com mais entusiasmo as candidatas. ?As chamadas políticas de diversidade estão acelerando a entrada das mulheres nos quadros de direção?, diz Neli Barboza, coordenadora de consultoria da Manager. Na maior parte dos casos, porém, o mercado e as empresas querem competência, independentemente da cor ou do gênero. Em fevereiro, o programa de trainees do Citibank tinha cinco vagas na área corporativa. Na última etapa do processo seletivo, disputavam três mulheres contra quinze homens. O resultado foi inédito: as três garotas foram aprovadas. Treze rapazes ficaram de fora. A percepção da diretoria do banco ? composta apenas por homens ? era de que as mulheres estavam melhor preparadas. Sinal dos tempos.

As estatísticas mostram que a
vantagem das mulheres nas escolas
ainda não chegou às empresas
? A revolução feminina

Se o sucesso das garotas na escola é motivo de comemoração, preocupa o fato de os meninos irem cada vez pior nos estudos. Até a quarta série do ensino fundamental, meninos e meninas vão igualmente bem. O problema começa aos primeiros sinais da adolescência. ?Parece que eles lidam pior com essa fase?, diz o educador Flávio Leite Cidade, do Colégio Ítaca. Isso fica claro nas salas de recuperação, onde os meninos são maioria.

As meninas, por outro lado, apresentam maior comprometimento com a escola. O modelo escolar também é colocado em cheque. Considerado feminino e maternal demais, o sistema educacional pode estar desestimulando o desempenho escolar do sexo masculino. Acredita-se também que a necessidade de entrar mais cedo no mercado de trabalho e a delinqüência nas periferias das grandes cidades podem estar tirando os rapazes da escola antes da hora. ?Os garotos estão sem rumo?, diz o pedagogo Sílvio Boch, especialista em orientação vocacional.