05/04/2023 - 11:29
Em um de seus contos mais conhecidos, O Alienista, Machado de Assis conta a história de um médico que institui um sanatório numa pequena cidade do interior e que, imbuído das mais avançadas teorias científicas e das melhores intenções, acaba por internar a totalidade da população. No fim, como não poderia deixar de ser, ele mesmo termina recluído. Esta famosa narrativa apresenta-se, a meu ver, como uma eloquente alegoria do nosso momento atual, principalmente no contexto do mundo corporativo.
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Não é de hoje que se observa um verdadeiro surto epidêmico de transtornos psíquicos alastrando-se pelo ambiente empresarial. Especialistas já vêm apontando tal fenômeno há mais de uma década, porém é inegável constatar que depois da pandemia de Covid-19 esse cenário se agravou, suscitando uma alarmante preocupação por parte de líderes e gestores.
Dispenso aqui a citação dos índices estatísticos divulgados pelos órgãos internacionais e nacionais (OMS, Ministério da Saúde) referentes ao crescimento de transtornos como depressão, pânico, burnout, pois tais dados têm sido veiculados quase que diariamente nas mídias e porque a experiência pessoal da grande maioria daqueles que me leem agora é o suficiente para ratificar a informação.
Passada a pandemia da Covid, nos deparamos com uma outra, indiscutivelmente mais grave e difícil de debelar, devido à maior complexidade de sua causa à dimensão de seus efeitos. Desde minha posição de pesquisador, consultor e professor para o mundo corporativo, tenho constatado uma consistente mobilização por parte de empresários e gestores no sentido de buscar soluções e oferecer remédios para enfrentar essa preocupante pandemia que ameaça não só a saúde dos colaboradores, mas também dos negócios.
Saúde mental nas empresas
Programas de promoção de saúde mental e emocional, palestras com psiquiatras, psicólogos, acompanhamento terapêutico com coachs especializados e toda uma série de ações cada vez mais diversificadas vêm sendo implementadas. Certamente, ainda é cedo para avaliar o resultado efetivo de todas essas iniciativas que proliferam na atualidade, na mesma medida e velocidade com que aumenta o mal-estar e o desespero dos colaboradores e gestores. Entretanto, não temo ser precipitado em afirmar que toda essa “farmacopeia” aplicada ao mundo corporativo apresenta um caráter essencialmente ambulatorial – ou seja, pode apresentar eficácia em relação aos sintomas, porém já se perceberá que ainda é insuficiente no enfrentamento das causas da enfermidade.
Assim como venho defendendo uma abordagem mais consistente e profunda frente ao desafio da humanização nas corporações, também diante da problemática da saúde (questão, aliás, intrinsecamente relacionada com a primeira) requer-se uma atitude muito mais ampla e complexa do que até o momento vem se propondo. No âmago do problema da saúde mental está uma dimensão muito mais profunda e importante: a da saúde existencial. Estamos adoecendo gravemente porque estamos deixando de viver de maneira humana. Sim, as transformações pelas quais estamos passando no contexto social, cultural e que se refletem no âmbito organizacional, interferindo nas relações humanas em todas as dimensões, estão nos afastando radicalmente daquilo que é próprio do humano. Portanto, se quisermos promover ações efetivamente saudáveis, será necessário, em primeiro lugar, resgatar os princípios que determinam a nossa humanidade.
Remédios paliativos e atendimento ambulatorial são necessários para combater os sintomas, mas para tratar as causas e prevenir o adoecimento necessitamos de ações mais abrangentes e profundas, as quais, para além da saúde mental, promovam nossa saúde existencial. Diante desta nova pandemia que está nos assolando, é preciso aplicar uma vacina verdadeiramente potente e eficaz. Essa vacina chama-se “Humanidades” – o conjunto de saberes e experiências que nos reconecta com aquilo que é próprio do humano e que nos devolva a saúde existencial – e sua aplicação é urgente, pois estamos correndo o risco de acabar como o alienista de Machado: todos juntos no mesmo manicômio.