17/06/2011 - 21:00
Ao desembarcar no Brasil, em novembro de 2004, o Burger King, segunda maior cadeia de hambúrgueres do mundo, chegou com apetite, fazendo barulho e espicaçando a concorrência. Sua campanha publicitária de lançamento incluiu comerciais com os slogans ‘Abaixo a ditadura’ e ‘A concorrência está frita’. As três primeiras lojas, localizadas em shopping centers em São Paulo, ficavam ao lado ou na frente do arquirrival McDonald´s, líder absoluto do mercado brasileiro de fast-food. Quase sete anos após a estreia, a operação brasileira da rede americana não decolou. Com apenas 108 restaurantes no País, ela representa menos de um décimo do tamanho do McDonald’s, que tem 1.413 pontos de venda na quase totalidade dos Estados, o que faz do Burger King um ainda ilustre desconhecido da maior parte dos consumidores brasileiros.
Mas isso pode começar a mudar a partir de agora. Na semana passada, a gestora de recursos Vinci Partners, do banqueiro carioca Gilberto Sayão, um dos garotos prodígios do antigo banco Pactual, se associou ao Burger King Corp. para colocar o Brasil de novo nos planos de investimentos da matriz americana, comprada em setembro do ano passado pelo fundo 3G Capital, dos brasileiros Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, por US$ 4 bilhões. ‘Esse é o passo mais agressivo que a corporação já deu no mercado brasileiro’, disse à DINHEIRO o executivo Iuri Miranda, que comandará o Burger King do Brasil, nome da nova companhia que assume como master franqueada as operações no País. ‘Um dos motivos da criação desta empresa é que ela nos dá mais flexibilidade e agilidade na tomada de decisões locais.’ (Leia entrevista ao final da matéria)
Com a nova configuração do negócio, o Burger King renova seu interesse pelo Brasil. Nos próximos cinco anos, tem planos de abrir 900 lojas ? entre próprias e franqueadas. O investimento, que pode chegar até a R$ 900 milhões, segundo estimativas de analistas, será bancado pela nova empresa controlada por Sayão e pelos franqueados da marca no País. Negociado nos últimos 90 dias pela Vinci Partners, diretamente com o Burger King, nos Estados Unidos, o acordo causou mal-estar entre os atuais franqueados. Pegos de surpresa pelo anúncio, eles agora passam a ter um intermediário que define a estratégia da cadeia de fast-food no Brasil, em vez de se reportarem e negociarem diretamente com a matriz. ’É muita eficiência e meritocracia, que não conseguimos nem acompanhar’, ironizou um franqueado, que não quis se identificar, em referência ao estilo de gestão da trinca que comanda o fundo 3G Capital, controlador mundial da rede.
Fome de crescer: o Burger King estreou no Brasil em 2004, mas até agora conta com apenas 108 pontos de venda
e ainda é um ilustre desconhecido da maioria dos consumidores brasileiros
O banco BR Partners, que adquiriu, em abril, 65% da BGK, maior franqueada da empresa no País, com 63 unidades (40 restaurantes e 23 quiosques), divulgou nota em que informa ver com preocupação o novo modelo de negócio da marca para o mercado brasileiro. ‘A relação entre ambos tem de ser de parceria, com atuações claramente delimitadas, sem conflito de interesses’, diz o texto da nota.
A partir de agora, o Burger King parte para recuperar o terreno e o tempo perdidos no Brasil. Quando abriu suas primeiras lojas no País, as principais redes do mercado brasileiro de fast-food, como o McDonald´s e o Bob´s, enfrentavam problemas. ‘Aquele era um bom momento para entrar no País’, afirma Enzo Donna, diretor da consultoria especializada em serviços de alimentação ECD. A chance, no entanto, foi desperdiçada. Erros de estratégia prejudicaram o avanço da rede americana no mercado nacional.
O empresário Luiz Eduardo Batalha, o homem que trouxe o Burger King ao País, era um criador de gado mais preocupado em vender a carne que produzia para os restaurantes da marca do que administrar uma cadeia de sanduíches. Ele também atraiu, como investidores para a BGK, pessoas que não tinham nenhuma experiência no ramo de fast-food, como o apresentador da TV Globo Galvão Bueno e o piloto de Fórmula Indy Hélio Castroneves. A matriz americana, na ocasião, também não investiu nas lojas brasileiras. Passado o ruído inicial da campanha de lançamento, a marca sumiu da mídia.
Ao retornar, em 2011, com um plano agressivo de investimentos, o Burger King encontra um cenário em que as operações das empresas de fast-food presentes no Brasil estão consolidadas, uma situação bem diferente, portanto, daquela vigente na primeira metade da década passada. Desde 2007, quando a holding Arcos Dourados, uma sociedade entre o empresário argentino Woods Staton e a Gávea Investimentos, do ex-presidente do BC Armínio Fraga, assumiu o comando do McDonald´s na América Latina, a líder do mercado adotou práticas para reduzir os custos, aproveitou sinergias, voltou o foco para a logística e investiu na expansão do número de lojas.
Bernardo Hees, do Burger King: no comando global da cadeia de fast-food,
o executivo já cortou empregos e reduziu custos com insumos
Na área de logística de distribuição, por exemplo, a mudança foi radical. Antes da chegada da Arcos Dourados no McDonald’s, os fornecedores estavam espalhados pelo País. Agora a operação é concentrada. O resultado dessa estratégia resultou em uma bem-sucedida abertura de capital na bolsa de Nova York em abril deste ano. Na ocasião, a empresa captou US$ 1,25 bilhão. Desse valor, US$ 150 milhões serão usados na expansão e reforma das lojas na América Latina. ‘O Burger King está tentando repetir o que o McDonad’s fez com a Arcos Dourados, mas com uma grande diferença: Woods Staton já era do sistema e comprovado no negócio’, afirma Gregory Ryan, o americano que trouxe o McDonald´s ao Brasil em 1979, junto com seu compatriota Peter Rodenbeck. ‘A Vince está começando do zero e com uma base que ainda tem de ser formada.
Não será fácil ou simples.’ Ryan trabalhou como consultor do 3G Capital e foi anunciado como presidente do Burger King para a América Latina, após a conclusão da compra da matriz, nos Estados Unidos, por Lemann, Sicupira e Telles. Mas ele logo se desentendeu com Bernardo Hees, o brasileiro que comanda a operação global da rede de hambúrgueres, e deixou a companhia no final de 2010.
O McDonad’s, adversário onipresente nos Estados Unidos, não é o único concorrente consolidado que o Burger King encontrará nesta sua nova fase no mercado brasileiro. O Bob’s, do Rio de Janeiro, também reestruturou sua operação e tem planos de abrir mil pontos de venda até 2016, meta mais agressiva do que a do próprio Burger King. ‘Esses números são conservadores’, diz Flavio Maia, diretor do Brazilian Fasf-Food Corporation (BFFC), controlador americano do Bob´s. Só neste ano, serão investidos R$ 93 milhões na abertura de 200 novos pontos de venda.
O maior aporte, no entanto, será feito pelos franqueados. A rede de comida rápida Giraffas, por seu turno, planeja investir R$ 170 milhões na remodelação de suas lojas nos próximos três anos. Com 355 lojas no País, deve fechar o ano com 400. ‘Marcas como o Bob’s e o Giraffas souberam aproveitar o aquecimento econômico e a ascensão da classe média’, afirma Gilson Nunes, CEO da consultoria britânica Brand Finance. ‘Eles têm qualidade e presença, ao contrário do Burger King.’
A boa notícia para o Burger King é que o mercado brasileiro de fast-food está crescendo a taxas bastante agressivas. No ano passado, o setor faturou R$ 15,3 bilhões, de acordo com dados da Associação Brasileira de Franchising (ABL), um crescimento de quase 40% sobre o ano anterior. Nos 12 mil pontos de venda de fast-food são servidos três milhões de refeições por dia, segundo informações da consultoria ECD. No Brasil, o segmento de food service, que inclui restaurantes, hotéis e padarias, entre outras áreas, oferece 62 milhões de refeições por dia e faturou R$ 181 bilhões em 2010. ’O Burger King volta a investir em um cenário bastante positivo’, diz Donna. ‘Há ainda muito espaço para crescer no Brasil.’
Com queda nas receitas e nos lucros em escala internacional, o avanço para os mercados emergentes, como o Brasil e a China, é uma das alternativas do Burger King para retomar a trajetória de crescimento. Fundado em 1954, pelos empresários James McLamore e David Edgerton, em Miami, nos Estados Unidos, a companhia está presente em 76 países e conta com mais de 12 mil pontos de venda espalhados pelo mundo. Apesar disso, 68% de suas receitas ainda vêm do seu país de origem e do Canadá. ‘Só agora eles começam a se internacionalizar para valer’, afirma Nunes, da Brand Finance.
Os resultados recentes do Burger King mostram que as operações estão estagnadas. No primeiro trimestre de 2011, o faturamento recuou 7,5%, na comparação com o mesmo período do ano passado. O lucro, que havia sido de US$ 41 milhões, se transformou em um prejuízo de US$ 6,9 milhões, em razão das despesas financeiras com a aquisição do 3G Capital, em setembro de 2010.
Desde que assumiram o Burger King, os executivos do 3G Capital implantaram o estilo de gestão que fez sucesso em empresas administradas por Lemann, Sicupira e Teles, como ALL, AB InBev e Lojas Americanas, e é execrado por alguns franqueados. Hees, que até o ano passado estava à frente da ALL Logística, é uma cria e uma encarnação ambulante da cultura empresarial do banco Garantia e do fundo GP, criados por Lemann. A receita desse sistema, conhecido como meritocracia, inclui redução de custos nos mínimos detalhes e a recompensa ao desempenho, com altos salários e bônus.
Flávio maia, do Bffc: planos de abrir mil pontos de venda do Bob’s no Brasil até 2016.
A meta é mais agressiva do que a planejada pelo Burger King
Esses ingredientes já podem ser sentidos no Burger King. Nas primeiras semanas após a aquisição, o quadro global da companhia foi reduzido em 40%. O relacionamento com a premiada agência de publicidade CP+B foi rompido, após sete anos. Os gastos com a folha de pagamento foram reduzidos em 13%, no primeiro trimestre de 2011, ante o mesmo período do ano passado. Os custos com insumos também já caíram 8%.
A união do Burger King com a Vinci Partners no Brasil une Lemann, Sicupira e Telles com um empresário em quase tudo semelhante a eles. Avesso a aparições públicas, entrevistas ou fotos, Gilberto Sayão, 39 anos, fez carreira no Pactual, ao lado de André Esteves, hoje do BTG Pactual. Ele é dono de um estilo simples, apesar de ser proprietário de um jato executivo. Na vida pessoal, é apaixonado por esportes, especialmente motonáutica. Sua gestora de recursos, que administra US$ 1,4 bilhão, já investiu no grupo de seguros e resseguros Austral e na locadora de veículos e gestão de frotas Unidas, em conjunto com os fundos de investimentos Gávea e Kinea. Agora, com o Burger King, faz sua tacada mais ousada e milionária.
Woods Staton, da Arcos Dourados: operador do McDonald’s na América Latina,
o empresário fez IPO bem-sucedido nos EUA
‘Vamos ter agilidade e flexibilidade’
O executivo Iuri Miranda passou 20 anos trabalhando na ExxonMobil, do setor petrolífero. Há pouco mais de um ano, ele se transferiu para o Burger King, para comandar a marca no País. Na semana passada, Miranda foi confirmado como o CEO do Burger King do Brasil, associação entre a gestora de recursos Vinci Partners e o Burger King Corp. Está em suas mãos, o mais ousado plano de investimento da rede americana de fast-food desde que chegou ao Brasil, em 2004. Na quinta-feira 16, ele concedeu uma rápida entrevista à DINHEIRO. Confira os principais trechos dessa conversa:
Qual a função da nova empresa que vai comandar o Burger King no Brasil?
Ela será responsável pela gestão dos negócios no Brasil. A nova companhia passa também a ser um instrumento de desenvolvimento da marca no País, para um plano bastante agressivo de crescimento para os próximos anos. É bom ressaltar que a formação dela prevê a continuidade de todas as relações contratuais existentes com os atuais franqueados.
Qual é o plano de investimentos?
O nosso plano é ter mil restaurantes em cinco anos. Hoje, temos pouco mais de 100 lojas. Serão 900 novos pontos de venda em diversos formatos, que inclui restaurantes em ruas, shoppings centers, praças de alimentação e quiosques. Não posso revelar o valor dos investimentos.
Serão todas lojas próprias?
Como master franqueados, teremos lojas próprias. Mas nesse plano de expansão ainda não definimos quantas serão próprias e quantas lojas, de franqueados. Vamos negociar o plano de expansão junto com os franqueados. Vamos sentar e discutir um plano estratégico.
O Burger King estreou no Brasil em 2004. Mas, desde então, nunca decolou. O que muda agora?
Esse é o passo mais agressivo que a corporação já deu no mercado brasileiro. Esse apetite está em linha com o potencial do mercado brasileiro, em razão do momento econômico e social. Além disso, há dois importantes eventos globais que vão acontecer no País, que são a Copa do Mundo, em 2014, e a Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.
A empresa pretende remodelar o cardápio no Brasil, com itens da cultura local, como fizeram alguns de seus concorrentes no País?
Um dos motivos da criação desta empresa é que ela nos dá mais flexibilidade e agilidade na tomada de decisões locais. No futuro, podemos lançar novos produtos exclusivos no Brasil. Mas a proposta da marca, que é ‘faça do seu jeito’, permite que um consumidor monte o seu sanduíche da maneira que quiser. Se quiser colocar mais queijo, ele pode. Se tiver vontade de comer mais carne, poderá também. Isso já nos dá uma grande flexibilidade.
Qual será a relação da master franqueada com os atuais franqueados?
Não há alteração dos contratos. Todas as relações contratuais permanecem vigentes.
Por que o sr., que trabalhou por mais de 20 anos na ExxonMobil, do setor petrolífero, mudou para o ramo de fast-food?
Passei por várias funções na ExxonMobil, mas fui responsável pela área de operação de postos no Brasil e na América Latina. Foi neste momento que começaram a surgir o conceito de lojas de conveniência nestes pontos de venda, com comida dentro da loja.
Colaborou Eliane Sobral