Jaime Cohen, o executivo brasileiro recém-promovido a diretor-geral da Kodak para as Américas, estranhou o frio em sua passagem por São Paulo na semana passada. Cohen é paulistano, mas veio do verão de Miami, onde passou os últimos quatro anos e meio como vice-presidente da multinacional de fotografia para a América Latina. Adora o sol, as praias e o calor. Tem bons amigos por lá e vai se casar até o final do ano. Mas está de mudança para a fria e aborrecida Atlanta, de onde comandará os negócios da Kodak do Alasca à Patagônia ? Estados Unidos e Canadá incluídos. Ele não reclama, claro. Acaba de romper a barreira de Miami e penetrar no coração corporativo da América. Com a promoção, o faturamento da área sob seu comando salta de US$ 1 bilhão para US$ 4 bilhões. Mais que isso, Cohen é uma das cabeças por trás do plano de reestruturação que a empresa acaba de anunciar. Um plano destinado a, simplesmente, reinventar a companhia.

O brasileiro da Kodak vem mudando o estilo da empresa. Informal, ele aboliu terno e gravata e criou políticas de incentivo à diversidade e à motivação na corporação. No ano passado, mais de 70% das vagas gerenciais na divisão latino-americana foram preenchidas por mulheres e minorias. ?Isso trás para a companhia gente que pensa diferente?, justifica. Cohen defende a tese de que todos os negócios, por mais informatizados que sejam, são feitos por pessoas. E diz que os negócios só vão bem quando as pessoas trabalham felizes. Por isso, quer uma Kodak mais alegre.

Para chegar lá, porém, a empresa precisará ser também mais ágil e enxuta. A gigante americana de fotografia largou atrasada na corrida rumo à digitalização. Só nos últimos dez anos, depois da ?importação? do CEO George Fischer da Motorola, é que começou para valer o avanço na área digital. Hoje, a Kodak já tem um terço de suas operações e 90% de suas novas patentes ligadas ao mundo digital. Não obstante, o avanço da digitalização é, mais do que nunca, um dos componentes do cenário ameaçador para a indústria da fotografia. O outro é a crise econômica mundial iniciada em 2000 com o estouro da bolha da internet e ainda não debelada.

Diante deste cenário, a Kodak chegou a uma encruzilhada que lembra a da IBM com seus mainframes ou a da GE com suas turbinas. A saída, ensinam esses casos, é a reinvenção. ?Estamos vivendo o momento de maior transformação na história da companhia?, avalia Cohen. No começo do mês, a Kodak anunciou um plano de reestruturação que implica a fusão de unidades de negócios, o corte de mais de 6 mil empregos e a integração de América Latina e América do Norte em uma única divisão. ?Propus a eliminação do meu cargo?, conta Cohen. A Kodak aceitou. E ele caiu para cima.

Às vésperas de completar 41 anos, este engenheiro civil tardiamente convertido em homem de marketing vive um momento especial. Descoberto pela Kodak há menos de cinco anos, depois de uma carreira fulminante entre Andersen Consulting, Procter & Gamble e Ceras Johnson, Cohen foi o primeiro profissional não americano a comandar a companhia na América Latina. Agora, quebra o mesmo tabu dentro dos Estados Unidos e vira símbolo de competência latino-americana. Seu desempenho em Miami é seu cartão de visitas em Atlanta. Sob sua batuta, a América Latina teve a melhor performance do grupo Kodak no mundo em 2002. Quebras sucessivas de recordes de venda levaram a participação de mercado da companhia a superar a barreira dos 60% na área de filmes e papel fotográfico. Ao mesmo tempo, a divisão digital mais do que dobrou sua fatia de mercado. Os custos administrativos foram reduzidos em 16% e as contas atrasadas caíram pela metade. Há 19 meses, as metas de lucratividade são religiosamente cumpridas.