26/03/2003 - 7:00
Aos 71 anos, a grande alegria de Oswaldo Siciliano, dono da maior rede de livrarias do País, é passar as tardes de domingo contando aos netos a origem de cada uma das 322 colheres de sua coleção. São peças italianas, russas, japonesas, alemãs… todas compradas em mais de 150 viagens internacionais que Siciliano fez enquanto esteve à frente dos negócios. Para o empresário, mexer com os talheres de estimação ao lado das crianças é vasculhar as próprias reminiscências. É lembrar como ele construiu, ao lado do irmão Vicente, seu pequeno império das letras ao longo das últimas cinco décadas. Mas as tardes de domingo estão mais tristes no amplo apartamento do empresário, em Higienópolis, região central de São Paulo. Dois dos quatro netos, justamente
os que moram no mesmo prédio, não vão mais à casa do avô.
São os filhos da primogênita Lígia Siciliano, 42 anos, artífice de
uma briga familiar que espalha ressentimentos por todos os lados e agora promete chegar aos tribunais. ?Há quatro anos a empresa dá prejuízo, há quatro anos eu não vejo a cor dos meus dividendos. E ninguém faz nada lá dentro para reverter isso?, esbraveja a herdeira. ?Quero trocar a diretoria, o conselho de administração. Vou à Justiça se for necessário.?
O descontentamento de Lígia tem raízes
em 1997, quando a companhia vendeu 35% de seu capital ao fundo americano Darby Overseas Investments. Um negócio de
US$ 25 milhões. ?Me desfiz porque eu queria me aposentar e não podia. Só o que receberia do governo não daria para nada?, diz Oswaldo. Na verdade, o patriarca via dias difíceis pela frente. E numa longa reunião com os herdeiros (seus dois filhos, dois sobrinhos e o irmão Vicente), ele comunicou que a capitalização seria a melhor ? talvez a única ? maneira de enfrentar as turbulências. O ano seguinte foi o último em que o balancete da Siciliano mostrou azul: R$ 86 mil. De 1999 para cá, as perdas somam R$ 20 milhões. O patrimônio líquido despencou de R$ 44,5 milhões para R$ 19,6 milhões, com endividamento total beirando os 80%. E uma fonte ligada à família diz que, ?curiosamente?, as vendas quase dobraram nesse período. Passaram de R$ 85 milhões em 1998 para R$ 154 milhões no ano passado. Como a empresa chegou a esse ponto é algo que a herdeira ainda quer entender.
Numa última tentativa de recuperação, em 2000 os Siciliano resolveram sair de cena e entregaram o dia a dia da companhia a executivos profissionais. Para a presidência, então ocupada por Oswaldo Júnior, irmão de Lígia, escolheram um especialista em varejo: Olavo Rodrigues, ex-Carrefour. A idéia era ter alguém que tratasse o livro como um produto qualquer e não mais como um ?bem cultural? cuja ?aura? não devia ser vilipendiada jamais. ?É complicado fazer isso numa empresa que você viu nascer. O coração atrapalha?, afirma Siciliano. Para Lígia, que durante 16 anos deu expediente na Editora Siciliano (um dos braços da empresa, ao lado da rede de livrarias), a profissionalização também não resolveu: ?Não vejo mudança estratégica por parte da nova diretoria. O meu patrimônio não está me rendendo nenhum tostão. Hoje levo uma vida de dondoca, vivo às custas do meu marido?.
Com 56 lojas próprias em 12 Estados brasileiros, a Siciliano é um colosso. De cada 100 livros vendidos no País, 20 saem de suas prateleiras. O império que agora dá sinais de ruína começou a ser erguido na década de 50. Foi Oswaldo que propôs ao pai, Pedro, a expansão do negócio, então restrito a uma única livraria no centro de São Paulo. Pedro, que começara como jornaleiro, não gostou da idéia. Mas entregou tudo aos filhos e foi plantar café. Oswaldo e Vicente então revolucionaram o conceito de livraria no Brasil. A Siciliano foi a primeira a trocar as vitrines por mesas para expor os livros. A primeira a baixar as prateleiras à altura dos olhos dos clientes. A primeira a desbravar a Grande São Paulo e bairros periféricos. Agora, para contornar a crise, fala em abrir franquias. ?Serão cinco lojas este ano e mais dez em 2004?, conta Rodrigues, que acha melhor não comentar as reclamações de Lígia. Procurado, Oswaldo Júnior, hoje na presidência do conselho, também não se manifestou. E Oswaldo pai preferiu desconversar. ?Isso é quimera dos jornais?, diminuiu.
Uma equipe de auditores independentes tem trabalhado diariamente na sede da Siciliano, em São Paulo. Executivos e acionistas negam que a empresa esteja à venda, conforme se especula no mercado depois da saída do editor Pedro Paulo Sena Madureira (14 anos de casa). Seu Oswaldo ressente-se da falta dos netos. Por enquanto, o velho livreiro depende da sorte para encontrá-los. Sorte de cruzar com os dois no saguão do prédio. Sorte de todos descerem juntos no elevador num domingo à tarde.