No início da tarde de segunda-feira 22, uma corrente de e-mails circulou pelo edifício-sede da Odebrecht, no bairro do Butantã, na zona oeste de São Paulo. A sugestão era para que todos descessem para uma manifestação. Alguns funcionários tentaram confirmar com a administração se aquele era um convite formal da empresa. Não era. Surpreso, o departamento de recursos humanos correu para chegar ao ponto de partida da mensagem e desvendar se o objetivo era positivo ou negativo. A resposta veio com a movimentação de funcionários tirando suas camisas vermelhas da gaveta.

Pouco depois das 17 horas, mais de duas centenas de pessoas postaram-se à frente do prédio espelhado e criaram um mosaico com a frase “Somos Todos Odebrecht”, ao mesmo tempo em que gritavam a palavra orgulho. O ato se repetiu no Centro Empresarial Botafogo, no Rio de Janeiro, onde um pouco mais de 100 empregados portavam um papel vermelho com as palavras orgulho e respeito, e no escritório de Salvador. Em Angola, na África, o mote era “Tenho Orgulho de Ser Odebrecht”. Manifestações desse tipo são comuns em empresas públicas, que contam com sindicalismo forte e atuante.

Em maio do ano passado, por exemplo, o prédio central da Petrobras, no centro do Rio, recebeu um abraço simbólico de funcionários defendendo a empresa e cobrando punição dos culpados pela corrupção. Numa empresa privada, o sentimento de propriedade dificilmente aparece nesses momentos de crise. A Odebrecht parece uma exceção desde a sexta-feira 19, quando o segundo maior grupo privado do País, com faturamento de R$ 108 bilhões, em 2014, começou a enfrentar um de seus maiores desafios em mais de 70 anos de existência.

Antes das oito horas da manhã, a Polícia Federal efetuou a prisão preventiva do presidente-executivo do grupo, Marcelo Odebrecht, em sua casa, no bairro do Morumbi, em São Paulo, e de outros quatro executivos (Márcio Faria, Alexandrino Alencar, César Rocha e Rogério Araújo) e deu início a uma operação de busca e apreensão nos endereços paulista e carioca da companhia. A 14ª fase da Lava Jato, chamada de Erga Omnes (para todos, em latim), também prendeu o presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, o diretor Elton Negrão e os ex-executivos da empresa Paulo Dalmazzo e Antonio Pedro Dias.

Na própria segunda-feira, a Odebrecht publicou extenso comunicado nos principais jornais do País, no qual afirmava que “expressa sua indignação com as ordens de prisão de cinco de seus executivos e de busca e apreensão em algumas de nossas empresas como resultado da 14ª fase da operação Lava Jato”. 
Cerca de 15 minutos após a chegada dos policiais federais na sede paulistana, a Odebrecht enviou uma mensagem para os mais de 168 mil funcionários diretos, espalhados por 21 países, para explicar o que estava acontecendo. O objetivo era evitar que a informação sobre a ação da PF chegasse primeiro a eles pelos meios de comunicação.

As três mil pessoas que circulam diariamente pelo edifício-sede receberam um segundo informativo, poucos minutos depois, com o pedido de cancelamento dos compromissos marcados para aquele dia. Às 9h30, uma nova mensagem dizia que o expediente estava encerrado para que os policiais pudessem circular pelos 18 andares de escritórios. No meio da tarde, uma carta assinada por Emilio Odebrecht, presidente do Conselho de Administração e pai Marcelo, mostrava que a companhia não mudaria seu ritmo e seu rumo. Um evento de venda de imóveis da área de negócios imobiliários, marcado para o dia seguinte, um sábado, no edifício paulistano da companhia, foi mantido – e resultou em cerca de 200 apartamentos vendidos, contrariando a expectativa dos diretores da Odebrecht Residencial, o braço no setor imobiliário do grupo baiano.

“Tenho plena confiança que, unidos, superaremos estes desafios, como sempre o fizemos”, escreveu Emilio, que prepara seu segundo livro, com lançamento previsto para o final deste ano, contando sobre o que vivenciou em 40 anos no grupo, fundado por seu pai, o engenheiro pernambucano Norberto Odebrecht, já falecido. A primeira pessoa do plural não é uma forma de aproximação utilizada pelos executivos no momento da crise. Essa é a maneira como os funcionários da Odebrecht se referem à empresa, com quem quer que estejam falando. Quando o doutor Norberto, como era conhecido o patriarca, fundou a companhia em 1944, ele colocou entre os princípios a necessidade de dividir com os empregados o seu sucesso ou fracasso.

Por isso, cada obra ou contrato funciona como uma unidade independente. Os responsáveis são chamados de empresários parceiros e são considerados donos do próprio negócio, respondendo pelas suas decisões e sendo bonificados em caso de sucesso – com a chamada Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO), Norberto orgulhava-se de ter criado o conceito de empreendedor interno, mais tarde popularizado pelo guru americano Peter Drucker. Exemplos da autonomia concedida aos funcionários não faltam. Em 2007, por exemplo, o executivo Benedicto Barbosa da Silva Júnior, vice-presidente de infraestrutura, decidiu assumir a obra de conclusão do estádio do Engenhão, no Rio de Janeiro, seis meses antes do início dos Jogos Pan-Americanos.

A Delta Engenharia havia desistido porque não teria condições de entregar a obra a tempo. Marcelo Odebrecht chegou a advertir Silva Júnior de que aquilo era um enorme risco para a imagem da empresa e a afirmar que discordava da decisão. A independência do executivo permitiu que ele mantivesse sua posição e recebesse no fim daquele ano, num evento na Costa do Sauípe, na Bahia, elogios do presidente-executivo. Essa filosofia, base da TEO, foi ratificada por Norberto no livro “Sobreviver, crescer e perpetuar”, que todos os funcionários devem ler, compreender e seguir.

Hoje, mais de 300 deles cuidam dessas empresas, que fazem parte de 15 unidades de negócios. Entre esses negócios, nenhum dos 15 presidentes-executivos (12 começaram como trainees e estagiários) tem o mesmo sobrenome dos controladores. Das 48 pessoas que fazem parte do núcleo da família Odebrecht, apenas oito trabalham no grupo e nenhuma delas está na linha direta de sucessão de Marcelo. Por esse motivo, o advogado Newton de Souza foi conduzido por Emilio à presidência interina da holding, na mesma tarde da operação da PF. “Não há a menor possibilidade de existir vácuo de poder na organização”, diz Marcio Polidoro, diretor da América Latina e Caribe.

Desde aquela sexta-feira, as lideranças da empresa passaram a procurar ou atenderam os clientes para esclarecer o que aconteceu e quais eram os próximos passos. Não foi preciso formar um comitê de crise para concentrar as informações: cada um deles estava preparado para levar a mensagem da empresa adiante. Em Cuba, onde foi construído o Porto de Mariel, foi feita uma visita às autoridades locais. A mesma movimentação se repetiu em países da América Latina, região com 35 obras de engenharia em andamento, e da África. No Brasil, a indicação foi que cada líder procurasse sua equipe para esclarecer eventuais dúvidas.

Em todas as conversas era importante deixar claro que as obras não serão interrompidas. “As obras que essas empresas investigadas estão tocando não param”, diz o economista Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas. “O problema pode acontecer em novas licitações e no acesso a financiamento.” Se os pilares internos se mantiveram firmes, o desafio da Odebrecht é enfrentar a desconfiança do mercado financeiro. Os títulos da dívida externa da empresa tiveram uma movimentação cinco vezes maior do que a habitual, na última segunda-feira, nas bolsas internacionais.

O volume chegou a US$ 14 milhões, ante uma média de US$ 2,7 milhões. Além disso, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s rebaixou a nota de crédito da Odebrecht para BBB-, que agora está no limite do grau de investimento. Daqui para a frente, a empresa pode encontrar dificuldade para contrair novas dívidas ou ter de pagar uma remuneração maior para os investidores. Um projeto que poderia ser afetado é o financiamento de US$ 4,2 bilhões, costurado por 14 bancos internacionais, para a construção de um gasoduto no Peru, por um consórcio liderado pela Odebrecht em sociedade com a Engás, da Espanha.

Ao mesmo tempo, as seguradoras ficaram mais seletivas na emissão de apólices de garantia (uma obrigatoriedade em todas as obras de infraestrutura). Aquelas já aprovadas continuam a ser renovadas. “A regra que o mercado está praticando é colocar dificuldades para as construtoras com concentração de obras”, diz o presidente de uma seguradora, que pediu para não ser identificado. “Mas clientes de grupos econômicos diversificados estão sendo menos afetados.” Nos negócios da Odebrecht, a diversificação começou no final dos anos 1970, quando as primeiras operações internacionais tiveram início. Naquele período, o grupo teve participações em mineração, celulose, informática, telefonia, entre outros.

Nos anos 1990, a decisão foi por se concentrar em engenharia e petroquímica. A Braskem, maior produtora de resinas das Américas, e a área de infraestrutura representam quase 80% dos resultados. O restante está dividido em 13 atividades, como agronegócio, óleo e gás, ambiental, entre outros. No passado, a fatia de receitas do exterior ganhou impulso, com a aquisição, em 1991, da construtora Bento Pedroso, em Portugal. Ela se manteve em torno dos 30% durante os anos 2000 e chegou a 49%, em 2014. Neste ano, pela primeira vez, o Brasil terá participação menor no faturamento. Como conseqüência, o peso do setor público nos resultados do grupo é inferior a 10%.