01/11/2013 - 21:00
DINHEIRO – A regra de gatilho nos preços da gasolina, que deve ser oficialmente anunciada pela Petrobras no dia 22 de novembro, é bem-vinda?
HENRIQUE MEIRELLES – Certamente é muito bem-vinda e o mercado já reagiu a isso. É uma evolução positiva e confirma a tese de que há uma evolução institucional no País. Se depois de tudo isso a Petrobras tiver uma regra sólida, terão valido a pena todos os problemas pelos quais a empresa passou nos últimos tempos. Isso, é claro, se a fórmula atender aos requisitos técnicos e de capacidade de investimento.
DINHEIRO – No auge da crise, em 2009, os bancos estatais foram criticados por expandir o crédito. Agora, vemos que o Banco do Brasil (BB), por exemplo, está lucrando mais do que outras instituições privadas. Isso prova que o governo estava certo?
MEIRELLES – É uma questão de timing. Naquele momento, era uma política adequada, por uma razão muito simples: o BB estava ganhando depósitos no meio da crise, enquanto os bancos privados estavam perdendo. Então, era absolutamente natural e correto que a parte do sistema financeiro que estava ganhando depósitos, inclusive por ter garantia federal, usasse esse recurso para emprestar. Seria um absurdo o BB começar a fazer liquidez com aqueles depósitos. Agora a fase mudou e chegou a hora de normalizar as políticas dos bancos públicos, que devem voltar a emprestar de acordo com a sua capacidade de ganhar depósitos de clientes. E essa parece ser a nova política do governo federal.
DINHEIRO – O BNDES tem sinalizado uma mudança de foco, com menos empréstimos para grandes empresas e mais para a infraestrutura. É o caminho correto?
MEIRELLES – É uma evolução gradual. Não há dúvida de que as empresas brasileiras globais estão hoje muito mais fortes e podem captar no Exterior. Sem dúvida, a atual grande necessidade de financiamento do Brasil vem da infraestrutura.
DINHEIRO – Essa mudança de postura do BNDES teria a ver com o problema gerado pela OGX, que detinha empréstimos milionários do banco de fomento?
MEIRELLES – Acredito que não. A OGX é um caso muito específico, de uma empresa muito alavancada, que é uma grande startup. Não se pode confundir isso com empresas que têm histórico, resultados, eficiência, etc. Isso foi uma grande aposta de todos, do próprio Eike Batista, dos executivos, dos acionistas, dos investidores e dos credores, inclusive do BNDES. Foi uma grande aposta que não deu certo. Era um grupo de grandes startups e, no mundo inteiro, a dose de mortalidade de startups é alta. Não se esqueça disso. Por outro lado, deixou alguns ativos muito importantes, como o Porto de Açu, projetos de mineração. Tem muita coisa aí que está sendo adquirida e reestruturada. Acho que isso começa a ser entendido no mundo inteiro e não deve ser misturado nem confundido com empresas que têm um histórico de lucratividade e de capacidade operacional.
DINHEIRO – Portanto, o episódio OGX não deve encarecer as captações de empresas brasileiras?
MEIRELLES – Não, inclusive porque eu acho que já está no preço que os investidores cobram.
DINHEIRO – O PIB brasileiro deste ano pode surpreender e superar as estimativas do mercado?
MEIRELLES – Pode. Nós ainda estamos com uma previsão de crescimento de 2,7% e vamos aguardar. É preciso entender que esse processo de retirada dos estímulos monetários pelo Federal Reserve (Fed) gera uma certa volatilidade e dificulta as previsões.
DINHEIRO – Qual é o momento adequado para o Federal Reserve fechar a torneira da liquidez internacional?
MEIRELLES – É difícil dizer. Existem duas grandes preocupações. A retirada prematura dos estímulos monetários pode abortar a recuperação econômica. Já a retirada tardia oferece riscos. Um deles é a inflação, problema para o qual o Banco Central americano tem estrutura e credibilidade suficientes para lidar. Afinal de contas, a expectativa de inflação nos Estados Unidos é bem ancorada, dado o histórico de controle dos preços bem executado durante décadas. O risco maior, na minha opinião, é de uma bolha de crédito. Então é muito importante que o Fed esteja monitorando quando os mercados de ativos e de crédito começarem a ficar inflacionados. Isso é fundamental. Quando o crédito começar a se expandir excessivamente, é sinal para começar a retirar os estímulos.
Sede do Federal Reserve, o Banco Central americano, em Washington
DINHEIRO – Mas o termômetro oficial do Fed não é o desemprego?
MEIRELLES – É verdade, mas, quando o desemprego chegar a 6,5% (era de 7,2% em setembro), o Fed pode dizer que ainda não é suficiente e que falta algo mais. Por isso, é importante olhar o desemprego de um lado e a inflação e a bolha de crédito, de outro.
DINHEIRO – O americano Robert Shiller, um dos três ganhadores do Prêmio Nobel de Economia em 2013, disse recentemente que há uma bolha imobiliária no Rio de Janeiro e em São Paulo. O sr. concorda com ele?
MEIRELLES – Acho que existe claramente uma bolha em algumas regiões do Rio de Janeiro, principalmente na orla, e em alguns bairros de São Paulo. No entanto, isso não pode ser confundido com a bolha imobiliária americana. A história econômica americana mostra que duas bolhas anteriores ? a do mercado de ações, em 1987, e a da internet, em 2000 ? não tiveram efeitos graves sobre a economia real. Além disso, já tinha havido o estouro de uma bolha imobiliária no final da década de 1980, sem grandes consequências. Já a bolha imobiliária de 2007, sim, afetou a economia real.
DINHEIRO – Qual foi a diferença entre elas?
MEIRELLES – A última bolha imobiliária estava alavancada por uma bolha de crédito. Quando estoura, uma bolha de crédito contamina a economia real, pois interrompe os mecanismos de transmissão de poupança, investimento e consumo. No caso brasileiro, isszo não está acontecendo, pois o crédito imobiliário aqui não tem nem de perto esse tipo de presença. Uma bolha sem ser excessivamente alavancada é negativa apenas para quem perde dinheiro com os imóveis, mas não impacta a economia real como um todo.
DINHEIRO – Nos últimos 20 anos, o sr. foi presidente do BankBoston, do Banco Central e agora está no setor produtivo, como presidente do conselho consultivo da J&F. Qual é o aprendizado mais interessante?
MEIRELLES – São coisas muito diferentes. Na verdade, foram quatro fases. Primeiro fui presidente do BankBoston no Brasil, que era basicamente um banco que crescia no mercado brasileiro. Depois, fui presidente mundial, em Boston, que foi uma experiência completamente diferente, pois fui o primeiro estrangeiro a ser presidente de um grande banco americano. Foi um desafio cultural enorme. A experiência de Banco Central foi muito gratificante, apesar da enorme pressão. A função oferece a oportunidade de influenciar diretamente a vida das pessoas. Uma política bem-feita, principalmente num momento de crise, dá um resultado enorme. Até hoje as pessoas comentam comigo na rua e no restaurante. Você passa a ter a dimensão de que as suas ações chegam até a dona de casa, dentro do lar dela. Agora, no setor produtivo, o desafio é outro. É o lado competitivo da economia brasileira, que tem vantagens comparativas. É uma outra dinâmica. Cada um deles teve o seu desafio e a sua gratificação.
Agência do Banco do Brasil, em Sâo Paulo
DINHEIRO – Quais são os planos do político Meirelles, que já foi eleito deputado federal pelo PSDB de Goiás, em 2002?
MEIRELLES – Determinados cargos, como governador de um Estado do porte de São Paulo, são questões de oportunidade e destino. Existem muitas pessoas que falam sobre isso comigo, mas já há uma disputa bastante consolidada em São Paulo, com candidatos postos, com polarização entre PT e PSDB, a possibilidade do ex-prefeito Gilberto Kassab e um quarto candidato, que é o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. Eu olho as referências ao meu nome como um elogio ao meu trabalho.
DINHEIRO – Então é a política paulista que está no seu radar, e não a goiana?
MEIRELLES – Sim, moro em São Paulo, meu domicílio eleitoral é aqui, e eu estou filiado ao PSD. Aliás, me mudei para São Paulo em 1964, já sou paulistano há muito tempo.
DINHEIRO – Independentemente de quem ganhar as duas próximas eleições, o Brasil estará melhor em 2020?
MEIRELLES – Não sei se em 2020 estaremos muito melhor do que estamos agora. O que eu acho é que existe toda uma evolução de conscientização da sociedade, que demanda uma gestão cada vez melhor. A sociedade não aceita mais retrocessos, como a inflação. O nível das demandas melhorou no Brasil, mas o que me preocupa é que o debate eleitoral foi antecipado. Começou muito cedo e trouxe a questão econômica para o centro do debate. Mas isso levou a uma passionalização e a uma partidarização muito grande do debate, no qual as pessoas não discordam, elas se agridem. É quase uma ofensa pensar diferente. O importante é a colocação de conquistas da sociedade. Qualquer governo que seja eleito tem de aprender a olhar o que deu certo e atender às cobranças da sociedade.