DINHEIRO ? Por que o Brasil está tão atrativo para os bancos estrangeiros?
HORÁCIO ROQUE ?
O Brasil sempre foi um país de grande potencial e tem se mostrado bem atrativo nos últimos anos. Não só pela sua dimensão como também pelas riquezas naturais e pela economia como um todo. O País, felizmente, no meu ponto de vista, encontrou a estabilidade de que necessitava para ser mais atrativo para o investidor estrangeiro. Isso começou com o governo Fernando Henrique Cardoso. O combate à inflação foi uma vitória conseguida naquele período. Depois, o presidente Lula veio dar uma credibilidade extraordinária à economia brasileira. As expectativas desempenham um papel fundamental no desenvolvimento de qualquer economia. Agora, criou-se uma onda de otimismo em relação ao Brasil. E veio para ficar.

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“Comparei a vitória do Lula com a do Mandela. Como a África, o Brasil não quebrou”.

 

 

DINHEIRO ? O Brasil já atingiu, portanto, o grau de maturidade?
ROQUE ?
Eu diria que há sintomas de que a economia brasileira está suficientemente madura para ultrapassar todas aquelas questões políticas que aparecem de vez em quando. Tivemos a oportunidade de ver, nos últimos anos, pequenas convulsões políticas que, entretanto, não afetaram a credibilidade do Brasil, nem a confiança internacional de que o País começou a amadurecer. Isso é extraordinariamente importante, reflete que o Brasil tem uma economia madura e, hoje, estável. Para os investidores internacionais, trata-se de uma questão fundamental, que cria realmente o selo de confiança entre a política econômica e os investidores.

DINHEIRO ? Mas, apesar de toda essa expectativa positiva em relação ao País, o nosso crescimento ainda é muito baixo.
ROQUE ?
É um fato que o Brasil precisa de um crescimento maior. Eu penso que muito já se fez e, se continuar realmente esta autoconfiança, isso se refletirá no crescimento econômico. Além de haver confiança externa no País, é preciso que exista também uma confiança interna. Parece-me que isso tem acontecido. Hoje, há evolução do nível de investimentos externo e interno no Brasil. Se o País crescer mais um ou dois pontos percentuais será o ideal. Mas eu costumo dizer que o ótimo é inimigo do bom. Portanto, como está, está bom.

DINHEIRO ? O sr. não acha uma contradição o Brasil alcançar um risco-país baixo e ter a maior taxa mundial de juros?
ROQUE ?
É uma contradição, mas temos de ver que o Brasil veio de um período de inflação e essa imagem da inflação ainda paira na decisão das autoridades monetárias. Acho que vai ser necessário mais algum tempo para que isso se ajuste. Mas seria muito bom para a economia se essas taxas fossem mais baixas.

DINHEIRO ? Alguma vez o sr. cogitou da possibilidade de encerrar as operações do banco no Brasil, como na crise política para a eleição do presidente Lula?
ROQUE ?
Nessa altura já estávamos atuando no Brasil com o banco Primus e continuamos porque acreditamos que de fato este período iria ser ultrapassado. Tivemos alguns exemplos, como o da África do Sul com Nelson Mandela. Nos anos 90, quando Mandela foi libertado e houve eleições com o fim do apartheid, milhares de empresários deixaram a África do Sul porque acharam que aconteceria uma derrocada tremenda. Fiz essa comparação na ocasião da eleição do Lula, em que algumas pessoas também viam no ar a idéia de que o Brasil poderia acabar. Isto é, ter grandes problemas exatamente porque o Lula era de esquerda, como Mandela também era. Fiz essa comparação nas reuniões com meus colaboradores e sempre defendi que o Brasil seria uma segunda edição da África do Sul e que iria chegar a uma posição estável. O Lula não iria trazer o desastre total como na época era previsto. Portanto, de maneira nenhuma cogitamos sair do Brasil.

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“Os portugueses trouxeram outros investidores para o Nordeste, como os espanhóis”.

 

 

DINHEIRO ? Quais as semelhanças que o sr. traça entre o Brasil e a África do Sul nesses períodos de crise política?
ROQUE ?
A transição tem sempre um papel importante. Como houve na África do Sul, em que o governo anterior teve todo um bom procedimento com Mandela, houve também da parte do governo FHC uma colaboração muito grande. Não se vê com freqüência situações em que um governo que perde o seu mandato e tem de passar a pasta para o outro tenha podido assumir o compromisso de que o governo seguinte iria respeitar os contratos firmados. E isso aconteceu. Tive oportunidades de participar de reuniões na Europa com o ministro brasileiro e o presidente do Banco Central, que garantiam que o governo Lula iria respeitar todos os compromissos assumidos pelo governo FHC. Esse é um papel importante e passa uma boa imagem à comunidade financeira internacional de colaboração dos políticos no Brasil.

DINHEIRO ? Qual é a estratégia de crescimento do Grupo Banif para o Brasil: organicamente ou por aquisições?
ROQUE ?
Somos, em Portugal, um banco especializado também em pequenas e médias empresas. A determinada altura, inúmeros empresários portugueses queriam investir no Brasil. Então, sentimos não só a oportunidade de negócio que tínhamos no Brasil para acompanhar esses empresários portugueses que queriam investir aqui, como também a de prestar um serviço no Brasil aos clientes que já tínhamos por aqui. Esse foi um dos motivos que nos trouxeram para cá. Hoje, a área financeira tem um papel importante a desenvolver nesse processo de crescimento econômico do Brasil. Até aqui nosso crescimento tem sido orgânico. É isso que vamos continuar fazendo, mas não rejeitamos se houver a oportunidade de crescermos através de aquisições.

DINHEIRO ? Como oferecer produtos financeiros para o brasileiro se a poupança interna é muito baixa em relação aos outros países?
ROQUE ?
O comportamento das pessoas mudou. Há menos poupança em todo o mundo do que há alguns anos. Eu posso dar um caso concreto. Em Portugal, a poupança foi substituída pelo consumo. Há um conceito diferente do que existia 15 anos atrás, em que a pessoa tinha o hábito de guardar uma parte do salário para qualquer eventualidade. Isso não está totalmente afastado, mas as pessoas estão mais viradas para o consumo do que para a poupança. Da mesma forma, o sistema bancário português vive hoje de alguma poupança, mas fundamentalmente dos financiamentos internacionais exatamente para alimentar esse consumo.

DINHEIRO ? Quais são as oportunidades para os investidores estrangeiros no Brasil?
ROQUE ?
Nossa missão não é ensinar os empresários a fazer negócio ou falar em que áreas eles devem atuar. A nossa missão é fundamentalmente conduzi-los depois que eles enxergam as oportunidades na área de agricultura, de indústria, na parte do turismo, etc. Há um manancial na área do turismo que é uma coisa extraordinária. Vê-se o investimento que tem havido no Nordeste brasileiro e os melhores grupos hoteleiros portugueses estão atuando no Brasil. E com uma vantagem: os portugueses serviram de motor para puxar outros investidores, como espanhóis e italianos. Nós temos clientes espanhóis também a investir no Nordeste brasileiro. Outro setor com excepcional potencial é o imobiliário.

DINHEIRO ? Mas o grande crescimento do setor imobiliário no Brasil deve ocorrer com a população de baixa renda. O Banif tem a intenção de participar dos projetos do crédito popular?
ROQUE ?
Nós somos, em Portugal, um dos bancos mais especializados no crédito habitacional. Aliás, a maioria do crédito ao consumo hoje em Portugal é para a habitação. Hoje há uma grande porcentagem de portugueses que têm sua casa própria, que têm acesso ao crédito bancário com uma taxa de juros baixa. Isso gerou três situações muito positivas. Primeiro, desenvolveu a indústria da construção e, à margem dessa indústria, uma série de empresas e de atividades. Depois desenvolveu-se o negócio bancário, que cresceu bastante com o financiamento da compra da casa.

DINHEIRO ? É possível isso acontecer por aqui?
ROQUE ?
No Brasil isso só vai acontecer quando tivermos uma taxa que possa ser competitiva, que as pessoas possam suportar. E essa taxa de juros tem que ser no máximo de seis, sete por cento.

DINHEIRO ? Ao ano?
ROQUE ?
É claro. (risos)

DINHEIRO ? O sr. é um otimista com relação ao etanol e aos biocombustíveis?
ROQUE ?
Sou um otimista por natureza. Acho que as novas energias, como a eólica e o etanol, são muito importantes. E o Brasil tem todas as condições de ser um grande produtor e liderar essa área. Fazer bons negócios com novas fontes de energia já é realidade na Europa. O momento tem sido extraordinário para as empresas que as exploram. A eólica é muito utilizada na Europa. Mas o Brasil tem uma experiência que outros países não têm no etanol, porque foi o pioneiro no lançamento dos carros a álcool.

DINHEIRO ? As empresas brasileiras descobriram recentemente o mercado de capitais. Como o sr. vê esse momento particular da economia brasileira?
ROQUE ?
O Brasil precisa de mais empresas na bolsa. O País tem uma bolsa muito ativa e com credibilidade, por isso há muitos investidores estrangeiros aplicando seus recursos no Brasil. Mas é necessário que haja mais condições para que se tenha mais empresas na bolsa. A distribuição de capital, no meu ponto de vista, é a maneira mais barata de desenvolver os negócios e fazer as empresas crescer.

DINHEIRO ? Nessa abertura de capitais, estamos tendo problemas com o insider trading. Muitas fusões têm gerado suspeitas de que há pessoas que se aproveitam dessa prática ilegal de mercado. Isso não espanta os investidores estrangeiros?
ROQUE ?
Isso acontece em qualquer mercado. O que precisa haver é um serviço de supervisão muito ativo e competente, porque é isso que vai dar a credibilidade ao mercado. Um mercado sem uma supervisão forte e sem um controle eficaz perde a credibilidade. As pessoas sabendo que há uma fiscalização forte é uma maneira também de que isso não aconteça.

DINHEIRO ? Por que o Brasil ainda não possui uma participação na vida financeira internacional equivalente à sua posição de décima maior economia mundial?
ROQUE ?
Isso se deve à situação de credibilidade, de confiança. Não se pode exigir, tem que se conquistar. É algo que tem que se buscar. E essa conquista normalmente demora um tempo, precisa ser passo a passo para que cada vez mais a confiança seja consolidada.